8 de set. de 2012

mais rápido, mais alto, mais forte

 
(...) o Brasil está fazendo bonito nos Jogos Paraolímpicos de Londres, já temos 17 medalhas, sendo 7 delas de ouro 20 medalhas de ouro, 13 de prata e 8 de bronze (41 no total [veja a contagem final aqui]). Nossa equipe olímpica ficou nas três de ouro – muito suadas, diga-se. Nossos paratletas foram brilhantes no atletismo, e surpreendemos até mesmo os mais de 80 mil espectadores do estádio olímpico com a vitória de Alan Fonteles sobre os favoritos, o americano Blake Leeper e o sul-africano Oscar Pistorius.

(...) Acho horrível tratar esses homens e mulheres como coitadinhos, deitando olhares de pena, quando eles merecem é elogios rasgados. Fonteles perdeu as pernas quando criança pequena, nunca soube o que é ter as duas pernas, mas compete desde os 8 anos de idade. Ele mesmo não reclama pena ou clemência de ninguém, e já traz ao menos uma medalha de ouro.

(...) Já li muita gente dizendo que os paratletas não são santos, rola tanto ou mais doping quanto nas Olimpíadas. Não acho que isso os reduza, pois são gente como todos nós, e enfrentam barreiras pesadas. No frigir dos ovos, são vencedores bárbaros.

Acho curiosa a comparação dos quadros de medalhas. Brasil não deficiente físico levando uma surra dos deficientes. Um quesito em que o país normalmente pisa na bola, não consegue cuidar sequer do elementar, mas, de alguma forma, abre oportunidades para esses atletas. Não é caso de pena, nem de maniqueísmo, mas de ver gente corajosa se dando bem. Merecem."

(Guilherme Lacombe, aqui)



"Criados para enfatizar a superação humana, os Jogos Paraolímpicos começaram com alguns veteranos de guerra no Reino Unido e foram abertos para atletas civis em 1960. Mas até a Paraolimpíada de Pequim eles ainda eram vistos como um evento de segunda classe, cuja entrada só deixou de ser gratuita em 1996, mesmo assim com pouco sucesso. Esta é a primeira competição em que todos os 2,5 milhões de ingressos foram esgotados.

Atletas paraolímpicos já superaram a história lacrimosa que acompanha a visão restrita de pessoas com necessidades especiais. O avanço das tecnologias faz com que as próteses deem a seus usuários condições reais de competir com atletas olímpicos. Com duas pernas mecânicas, Oscar Pistorius fez história ao se classificar para a Olimpíada de Londres e chegar às semifinais dos 400 m rasos no atletismo.

Intervenções menos evidentes, proporcionadas por biotecnologias, nanotecnologias e terapias genéticas, podem abrir para debate a fronteira dos limites do corpo humano, tirando da ficção o sonho de ciborgues, organismos parte máquina.

Apesar de o nome ter sido proposto nos anos 1960 como forma de sobreviver no espaço, a ideia já é popular desde a Revolução Industrial, explorada em contos de Edgar Allan Poe, Frankensteins diversos e até nos poemas de Fernando Pessoa, que, sob o heterônimo Álvaro de Campos, queria ser capaz de se exprimir como um motor, de ser completo como uma máquina.

Sem muito alarde, homens biônicos já estão entre nós. Portando marcapassos, implantes auriculares e bombas de insulina, muitas pessoas devem suas vidas funcionais a intervenções tecnológicas autônomas. Não tardará para surgirem chips e implantes conectados que aumentem o desempenho, a resistência e o intelecto de pessoas comuns. Fanáticos religiosos e reacionários diversos reclamarão, mas a realidade é que, desde o Homo habilis, usamos ferramentas para expandir nossas capacidades. O que há de errado em controlá-las com o cérebro, em vez das mãos?"

(Luli Radfahrer, aqui)


não há liberdade solitária


Um dos grandes dilemas do mundo contemporâneo, que parece afetar todos os momentos do nosso dia a dia, é a desimportância da convivência. Em palavras mais duras: a descartabilidade da maioria das pessoas, a transformação do outro em lixo. Nosso tempo, ao afirmar laços cada vez mais exclusivos e resumidos, faz do outro uma ameaça. Num tempo em que a competição alcançou todos os terrenos, do mundo do trabalho às relações afetivas, o outro é um ladrão do meu gozo potencial.

A primeira perda desse estado de coisas é a noção de solidariedade. Como o território é de disputas permanentes, querer que o outro progrida e supere suas dificuldades apenas me deixa mais fraco no cenário da luta conspícua. Os problemas do outro são as minhas oportunidades. Essa lógica está presente em vários episódios da vida social. Como o próximo é meu inimigo potencial, é importante neutralizar todos os seus eventuais méritos e vantagens. Esse raciocínio está presente, por exemplo, na condenação das políticas de ações afirmativas.

A segunda consequência do estado de guerra hobbesiana de todos contra todos é a discriminação e o preconceito que passa a perseguir os “perdedores”. Mais uma vez há uma tradução desse processo no cotidiano. Para ficar no exemplo no campo educacional, sempre que uma escola convida um aluno a se retirar por causa de seus resultados, mais que defender uma seleção dos melhores ela está denegando seu compromisso com a educação. Se um colégio não serve para ensinar, mas para separar jovens em castas, há muito deixou de ser educandário, como se dizia antigamente. Os colégios que expulsam os alunos com problemas de aprendizagem em nome da defesa de um nível mais alto de competitividade é apenas uma instituição fascista. Tem pai que quer seu filho num colégio fascist

O terceiro aspecto que a competição exacerbada traz para a sociedade é o culto da solidão. A sociedade, fundada no incentivo à distinção, parece apostar no isolamento como lugar dos melhores. Há uma distância enorme de outros valores, como o da excelência construída coletivamente, que fundava o ideal de convivência nas sociedades tradicionais. O projeto de se tornar um homem excelente foi trocado pelo desejo de se tornar uma pessoa distinta. O sucesso em si se torna objetivo de vida.

Entre os antigos, a moral da excelência partia da vida comum, lançava mão de ambições intelectuais, se traduzia em obras para a coletividade e era coroada com o alcance da felicidade individual, que era o último estágio. Os homens e mulheres buscavam fazer da vida uma obra de arte, mais ainda, uma obra de arte comunicável, dialogada, compartilhada. Ser feliz era ser com os outros. Hoje, ser feliz é ser contra os outros.

O quarto elemento derivado dessa contenda que se tornou nossa vida é o incentivo ao egoísmo. As pessoas defendem seu interesse com tanto denodo que tudo que se opõe a ele se torna obstáculo a ser derribado. O egoísmo é o cimento de uma sociedade de indivíduos escandidos no tempo e no espaço. Vivemos, como disse Drummond, tempo de partidos, de homens partidos. Essa situação, além de isolar o indivíduo, supõe a derrocada de todo tipo de projeto coletivista. Entre eles a política.

O egoísmo é em si um defeito de alma. Não pode – e não vai – melhorar a sociedade e aprimorar a relação entre as pessoas. Só numa sociedade humana em sua raiz é possível acreditar no florescimento real das individualidades. Ou seja, o indivíduo, com todo o seu repertório de possibilidades, só se realiza de fato em companhia. Somos sempre com o outro. Defender contextos defesos da presença da alteridade é criar o terreno para o fracasso de civilização.

