5 de fev. de 2013

tarantino livre


Sobre o filme Django Livre, a naturalização da escravidão e a redução do negro a uma passividade submissa e inerte, o comentário de Idelber Avelar, publicado hoje em seu perfil no Facebook:

Não dá para escrever um longo texto sobre o filme no momento mas, para quem soltou
foguetes com “Django”, de Tarantino, eu gostaria de sugerir três artigos que fazem pensar um pouco sobre:

1- O subgênero ao que poderíamos filiar o filme, que é o da “white rescue fantasy”, a fantasia branca de resgate, na qual um mocinho branco salva personagens negros basicamente passivos, produzindo o efeito catártico no público branco sem que ele se pergunte sobre sua cumplicidade com a violência retratada. Que um dos dois protagonistas seja negro, no filme de Tarantino, não muda nada: Django é um negro salvo por um homem branco, Schultz, e aprende tudo com ele. Este é a condição de possibilidade daquele.

2- A completa naturalização da escravidão e a redução da luta contra ela a uma ação individual. Os outros negros do filme são caricaturais ao ponto de serem inverossímeis e, a eles, não há uma palavra de solidariedade de Django, o que reitera sua filiação ao modelo da fantasia branca de resgate.

3- A dinâmica da sobreutilização do insulto “n**ger”, claramente uma estratégia de legitimação de Tarantino, com a qual está em diálogo o caráter cômico do personagem de Samuel L. Jackson. O texto da New Yorker, aqui, é bem instrutivo sobre este aspecto do filme: o diretor branco que cria um personagem escravo submisso como figura cômica.

4- As desastrosas declarações de Tarantino, atribuindo a si próprio um papel pioneiro na discussão da escravidão, são coerentes com o filme: a rasura da experiência negra real que tem lugar no filme se replica na rasura da longa história de tematização da escravidão em cineastas, escritores e intelectuais negros, que não costumam replicar esse modelo do western spaghetti com vítimas passivas, à espera de um resgate do mocinho. Não é coincidência que tantas plateias brancas saiam do filme satisfeitas, catarticamente validadas.

Muito mais poderia ser dito, mas deixo aqui os textos, que subscrevo quase na totalidade (na totalidade mesmo, no caso do texto de Tanya Steele): Jelani Cobb, aqui; Tanya Steele, aqui; e Paul Barrett, aqui.

Aproveitando o ensejo: em breve, postarei aqui uma coletânea de links para artigos e comentários sobre os filmes indicados ao Oscar - de preferência, antes do carnaval, para você poder descansar um pouco da folia de vez em quando. ;-)


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