10 de fev. de 2013

o ano dos gays

"Melhor um casamento gay (alegre)
do que um casamento triste"

De Helena Celestino para o Globo de hoje:

Dos cardeais do Vaticano a escoteiros e bandeirantes, todos estão sendo obrigados a rever conceitos e, quem sabe, desfazer preconceitos. Em cada cabeça, uma sentença; em cada país, uma polêmica. No Reino Unido, uma parte do movimento gay não entende por que tanto barulho por tão pouco. Concordam que a aprovação no Parlamento do direito de os gays se casarem foi uma vitória da turma do bem; vai favorecer os casais homos, seus filhos e a sociedade de uma maneira geral. É mais uma etapa em direção à igualdade de direitos num país em que criminalização do sexo entre iguais — lei que mandou o escritor Oscar Wilde para a cadeia — só terminou nos anos 60. Mas a pergunta que não quer calar é por que o Estado tem de se meter num assunto tão privado como o amor entre duas pessoas, sejam elas hétero ou homo? Os ocidentais criticam a intromissão da lei islâmica na vida privada de mulheres e homens, mas repetem o procedimento ao legislar sobre o comportamento sexual: “Quase todas as questões envolvidas num casamento podem ser resolvidas consensualmente entre dois adultos — divisão de propriedades, obrigações e direitos de família — não precisa do Estado para ser regulamentado”, diz o ativista Sam Bowman, num texto no “Guardian”.

Na França, bem ao estilo local, o filósofo Alain Finkeilkraut, chamou de desrespeito aos gênios malditos — Rimbaud, Walt Whitman e Verlaine — a institucionalização da homossexualidade através do casamento, uma instituição burguesa. A frase — que não leva em conta o contexto histórico — foi encarada só como uma provocação, mas a discussão do casamento gay virou uma batalha filosófica sobre os diferentes conceitos de família. A direita se opõe ao projeto sob o velho argumento de que se trata de uma lei para destruir a família tradicional, aquela construída “naturalmente” por pai, mãe e filhos — vamos combinar que ela há muito recorre a procedimentos médicos para a procriação e convive com inúmeros arranjos para sobreviver. Os socialistas, patrocinadores do projeto casamento para todos, defendem a tese de que a cultura nos define tanto quanto a biologia, portanto, faz parte da vocação da humanidade se libertar das normas da natureza.

No popular, ou seja, na briga política do Congresso, os partidos de direita levaram a barriga de aluguel para o plenário, com a intenção clara de aumentar a polêmica em torno da legalização do casamento gay. A inseminação artificial numa barriga paga não é permitida na França nem está no texto do “casamento para todos”, mas virou o centro da polêmica que divide o país. Sabe-se que existe um turismo de casais gays com Kiev como destino, com a intenção de achar uma mulher para engravidar e doar o filho. Lá, na chamada capital da barriga de aluguel, por € 15 mil , há mulheres dispostas a serem inseminadas e, nove meses depois, entregarem os filhos ao casal dono dos óvulos ou do esperma.

Na França como nos EUA, existe o temor de que mulheres pobres sejam exploradas por casais impossibilitados de engravidar, mas o recurso a práticas médicas para ter filho não entra no debate do casamento gay entre os americanos. O conceito de liberdade de escolha individual impede que o Estado interfira na vida privada. Os seguros de saúde privados cobrem tratamento para engravidar de mulheres solteiras e de casais de lésbicas.

A rápida mudança da opinião pública sobre o casamento gay aconteceu tanto nos EUA quanto no Reino Unido e na França, com a maioria da população nos três países aprovando a medida, sem impedir — claro — a explosão de grandes polêmicas nas mesas de bar, no congresso ou na mídia. Para a maioria, o casamento gay entrou na lista dos direitos fundamentais para as sociedades que defendem liberdade e justiça para todos. Mas toda a polêmica vale a pena se a alma não é pequena, já dizia alguém.

Na cartesianíssima França, o Parlamento discutiu doze horas se trocava as palavras pai e mãe por pais, aumentando a polêmica criada em torno do projeto de legalização do casamento entre homens e entre mulheres. No Reino Unido, o premier do Partido Conservador, David Cameron, defendeu a formalização da união homossexual como forma de fortalecer o casamento, a instituição fundadora da família tradicional. Mais prosaicamente, nos EUA, é em nome da igualdade tributária e da autonomia dos estados que a Suprema Corte pode reconhecer a legalidade do casamento entre homossexuais em março. Os argumentos não podem ser mais diferentes, mas provavelmente 2013 ficará na lembrança como o ano dos gays.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...