Essa verdade foi traduzida por pensadores de diferentes épocas e estilos. Platão, na República, garantia que só na pólis o homem pode se realizar. A afirmação de seus dons mais valiosos só está garantida na presença do interesse geral e do bem comum. Nesse sentido, a busca da construção social é o único caminho viável para a felicidade individual.

O mesmo se depreende da leitura de Marx, em sua defesa da superação dos estágios de desumanização próprios do capitalismo, na perspectiva de uma transformação das condições de vida para todos. A sociedade civilizada ou será socialista ou a barbárie. Independentemente da concordância com o pensador aristocrático grego ou o revolucionário alemão, a conclusão é que a liberdade é uma construção coletiva. Não há liberdade solitária.

A transformação dialética da solidão em solidariedade aponta para o exercício da política. A liberdade conquistada no isolamento não cria nada, apenas reafirma valores exteriores que nos afastam do conflito e da possibilidade de aprimoramento. A liberdade, quando exercida coletivamente, supõe a perspectiva de sua ampliação e alargamento a um número maior de pessoas. A política é o campo de exercício da liberdade responsável.

Talvez o maior inimigo dos projetos coletivos seja o cinismo. O período eleitoral é um campo privilegiado para a observação da vigência do cinismo entre nós. Quando, nos anos 1990, o psicanalista Jurandir Freire Costa identificou a presença de uma razão cínica na sociedade brasileira, ele parecia descrever, por meio de uma triste fenomenologia, como chegamos tão baixo em matéria de civilização. No âmbito do cinismo, os valores caducam, o individualismo impera, a cultura se dissolve, os sentimentos se tornam relações de poder.

O diagnóstico de Jurandir ajudava a entender problemas que àquela época pareciam insuperáveis: a violência, o preconceito, a anomia, a corrupção, a irresponsabilidade, o moralismo. Para muitos, o psicanalista desenhava um horizonte sem saída, uma aporia insuperável de nossos defeitos como nação. O que, no entanto, o pensador destacava em sua análise era que o estado de coisas vivido naquela quadra não impedia que se desenvolvessem ações meritórias, que políticos dignos se manifestassem, que funcionários públicos cumprissem sua função, que as pessoas se organizassem para enfrentar desmandos e realizar coisas.

Para Jurandir, não se tratava de minorar as ações individuais e coletivas, por um lado, nem em absolutizar o papel desagregador da corrupção do Estado, por outro. O que ele enxergava no horizonte era que a sociedade não aceitava se demitir de seus problemas (o que quase sempre é a origem dos totalitarismos). Havia ação e indignação. O cinismo não campeia onde há crença em valores intercambiáveis. O cinismo é sempre a arma de solitários.

A eleição é um momento de afirmar valores coletivos e projetos ampliados. O homem não é, diria Freud, um ser originariamente social. Somos sozinhos e egoístas de nascença. Por isso precisamos melhorar. O outro é o espelho de nossa pequenez. E nossa chance de crescimento.

- João Paulo, via

 

é ruim. e se for?

Mais de 80 filmes, documentários e shows 
para assistir gratuitamente agora mesmo, aqui. Via e via (*)

O cinema brasileiro já produziu 27 filmes baseados na obra de Nelson Rodrigues, 21, na de Jorge Amado, e sete, na de Lucio Cardoso. Não se sabe onde estão muitos desses filmes nem em que formato ou em que condições. É provável que, de outros, já não exista o negativo ou uma cópia razoável em 35 mm. É parte da cultura brasileira se decompondo, abandonada.

Nelson, Jorge e Lucio estão comemorando centenário em 2012, e há anos que já se sabia disso. Um programa executado com antecedência pelo Ministério da Cultura teria feito com que tal acervo chegasse reunido e restaurado ao ano desses centenários e permitisse a instituições culturais a realização de mostras, festivais ou retrospectivas. Imagine os ganhos, até políticos. Mas ninguém se mexeu -se é que se teve a ideia.

Nesta quarta-feira, em mesa promovida pelo Sesi-SP no ciclo "Nelson Rodrigues 100 Anos", o cineasta Neville d'Almeida estendeu a situação a todo o patrimônio cinematográfico brasileiro. Seu próprio filme "A Dama do Lotação", de 1978, baseado num conto de Nelson e que arrastou 6,8 milhões de espectadores apenas na estreia, até hoje não está disponível em DVD. E olhe que, por quase 30 anos, foi a segunda maior bilheteria do país.

Dir-se-á que boa parte da filmografia nacional é "ruim". E se for? As chanchadas da Atlântida, em seu tempo, também eram consideradas o fim. Hoje atraem estudiosos que as veem como um tesouro de números musicais e com valor de documentário, por terem sido, quase todas, filmadas nas ruas. Ainda vale o paradigma de Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, às vésperas da ocupação de Paris pelos alemães, em 1940. Ele decretou que não havia filmes "ruins" -todos mereciam ser protegidos.

Dir-se-á também que restaurar filmes é um processo caro, e que não há dinheiro para isso. Há, sim.

(Ruy Castro, via)

- Se ele te vir aqui...
- Vai ser um espeto!

(*) "Uma lista de shows, discos, documentário e filmes [nacionais e] internacionais. (...) Trabalho de curadoria animal feito por um grupo – ou cara – chamado Depredando o Orelhão, que também tem uma fanpage no Facebook, com listas e mais listas (...)." De novo: aqui.

em busca do desejo perdido


"Falar sobre sexo é fácil. Falar sobre nossos espaços vazios, nossas solidões, é muito, mas muito mais difícil. O filme tem menos a ver com o sexo em si do que com o desejo de se sentir amado e de se amar."

(Meryl Streep, sobre "Um divã para dois", aqui).



"Mas trair o próprio desejo da gente é confortável. E, para muitos, o casamento serve para isso: é um pretexto para descansar da tarefa de desejar e de inventar a vida. Assim: casei, nada depende mais de mim, ele (ou ela) me prende nesta rotina e me impede de me tornar o que eu tanto queria ser - boa desculpa, hein? (...)

E daí, quem disse que só vale a pena o que for para sempre?"

(Contardo Calligaris, aqui)

* * * 

Enquanto isso, ocorreu na Turquia, no início de setembro, o primeiro casamento via Twitter (aqui).

* * *

Maurício estava separado.

Sua esposa recém abandonou a casa. Levou as roupas e os pertences sem motivo. Um suicida seria mais educado: pelo menos, deixaria um bilhete e uma explicação. Não foi o que ocorreu.

Para complicar, Maurício e Karen irradiavam felicidade nas últimas semanas, o que ferrou com a cabeça do sujeito. Não houve nenhuma discussão, nenhuma cobrança, nenhum problema pontual.

Não entendia até aquele momento uma verdade dura dos relacionamentos: a felicidade separa mais do que a infelicidade. Poucos suportam depender de outro. Não há maior humildade do que precisar de alguém.

A empregada Leonice vinha sempre às 8h, e encontrava o bancário arrumado e com a mão na maçaneta.

Naquela sexta, não foi diferente, a não ser a esperança da reconciliação.

– Karen ficou dormindo, somente acordará ao meio-dia. Parecia muito cansada. Assistimos a um filme e deitamos tarde.

A empregada suspirou feliz com a reaproximação do casal. Só faltou benzer a porta fechada do quarto.

– Volto para o almoço às 14h – completou.

