1 de dez. de 2012

a língua dos bebês


"O que vou lhes contar ocorreu na Maison Verte, instituição parisiense de acolhimento de crianças de zero a três anos, criada pela psicanalista Françoise Dolto.

Quando na juventude de minha formação psicanalítica, tive a oportunidade de passar algumas tardes naquele local, acompanhando o trabalho de Dolto, já, então, ícone da psicanálise dita infantil.

Em uma tarde, um casal relativamente jovem chegou para a consulta com cara de desespero. Traziam um bebê nos braços, o qual aparentava uma fraqueza importante. Deveria ter uns três ou quatro meses de vida.

Dolto, cheia de atenção vigilante e afetuosa, ficou sabendo dos pais que ao desespero da criança que não comia, razão por estar esquálida, somava-se a preocupação com o desemprego do pai, a sobrecarga da mãe, e as contas que não fechavam no mês.

Assisti, em seguida, Françoise Dolto se dirigir diretamente ao bebê, sem qualquer atenção ao fator compreensão, e lhe explicar, olhos nos olhos, que ela, Dolto, entendia muito bem que ele não quisesse comer, uma vez que sua chegada poderia ser pensada como em má hora, e que o melhor talvez fosse desaparecer. Contestou, no entanto, afirmando que ele estava enganado, pois sendo tão querido e esperado, sua morte precoce retiraria dos seus pais o único efetivo alento naquele momento difícil de vida. E assim se despediu dos três – filho, mãe e pai –dando-lhes um retorno para a semana seguinte. Quando saíram, Dolto me disse: -'Você vai ver só o que vai acontecer'.

No segundo encontro, confirmando a previsão da analista, eram outras pessoas que estavam ali. O bebê estava comendo, e bem.

Ao final do atendimento, a doutora me falou: -'Você viu como os bebês falam? Você viu a prova?'. Aí, para mim, foi demais. Com a delicadeza devida, contestei que não era que bebês falassem, mas que – como Lacan havia demonstrado no estádio do espelho... – ao ela falar com o bebê, estava realmente falando a seus pais que, por conseguinte, tinham mudado sua posição e possibilitado a alteração sintomática.

Dolto não me deixou avançar muito em minha peroração. –'Sim, sim – me retorquiu – eu também conheço o ‘seu Lacan’ e bastante bem. Além de companheiros de toda uma vida, somos mesmo muito amigos. Agora, que ele o diga com o espelho, é interessante, quanto a mim, digo e mostro – como você viu –que os bebês compreendem e sabem falar'.

Pano rápido."

- Jorge Forbes (compartilhado por Marcus Quintaes)

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