A empregada foi ao mercado comprar ingredientes e preparar um empadão de palmito, prato predileto de sua patroa.

No decorrer do caminho, recebeu ligação de Maurício.

– Não esquece a rúcula e o iogurte natural que acabaram. Karen não abre mão.

Ao meio-dia, Maurício telefonou de novo:

– Ela levantou?

– Não, permanece quietinha lá, sonhando com os anjos – respondeu Leonice.

– Então, deixa dormindo.

Quando Maurício regressou para o almoço, no meio da tarde. Karen não tinha dado sinal.

Ponderou, ponderou e decidiu não despertá-la.

– Ela nunca pode dormir. Não deve ter trabalho hoje. Não é o caso de incomodá-la. Acordará sozinha.

O tempo rodou 15h, 15h30min, 16h, 16h30min.

Maurício ligou mais uma vez:

– E Karen?

– Nada ainda.

– Compra flores na esquina e decora a sala. Gerânios, ela adora essa palavra: gerânio. Ela costuma falar que a palavra já tem cheiro.

Satisfeita por dentro, Leonice riu com suas covinhas, concluiu que os dois continuavam apaixonados um pelo outro.

Quando Maurício regressou às 18h, Karen resistia dormindo.

Ele teve que pedir:

– Vai acordá-la, passou do limite, o almoço já é janta.

Leonice ressurgiu na sala branca, esverdeada, rosa, azul, amarelo, lilás, alternando as cores do medo.

– Não tem ninguém no quarto.

Maurício respirou fundo e somente disse:

– Não estou pronto para saber disso. Vamos continuar fingindo que ela ainda mora conosco, tá bom, Leonice?

(Fabricio Carpinejar, aqui)

* * *

Quase como em Sob a Areia.

7 de set. de 2012

é proibido proibir


Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.

(Eduardo Galeano)

Via

* * *

Enquanto isso, no 7 de setembro...


"(...) me pergunto se essas datas não poderiam ser, na verdade, um momento de reflexão sobre nós e como estendemos o direito à dignidade a todos que habitam este território. Ao invés de passarmos em revista nossas forças armadas – que ainda vivem sob a herança da ditadura, carregadas de pessoas cheias de pó que se mantém feito gárgulas a tudo observar e criticar, cantando loas a feitos inexistentes – poderíamos entender a razão de chamarmos indígenas de intrusos, sem-teto e sem-terra de criminosos, camponeses de entraves para o desenvolvimento e imigrantes bolivianos de vagabundos.

(...) Não amo meu país incondicionalmente. Mas gosto dele o suficiente para me dedicar a entendê-lo e ajudar a torná-lo um local minimante habitável para a grande maioria da população. Gente deixada de fora das festas principais, entregues ao pão e circo de desfiles com tanques velhos e motos de guerra remendadas. Mas que, quando voltam para casa, encaram a realidade da falta, da ausência, da dificuldade e da fome.

Qual a melhor demonstração de amor por um país? Vestir-se de verde e amarelo e se enrolar em uma bandeira? Ou ter a pachorra de apontar o dedo na ferida quando necessário?"

(Leonardo Sakamoto - na íntegra aqui)

 Via

"O Brasil foi 'inventado' de cima para baixo, autoritariamente. Precisamos reinventá-lo em outros termos."

- Paulo Freire

a unanimidade

(Via)

(...) É isso que Nelson Rodrigues é ou se tornou: uma unanimidade. Ele que a vida inteira viveu provocando polêmica, atacando e sendo atacado, virando a mesa das ideias convencionais, fossem elas de direita ou de esquerda, populares ou impopulares, acabou empalhado numa das suas boutades mais ferinas. Hoje qualquer idiota, qualquer desses imbecis que babam na gravata (...) escreve sobre ele apenas para irrestritamente louvá-lo. Flor narcisista hostil à indiferença ou ao coro unânime dos idiotas, Nelson certamente ficaria perplexo ao constatar que a posteridade diluiu ou apagou todos os traços complexos da sua personalidade provocativa.

Onde divisar o reacionário impenitente e autoirônico nessa figura anódina da unanimidade? Suas frases mais ousadas e desconcertantes, não importando no caso o que contivessem de verdade ou erro, dissolveram-se em lugares comuns inofensivos.

(...) A unanimidade que cerca a obra de Nelson Rodrigues, e isso não é de hoje, representa, entre outras coisas negativas, a nossa inconsciência social e ideológica, a leviandade com que vivemos e esquecemos, a inconsistência de nossas supostas convicções que hoje converte em vaca sagrada o inimigo ontem demonizado, que hoje canta loas ao gênio que era ontem um autor pornográfico e um reacionário desprezível.

(...) Fazendo justiça à história documentada, também a Nelson, cuja glória prescinde de distorções do tipo das que acima assinalei, ponhamos os pontos em alguns is. Antes de tudo, o Nelson glorificado pela posteridade é o Nelson jornalista, o autor das crônicas e contos cujo estilo inconfundível e até repetitivo acima grosseiramente esbocei. Aludo ao Nelson politicamente incorreto, ao provocador dotado de raro talento para a frase de efeito. Investindo sua retórica afiada pelo paradoxo desabusado e o descaso diante de qualquer senso de propriedade e medida, Nelson desafiou todas as unanimidades, sobretudo as progressistas, ou assim consideradas no auge da sua militância de jornalista polêmico. Fulminava não apenas as esquerdas em geral, mas também o poder jovem e a liberação dos costumes que pipocaram nos turbulentos anos 1960.

(...) Assim como importa distinguir a obra e a biografia a propósito da passagem do centenário de Nelson Rodrigues, importa igualmente sublinhar o processo inverso, isto é, lembrar de passagem a glória momentânea de alguns autores revolucionários ou de esquerda cuja distinção literária foi fruto exclusivo de fatores biográficos, mais precisamente ideológicos. Aludo a escritores e artistas cuja importância estética esgotou-se tão logo foram superadas as circunstâncias históricas de que dependia o valor de suas obras. Não citarei nomes. O leitor esclarecido pode facilmente indicar vários dentre os que tenho em mente. O fato é que, tão logo se esvaziaram como símbolos de arte politicamente revolucionária, de resistência à ditadura e outros fatores de duração contingente e extrínsecos à qualidade autonomamente estética da obra, todos mergulharam no poço da obscuridade merecida.

Não é evidentemente o caso de Nelson Rodrigues. Por isso embirro com esse clima de unanimidade diluidor da própria força e complexidade da sua obra. O Nelson reacionário, cabotino e tudo mais que de negativo se possa lembrar acerca do homem, este passou, ou algum dia passará. O que fica é a obra, volto a chover no molhado. O que importa reter e justamente louvar é o cronista e o contista excepcionais e acima de tudo o dramaturgo. Sei que não há como rigorosamente dissociar uma coisa da outra, a biografia da obra, já que a personalidade poderosa e marcante do autor projetou-se indelevelmente na obra. O que não engulo é essa unanimidade póstuma onde os inconscientes e idiotas o aprisionam. Por isso concluo repetindo a frase que anula toda essa consagração ofensiva vomitada pelos idiotas sem opinião: “Toda unanimidade é burra”.

(Fernando da Mota Lima, aqui)

nós queremos beijar na sua sala


Incomodar-se com o beijo gay por ser uma manifestação "sexual" "indecorosa" é insistir na visão reducionista dos "homossexuais" como seres definidos por sua genitalidade, e não como "homoafetivos", pessoas capazes de uma afetividade tão humana quanto a de qualquer outra pessoa.

"(...) O beijo gay na TV é pedagógico. Se mostrado de modo legítimo, sem as típicas caricaturas que a gente já cansou de ver na TV, ele coloca um assunto em debate, apresenta a normalidade dos nossos afetos, e deixa muito evidente para gente idiota que um beijo é sempre um beijo: uma demonstração de carinho válida entre quaisquer que sejam as pessoas, quaisquer sejam os seus sexos ou gêneros. Beijo não tem nada a ver com assoar nariz ou defecar em público, menos ainda com sexo no meio da rua – porque já cansei de ouvir gente falar de beijo gay como se fosse isso.

Para quem continua achando que temos coisas mais importantes para discutir do que um beijo numa novela, é bom rever os conceitos. Porque se a gente realmente se preocupa com a violência, é bom lembrar que ela começa pela invisibilidade."

(Murilo Araújo - leia na íntegra aqui.)

* * *

Enquanto isso, o jornalista Vitor Angelo denuncia: "uma mídia muito estranha está colocando os gays como algo a ser combatido ou como algo muito negativo. Primeiro foi em Pernambuco, depois Joinville e agora São Paulo" (saiba mais aqui).


Assim, "com um governo omisso e ausente, um Congresso Nacional repleto de religiosos fundamentalistas, parece que o cerco obscurantista está fechando para os direitos da população LGBT no Brasil. A partidarização do movimento gay – apesar de importante para levar propostas desta minoria para os partidos políticos – tem sido atualmente um entrave para uma mobilização mais consistente e uníssona de homossexuais, bissexuais e transgêneros. Uma das saídas para conseguir leis igualitárias para a população LGBT neste momento são manifestações suprapartidárias" (leia entrevista e saiba mais aqui).

(Para conhecer melhor a Suprapartidária LGBT, clique aqui; para assinar a petição para que a OAB apele à ONU para pressionar governo Federal e Congresso Nacional a criminalizar a homofobia, clique aqui.)



Clique na imagem para ampliar.



os gritos que a gente não vê na 5ª maior economia do mundo

Oswaldo Guayasamín (aqui)


Mi pintura es para herir, para arañar y golpear en el corazón de la gente. 
Para mostrar lo que el Hombre hace en contra del Hombre...
- Oswaldo Guayasamín

"Vi na TV que em Florianópolis, em Santa Catarina, estão contratando pedreiros de "luxo”. Salário de R$5.000,00, mais casa, alimentação e lazer. É por isso que estou indo. Não pensei duas vezes. Pobre não tem escolha”. A frase é de Sérgio, 25 anos, 1º grau de escolaridade incompleto, com quem viajei num ônibus, do Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais) até São Paulo com destino final, Florianópolis. A ação de Sérgio é como um Grito de milhares de trabalhadores sub-empregados ou desempregados sujeitos a trabalhos de qualquer espécie para sobreviver em um Brasil que acaba de se tornar a "5ª maior economia do mundo”.

Deslocamentos de trabalhadores ocorrem e são impulsionados no bojo da mundialização do capital, da transnacionalização de empresas, da financeirização, autonomização da produção, cujo caráter principal é a desregulamentação da política, da economia, a informalidade do trabalho, e, o esgarçamento da cidadania e da democracia. Veja-se o tratamento policial sobre as greves de trabalhadores nos canteiros de obras da Copa 2014 e do Rio Madeira para a construção de barragens. Quantos milhares de Sérgios não têm acesso à trabalho decente e à saúde na 5ª maior economia do mundo?

Dias depois, conheci dona Eloisa, 51 anos, cearense do Crato, em São Paulo. Ela tinha rosto sofrido, mas brilho, alívio e sorriso no olhar. Durante 20 anos dormira sob papelão em um barraco às margens do Tamanduateí. Mas, há cinco anos, foi à luta com o movimento dos sem-teto. Enfrentou a violência do Estado policial e o preconceito. Há dois dias, ela conseguiu uma casa popular. Muito contente, disse-me que voltava do centro da cidade, onde fora comprar um colchãozinho inflável. Depois de 25 anos ia poder voltar a dormir em um colchão. Mais um Grito por moradia abafado. Quantos milhares de famílias dormem em barracos de madeiras às margens de esgotos e lixões na 5ª maior economia do mundo?

Outro Grito veio de um imigrante boliviano, José Jamil, que trabalhou como escravo em oficinas de costura, em São Paulo-SP. Resgatado, Jamil disse não "ter para onde ir”. Não havia outra alternativa senão permanecer alvo das empresas transnacionais e suas fornecedoras que lhes supre de mercadorias baratas às custas do trabalho mal pago ou escravo de muitos imigrantes. Quantos imigrantes trabalham como escravos, sem moradia, sem escola, sem acesso à cidadania na 5ª maior economia do mundo?

Em um dos bancos do terminal urbano Ana Rosa conheci o Marcelo, 25 anos. Ele dizia que já fora pessoa trabalhadora com seu pai e sua mãe em um sítio em Nova Venécia-ES. Mas, um fazendeiro tomou-lhes a terra e plantou eucalipto em tudo. O pai falecera dias depois. A mãe fora para um asilo. A ele, restou "sair de mund’afora”. Perguntei-lhe sobre o fato do prefeito Gilberto Kassab colocar a guarda civil metropolitana no encalço dos moradores de rua e proíbir a distribuição da sopa a eles pelas organizações de solidariedade. Marcelo tomou uma cachaça e disse-me: "já fui escorraçado e apanhei várias vezes desses guardas.” quantos milhares de camponeses são expulsos do campo o eito dos canaviais, nos canteiros das grandes obras, ou, para morar nas ruas da 5ª maior economia do mundo?

Outro dia, encontrei Dona Eva pelas estradas empoeiradas do Vale do Jequitinhonha-MG. Ela mora em uma comunidade quilombola sem acesso a água potável. Tem três filhos, um deles trabalhador migrante cortador de cana. Todos os dias, de manhã e à tarde, dona Eva precisa caminhar seis quilômetros caatinga adentro para ir buscar água em uma represa que a Ruralminas fez para irrigar monocultivos de banana. Quantos milhares de famílias não tem acesso à água potável na 5ª maior enconomia do mundo?

Semana passada, encontrei-me com Dona Francisca e o Mestre Magrão. Ela falou-me sobre um grupo de mulheres que luta bravamente para sobreviver no Jardir Rincão, periferia de São Paulo. Ali, além das tarefas domésticas, elas elaboram costuras e artesanatos para tentar complementar a parca renda familiar. Como diria Sidnei Silva, "costuram sonhos” de viver com dignidade humana em suas famílias, em suas comunidades. Já o Mestre Magrão falou-me do trabalho de capoeira e de formação que ele faz com crianças, adolescentes e jovens na mesma periferia do Jardim Rincão. Com sua arte, procura colaborar para que meninos e meninas não encontrem na violência, nas drogas e prostituição, sua única alternativa de vida. Contudo, quantas Donas Franciscas e Mestres Magrões lutam sem o reconhecimento e apoio do poder público na 5ª maior economia do mundo?

Na 5ª maior enconomia do mundo, o Estado e os governos locais ignoram, de propósito, Sérgios, Eloisas, Josés, Marcelos, Evas, Franciscas, Magrões. Não ouve seus gritos por direitos básicos de cidadania. Ao contrário, os reprime com a violência organizada, institucionalizada. A quem e como serve o Estado na 5ª maior economia do mundo?

O 18º Grito dos Excluídos questiona esse sistema, por um lado, e, por outro, busca potencializar os Gritos da gente que a gente não vê, não ouve, não reconhece. Procura, através das lutas, sonhos, esperanças mostrar que há possibilidades e alternativas populares de se construir um país melhor, no qual o Estado garanta direitos a toda população, onde o ‘luxo’ não seja exceção ilusionista de tv, e, nem favor de empresas e governos.

Assim, o 7 de Setembro é mais que um dia da Pátria. Mais que um momento, que um evento. Faz parte de um processo de lutas por dignidade, cidadania e soberania popular. Se os direitos de cidadania e os valores democráticos forem garantidos aos trabalhadores, esta já é a essência do gozo – e não luxo – da nossa condição humana e do convívio em uma sociedade, onde o Estado esteja a serviço da nação e garanta direitos à toda população!

(José Carlos Alves Pereira, via Adital)

[O Grito pelo Brasil, aqui]

* * *

Quino

o ovo


You are the universe, expressing itself as a human for a little while.
- Eckhart Tolle

Você estava a caminho de casa quando morreu.


Foi um acidente de carro. Nada particularmente notável, mas, de todo modo, fatal. Você deixou esposa e dois filhos. Foi uma morte indolor. Os paramédicos fizeram tudo o que podiam para salvá-lo, em vão. Seu corpo tinha ficado em tal estado que foi melhor assim, acredite.

Foi aí que nos encontramos.

- O que foi... o que aconteceu? - você perguntou. - Onde estou?
- Você morreu - expliquei casualmente. Não havia razão para rodeios.
- Tinha... um caminhão, eu derrapei...
- É.
- Eu... morri?
- É. Mas não se preocupe. Acontece com todo mundo.

Você olhou em volta. Não havia nada, só eu e você.

- Que lugar é este? É a vida após a morte?
- Mais ou menos - respondi.
- Você é deus?
- Isso. Sou Deus.
- Meus filhos... minha mulher...
- O que é que tem eles?
- Eles vão ficar bem?
- É isso que eu gosto de ver. Você acabou de morrer e sua maior preocupação é com a sua família. Isso é muito bom.

Você me olhou fascinado. Para você, eu não parecia Deus. Parecia mais um homem qualquer. Ou, talvez, uma mulher. Alguma vaga figura de autoridade, talvez - parecia mais um professor de gramática do que o todo-poderoso.

- Não se preocupe, eles vão ficar bem. A lembrança que seus filhos guardarão de você será de perfeição sob todos os aspectos. Não tiveram tempo de chegar a desprezá-lo. Sua esposa vai chorar, mas no fundo, no fundo, vai ficar aliviada. Sejamos honestos, seu casamento estava falido. Mas, se serve de consolo, ela vai carregar uma culpa enorme pelo alívio que vai sentir.
- Oh... E agora? Eu vou para o céu ou para o inferno, ou alguma coisa assim?
- Nenhum dos dois. Você vai reencarnar.
- Ah, então os hindus tinham razão.
- Todas as religiões estão certas, cada qual à sua maneira. Vamos andar um pouco.

Você me acompanhou em uma caminhada pelo vazio.

- Para onde estamos indo?
- Para nenhum lugar específico. Mas é agradável caminhar enquanto conversamos.
- Então, para que tudo isso? Quando eu renascer, vou ser como um papel em branco, certo? Um bebê. Todas as minhas experiências, tudo o que eu tiver feito nesta vida, nada disso terá nenhuma importância.
- Não é bem assim - retruquei. - Você levará consigo todo o conhecimento e as experiências de todas as suas vidas passadas. Você só não terá a lembrança delas, por enquanto.

Parei de falar e segurei-o pelos ombros.

- A sua alma é mais magnífica, bela e imensa do que você é capaz de conceber. A mente humana consegue conter apenas uma minúscula fração do que você é. É como mergulhar o dedo em um copo de água para ver se está quente ou fria. Você submerge apenas uma pequena parte sua, mas ao tirar o dedo recebeu todas as experiências que ele teve. Como você viveu os últimos 48 anos sob a forma humana, ainda não teve tempo de se expandir e entrar em contato com o resto da sua imensa consciência. Se ficássemos aqui tempo suficiente, você começaria a lembrar de tudo. Mas não há por que fazer isso entre uma vida e outra.
- Então quantas vezes eu já reencarnei?
- Ah, muitas. Muitas mesmo. Desta vez, você vai ser uma jovem camponesa na China de 540 d.C..
- Como assim? - você gaguejou. - Você vai me mandar para o passado?
- Bom, acho que, tecnicamente, sim. Sabe, o tempo só existe no seu universo. No lugar de onde eu venho, as coisas são diferentes.
- E de onde você veio?
- Ah, sim. Bem, venho de um outro lugar. Um lugar diferente. E há outros como eu. Sei que você vai querer saber como é, mas, sinceramente, você não vai entender.
- Ah... - você suspirou, meio decepcionado. - Mas espere aí. Se eu reencarnar em outros momentos no tempo, posso interagir comigo mesmo em algum momento.
- Claro. Isso acontece muito. Mas, como em cada vida você só tem consciência do seu próprio tempo, não vai se dar conta do que está acontecendo.
- Mas para que tudo isso?
- Você está falando sério? Sério que você está me perguntando qual o sentido da vida? Isso não é meio lugar-comum?
- É uma pergunta razoável - você insistiu.

Olhei-o no fundo dos olhos.

- O sentido da vida, o motivo por que criei este universo inteiro, é para que você amadureça.
- Você quer dizer os seres humanos? Você quer que a gente amadureça?
- Não, só você. Criei este universo inteiro para você. A cada nova vida, você cresce e amadurece, e torna-se um intelecto maior e melhor.
- Só eu? E o resto do mundo?
- Não existe mais ninguém. Neste universo, somos só eu e você.

Você me olhou sem entender:

- Mas todas as outras pessoas na Terra...
- Todas são você. Diferentes encarnações suas.
- Espere. Eu sou todo mundo?
- Agora você entendeu - parabenizei-o, dando-lhe um tapinha nas costas.
- Todos os seres humanos que já viveram sou eu?
- E que viverão, sim.
- Sou Abraham Lincoln?
- Sim, e John Wilkes Booth também.
- Sou Hitler? - você perguntou, horrorizado.
- E todos os milhões que ele matou.
- Sou Jesus Cristo?
- E todos os que o seguiram.

Você ficou em silêncio.

- Todas as vezes que você fez mal a alguém, foi a si mesmo. Todos os seus atos de bondade foram para consigo mesmo. Cada momento de alegria ou tristeza vivido por todos os seres humanos foram, ou serão, vividos por você.

Você ficou pensando por um bom tempo.

- Por quê? - perguntou então. - Por que isso tudo?
- Porque, um dia, você se tornará igual a mim. Porque é isto que você é: como eu. É meu filho.
- Uau - você exclamou, incrédulo. - Quer dizer que eu sou um deus?
- Não, ainda não. Você é um feto. Ainda está crescendo. Quando tiver vivido todas as vidas humanas de todos os tempos, terá crescido o suficiente para nascer.
- Então o universo inteiro é só...
- Um ovo - completei. - E agora está na hora de você seguir para a sua próxima vida.

E mandei você de volta.

Por Andy Weir, aqui.(*) Ah, e existe este vídeo com Lego.

(Via)

(*) Não sei se é este Andy Weir. Se alguém souber algo sobre o autor dessa história, agradeço se puder me informar. Fiquei curiosa.

6 de set. de 2012

deus é silêncio



"Mestre Eckhart diz que não há nada tão parecido com Deus quanto o silêncio. A razão disso é que o silêncio não é apenas a ausência de ruído. Quando meditamos, procuramos um tempo e um lugar tranquilos, externamente silenciosos, mas não é isso que esse silêncio realmente significa. Silêncio é atenção. Quando prestamos atenção a algo, mas prestamos atenção de verdade, estamos sendo silentes. Assim, se nada é tão parecido com Deus quanto o silêncio é por nada ser tão de Deus quanto a atenção pura, o puro amor. Quando tiramos a atenção de nós mesmos, amamos aquele a quem damos essa atenção. Por isso, na tradição mística do cristianismo, o trabalho da contemplação é o trabalho do amor, porque é o trabalho do silêncio, porque o trabalho do silêncio é o trabalho da atenção."

- Laurence Freeman (OSB)

Via

do teatro grego ao facebook



"Do teatro grego para as competições de oratória no foro romano, até os palanques midiáticos da era televisiva, a democracia e a competição política apresentaram-se no mundo ocidental em forma de espetáculo público, ou seja, de apresentação de argumentações e programas submetidos ao julgamento dos espectadores. Estes eram chamados a opinar e escolher suas peças preferidas, o discurso mais bonito ou seus candidatos", escreve Massimo Di Felice, sociólogo, professor de teoria da opinião pública na ECA-USP e coordenador do Centro de Pesquisa Atopos (ECA-USP).

(...)

Com o advento da comunicação digital esse modelo comunicativo, que permaneceu presente no decorrer da história nas distintas épocas midiáticas e culminou com a forma da espetacularização da política televisiva, entra definitivamente em crise. Com a difusão das mídias móveis e das redes sociais digitais, muda a arquitetura de produção e distribuição das informações, alterando aquele modelo antigo que uniu o teatro grego à TV. Se a mídia e a política de massa criavam público e buscavam consenso através da comunicação frontal, as arquiteturas interativas digitais nos propõem a forma de produção colaborativa de conteúdo que se desenvolve mediante a interação reticular de sujeitos ativos. Do YouTube ao Facebook e à Wikipedia assistimos à passagem de uma forma receptiva de comunicação a uma forma interativa e coletiva.

Se por milênios os fluxos comunicativos foram unidirecionais e a forma de distribuição dos conteúdos mantinha as dinâmicas piramidais da emissão de informações de um centro (emissor) para uma periferia (receptor), a revolução comunicativa digital introduz, pela primeira vez na história da humanidade, um modelo comunicativo interativo, baseado no sistema de rede que, anulando a distinção identitária entre emissor e receptor, oferece a todos os internautas (tecnoatores) o mesmo poder comunicativo e igual oportunidade de acesso. Além disso, tal ruptura comunicativa inaugura um tipo de interação que ativa a comunicação e a torna possível somente no interior das interações dinâmicas entre interfaces, redes e internautas, conferindo aos últimos o papel de construtor das informações e produtor de conteúdos.

Os pressupostos dessa nova cultura midiática interativa são o exato contrário da forma analógica. Para a descrição das arquiteturas comunicativas das interações digitais parece, consequentemente, necessário substituir o conceito de público para aquele de redes, nas quais o significado e o conteúdo do comunicar não são mais pré-codificados e estabelecidos pelo emissor, mas construídos e viabilizados pelo processo interativo.

Essa passagem da mídia de massa para a personal mídia, do analógico para o digital e do ver para o tecnoagir não deixará de alterar a natureza da sociedade e os significados da ação política.

De um ponto de vista político midiático, nossa época é marcada por uma paradigmática transformação que vê o advento de uma nova forma de democracia. Ela é baseada na articulação de consenso através da construção colaborativa de redes informativas que articulam novas formas de sinergia entre indivíduos e informações. Mais que sobre o consenso e apresentação de candidatos, essas novas formas de atuação produzem mudanças diretamente sobre os territórios por meio da participação e da troca informativa de rede de cidadãos. À figura do político portador de um programa e líder de uma corrente partidária sucede o ativismo dos tecnoatores, que através do livre acesso às informações articulam-se, discutem e produzem informações de forma colaborativa. Em todos os continentes produz-se uma forma tecnoinformativa de participação, cidadania e processos de transformações sociais. Foi assim que os cidadãos das antigas cidades gregas tornaram-se autores e atores das tramas encenadas no final da tarde no começo de outras primaveras.

(Leia na íntegra aqui.)

aleitamentos


"MacDonald nasceu mulher, mas foi ‘transformado’ em homem aos 23 anos, através de tratamento hormonal e cirurgia nos seios. 'Eu continuo com os meus órgãos reprodutivos femininos, mas sempre me senti (e ainda me sinto) completamente masculino. Além disso, qualquer pessoa que me visse na rua não pensaria que sou outra coisa senão um homem', ele escreveu em um artigo que saiu na Out Magazine, em abril. Ele ainda refere a si mesmo como pai, e não mãe.

Ele também se autodenomina homosexual e casou com o atual parceiro antes de engravidar. Antes de ter o bebê, ele pesquisou e descobriu um método de amamentação para mulheres com mastectomias (a cirurgia que fez para ter seios masculinizados).

O principal motivo para Trevor informar-se sobre o assunto é garantir ao seu filho os nutrientes que apenas o leite materno possui. (...) Para o bebê, a experiência não difere em nada em relação a uma amamentação comum. (...)

Até a última semana, o grande debate acerca da questão da amamentação era centrado nos dilemas de quais locais são ideais para isso e quanto tempo de duração deve ter. Mas Trevor MacDonald, o pai ousado de 27 anos, fez surgir uma questão ainda maior sobre isso: quem fica responsável pela amamentação? O pai ou a mãe?"

(via)

* * *

Pouco a pouco as mudanças se fazem sentir - e se traduzem em pequenos detalhes como este:

Via (obrigada, Dri)

ponto final


"Meditar não é evitar problemas ou fugir das dificuldades. Nossa prática não consiste em fugir. Nossa prática consiste em adquirir bastante força para enfrentar, efetivamente, os problemas. Para isso, precisamos estar calmos, sólidos e viçosos. É por isso que precisamos praticar a arte do ponto final. Quando aprendemos a parar, ficamos mais calmos, e a nossa mente, mais lúcida, como as águas que ficam mais claras após terem se assentado as partículas de lama. Sentando tranquilamente, apenas inspirando e expirando, desenvolvemos força, concentração e lucidez. Portanto sentem-se como uma montanha. Nenhum vento pode derrubar uma montanha."

- Ven. Thich Nhat Hanh.

5 de set. de 2012

a sabedoria do silêncio


(...) Se realmente há algo que não sabe, ou para que não tenha resposta, aceite o fato.

Não saber é muito incômodo para o ego, porque ele gosta de saber tudo, ter sempre razão e dar a sua opinião muito pessoal. Mas, na realidade, o ego nada sabe, simplesmente faz acreditar que sabe.

Evite julgar ou criticar. O TAO é imparcial nos seus juízos: não critica ninguém, tem uma compaixão infinita e não conhece a dualidade.

Cada vez que julga alguém, a única coisa que faz é expressar a sua opinião pessoal, e isso é uma perda de energia, é puro ruído. Julgar é uma maneira de esconder as nossas próprias fraquezas.

(...) Tudo o que o incomoda nos outros é uma projeção do que não venceu em si mesmo.
Deixe que cada um resolva os seus problemas e concentre a sua energia na sua própria vida. Ocupe-se de si mesmo, não se defenda.

Quando tenta defender-se, está a dar demasiada importância às palavras dos outros, a dar mais força à agressão deles.

Se aceita não se defender, mostra que as opiniões dos demais não o afetam, que são simplesmente opiniões, e que não necessita de os convencer para ser feliz.

O seu silêncio interno torna-o impassível. Faça uso regular do silêncio para educar o seu ego, que tem o mau costume de falar o tempo todo. Pratique a arte de não falar.

Tome algumas horas para se abster de falar. Este é um exercício excelente para conhecer e aprender o universo do TAO ilimitado, em vez de tentar explicar o que é o TAO.

Progressivamente desenvolverá a arte de falar sem falar, e a sua verdadeira natureza interna substituirá a sua personalidade artificial, deixando aparecer a luz do seu coração e o poder da sabedoria do silêncio. (...)

(Texto taoísta na íntegra aqui.)

murar o medo


O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já eram para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos.

Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.

O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.

O preço dessa construção [narrativa] de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.

A Guerra-Fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação… Precisamos de intervenção com legitimidade divina… O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.

Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.

Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.

Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas [incômodas] como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilhão e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivos se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?

Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.

Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida… A verdade é que… pesa uma condenação antecipada pelo simples fato de serem mulheres.

A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.

É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões do Norte. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.

Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente… Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global:

“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.”

E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.

(Mia Couto, aqui)

viver de amor

José:

“(...) uma pessoa pode, enfim, por uma perda da pessoa a quem ama, por exemplo, suicidar-se, a isso chamaria morrer de amor. Agora não há nenhuma doença do amor, ou melhor, as doenças do amor são de outra natureza, são o cansaço, são o aborrecimento, são a rotina, essas são as doenças do amor. Agora, morrer de amor. Não sei.”



Pilar:

“Pode-se morrer de sofrimento, pode-se morrer de desgosto... Disso que falávamos antes, de perversão, da perversão dos sentimentos que podem ir consumindo, mas o amor é expansivo, enche tudo. Não se pode morrer de amor. Creio que se vive de amor.”

JOSÉ E PILAR - Conversas inéditas, de Miguel Gonçalves Mendes

(via)

4 de set. de 2012

culto às celebridades


Brett Cohen teve a idéia de enganar milhares de pessoas na Times Square, levando-as a pensar que ele era alguma grande celebridade, num experimento social que comprova a força do culto às celebridades na cultura atual, mesmo sem qualquer credibilidade.

Ele se vestiu como uma típica celebridade e montou uma comitiva de dois guarda-costas profissionais, dois assistentes e fotógrafos, fingindo ser paparazzi, para acompanhá-lo. Enquanto os assistentes e fotógrafos esperavam sua saída do prédio que abriga os estúdios da NBC, começou um burburinho de que um grande "astro" estava para sair, fazendo assim com que valesse a pena esperar para tirar uma foto. Muitos perguntaram à equipe quem era Brett, sem que nenhuma resposta fosse dada. Não tiveram alternativa senão limitar-se a tirar uma foto com ele, na esperança de que seus amigos do Facebook ou seguidores no Twitter estivessem mais bem informados.

Quando a equipe chegou à Times Square, a multidão em torno de Brett só fez crescer. Muito pouca gente ainda perguntava quem ele era, de onde era, ou o que fazia. Brett tirou fotos com cerca de 300 pessoas. Mesmo sem saber responder de onde o conheciam ou qual seu filme favorito com ele, a maior parte do público mostrou-se animadíssima com sua presença na Times Square.

(Vídeo em inglês.)

carta a uma jovem ativista

Ao tomar conhecimento da história de Isadora, como não lembrar do caso de Ryan Hreljac?


Eu dediquei alguns momentos, agora, pela manhã, para conhecer sua página do facebook Diário de Classe - A Verdade, criada por você, Isadora Faber, 13 anos, estudante de Florianópolis, em 11 de julho. A dica foi de meu colega Rafael Art.

Observei que a sua iniciativa virou marketing viral, objeto de matérias na mídia, pelo fato de você estar munida de sua palavra e da câmera da máquina digital e flagrar o que vê de errado na infraestrutura de sua escola e no relacionamento na composição entre educador e aluno e vice-versa. É importante essa disposição de abrir seu olhar para o coletivo. Parabéns! E vejo também que postou alguns flagrantes de coisas boas (como o post da rampa), o que não pode perder de vista, como as possíveis melhorias, caso ocorram.

O que me deixou sinceramente preocupada ao ler alguns de seus posts de desabafo é que ao mesmo tempo, a pressão que recebe por essa iniciativa, vem de todas as formas. Por meio de colegas, educadores, direção escolar, do próprio assédio da mídia.

É importante que consiga ter o suporte necessário (familiar), de sua rede de relações e dos próprios internautas simpatizantes e consiga seguir o seu caminho de ativista, sem se prejudicar emocionalmente. Não perca sua inocência e boa vontade que foram sua gênese motivadora. Veja os seus limites físicos e emocionais para continuar na sua jornada.

Quando nos propomos a certos objetivos que não são consenso e esbarram em estruturas de poder, como você expõe em seus próprios relatos, precisamos nos fortalecer por meio de exemplos que nos sirvam de argumentos. Mostramos o que está errado, mas também descobrimos que outras pessoas fazem da maneira certa. Assim, as raízes se tornam mais fortes e consequentemente conseguimos ter o fortalecimento necessário, que possibilitará que sejamos ainda mais fortes na articulação em nossa fase adulta. Ser cidadão (ã) é um aprendizado contínuo. Eu, por exemplo, fico grata por conhecer sua iniciativa, que está agregando algo de bom aos meus ideais.

(Sucena Shkrada Resk, jornalista e educadora na área ambiental)

Via 

os anormais

Wrong century, Tomas Kucerovsky

"O que não tem nada a ver é as pessoas partirem do princípio de que eu tenho problemas de baixa auto-estima só por ser gorda. Pode acreditar: MUITA gente é gorda e não se odeia."

Aqui (em inglês).

* * *
Enquanto isso, cada vez mais se fortalece, na sociedade e na academia, o movimento que questiona a identificação automática entre obesidade e doença. E questiona, aliás, os próprios limites que definem obesidade. Não será possível uma pessoa ser mais saudável gorda do que magra? Leia aqui.

E, afinal, o que impediria um surfista de 180 quilos de encarar ondas gigantes?


(E o quanto não haverá de interesse econômico por trás da crescente patrulha demonizadora da obesidade, que chega a beirar o persecutório "ame o pecador, mas odeie o pecado"?)

* * *


É essa patrulha do corpo que insiste em enquadrar todo mundo num padrão que não é de ninguém e na verdade deixa todo mundo de fora: gordos e magros, altos e baixos, míopes e vesgos, loiros e morenos,  pretos e amarelos, mulheres, crianças e velhos, e LGBTTIs e todas as outras letras, e "deficientes" de todas as cepas. Vamos falar sobre mecanismos de controle e poder, não é? Porque mesmo quem mais se aproxima do "padrão" fica prisioneiro de ter de corresponder a ele.

Leia a entrevista aqui

"Aqui está a chave do bullying: é uma violência contra o corpo fora da norma. Vejam que não falo em normal, pois norma e normal se confundem para a imposição das regras sob o corpo. O corpo que foge da regra – seja nos olhos da menina vesga, nas pernas do menino cadeirante, ou no cabelo da menina negra – é matéria suficiente para ação do indivíduo ou do grupo provocador." (Debora Diniz, aqui)

"O homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto para outro amigo em público. Manifestar seus sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de bicha. De quem está fora do seu papel. (...) Já passou o momento de sairmos de nossa zona de conforto e começarmos a educar nossos filhos para viverem sem medo. E não para serem inimigos de quem não tem pênis." (Leonardo Sakamoto, aqui)

3 de set. de 2012

adolescentes no combate à violência sexual


Foi lançada na última sexta-feira (31) a "Campanha ANA” – Conectad@s por uma Copa sem Violência Sexual. A iniciativa, que busca envolver adolescentes brasileiros no combate à violência sexual no contexto de grandes eventos como a Copa do Mundo de Futebol, foi divulgada virtualmente por meio das redes sociais twitter e facebook.

A campanha tem como objetivo principal prevenir a violência sexual contra crianças e adolescentes durante a Copa das Confederações, que acontece em 2013, e a Copa do Mundo, que acontece em 2014, ambas no Brasil. A intenção é seguir com as atividades da campanha nas cidades-sede até o fim dos dois grandes eventos.

Outro intuito é fortalecer o protagonismo adolescente no enfrentamento à violência sexual, torná-los sujeitos ativos nesse processo e ouvir suas demandas enquanto parcela da sociedade vulnerável ao abuso e à exploração sexual.

"Existem no Brasil várias campanhas de combate à violência sexual de crianças e adolescentes, mas são poucas as que os envolvem diretamente”, esclareceu Lívia Rodrigues, assessora de Mobilização da Campanha.

(...) As atividades da Campanha ANA serão basicamente realizadas por meio das redes sociais, de um blog e de um boletim informativo quinzenal. Os interessados em recebê-los podem deixar o e-mail no blog ou no facebook da Campanha. Serão realizados também dois chats com especialistas para que os adolescentes interajam e tirem suas dúvidas.

(...) O nome da campanha, ‘Ana’, batizará também uma personagem que estará inserida em todas as ações virtuais. Ela tem 12 anos, estuda em uma escola pública e mora no município de São Lourenço da Mata, onde está sendo construído o estádio onde acontecerão os jogos da Copa em Pernambuco. A adolescente não terá computador, mas passeará pelas redes sociais, pelo blog e pelos chats em uma lan house oferecendo informações, levantando questionamentos e dividindo conhecimentos com adolescentes de todo o Brasil.

Para conhecer mais a Campanha, acesse o blog, o twitter ou o facebook da campanha.

(Leia na íntegra aqui)

criações


"Infelizmente, ninguém sabe o que faz que uma educação dê certo. E pais e filhos, perdidos (os primeiros no desespero e os segundos no desafio), acabam acreditando, um dia, como no caso do menino do Paraná, que o fundamento da autoridade e da rebeldia seja a força - eu te acorrento, e você vem com gilete.

Uma pesquisa famosa de Daniel Kahneman, em 2004 (para assinantes), constatou que criar filhos não é uma fonte de bem-estar. (...)

Seja como for, a criação dos filhos é uma experiência menos satisfatória do que todos queremos acreditar que seja.

O que foi? Será que, de repente, na modernidade, perdemos a mão, e ninguém sabe mais ser pai direito? Por que, na hora de educar, nossos avós pareciam se sair melhor do que a gente - com menos questionamentos e menos dramas?

É uma questão de expectativas: eles não esperavam nem um pouco que criar filhos lhes trouxesse a felicidade. E é uma questão de lugar: para eles, as crianças não eram o centro da vida dos adultos."

(Contardo Calligaris, aqui)

* * *

"Não aconselho - nunca aconselhei - ninguém a ter filhos. A ingrata e gloriosa arte de criar alguém nunca foi fácil, porém, acho que hoje as pessoas acrescentaram uns cinco níveis a mais de complicação, e todo mundo entra em desespero. (...)

Fico me perguntando o que dirão quando ela estiver maiorzinha e começarem a ver realmente a forma que estou criando [minha filha]. Não crio uma menininha, crio um ser humano. Quero que antes de entender a diferença entre os sexos minha filha aprenda a igualdade entre as pessoas."

(Rebeca, no Minoria é a Mãe)

* * *

Acho que criança tem que se sujar, tem que tocar o mundo sem tanto controle, tem que se desenvolver. E ninguém se desenvolve se for protegido demais, se tiver seu contato com todas as coisas milimetricamente cuidado, controlado, calculado, higienizado. Não canso de me surpreender com o exagero dos inúmeros produtos voltados ao que eu chamo de ‘esterilização do mundo’ (...).

Fico me perguntando se este tiro não há de sair pela culatra em um futuro não muito distante. Se não estaremos, com este zelo exagerado pela limpeza – melhor dizendo, pela assepsia absoluta em todas as esferas da vida – criando futuras gerações muito mais suscetíveis às bactérias que temos tentado a todo custo eliminar.

Um dos grandes aprendizados (e desafios) da maternidade é abrir mão do controle: desde a gravidez, aprendemos a relaxar, confiar, entregar – não sabemos quando o bebê vai nascer, quanto e quantas vezes há de querer mamar, quantas horas vai dormir, quando começará a engatinhar, andar, falar, ler, escrever. É assim também com o contato de nossas crianças com o mundo, com tudo o que ele tem a oferecer, de bom ou de ruim: não podemos controlar tudo, evitar tudo, proteger de tudo. E mesmo que pudéssemos, isso não traria para eles nada de bom.

Criança tem que tomar contato com o mundo, do jeito que ele é. Tem que estar livre e disposta diante de todas as coisas, tem que estar disponível para a investigação do mundo, e investigar o mundo é coisa que não se faz de luvas, de dentro de uma bolha, com medo do contato. É o contato que cria resistência, é pelo contato que o organismo se fortalece, aprende a reagir aos agentes estranhos, é pelo contato que se amadurece. É pelo contato que conhecemos o mundo, que nos entregamos à vida. A tal da ‘vitamina S’ (‘s’ de sujeira) pode fazer um bem danado para o organismo de nossos pequenos, se soubermos lidar com ela de maneira consciente, razoável, lúcida.

E o melhor de tudo: ela traz para a vida um gosto bom de alegria e liberdade. E quando esse gosto falta, isso sim é que faz um mal danado à saúde – do corpo e da alma.

(Tata, do Blog Mamíferas)

* * *

Em tempo: vale demais ler aqui a história do diretor de arte paraibano que apelou para Nick Fury para ajudar o filho, que teria de usar um tampão no olho para um tratamento contra hipermetropia.
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