7 de dez. de 2012

bullying: intolerância às diferenças


Recentemente ouvi de uma mãe que a escola onde seu filho, 10 anos, estuda chamou-a porque o menino vinha praticando bullying contra um colega. Na sua fala existia um gozo pela valentia, coragem e liderança do filho. Os detalhes da natureza da violência são desnecessários nesta reflexão.

O que me chama a atenção é que esta mãe, antenadíssima em tudo o que diz respeito à alimentação saudável, consumo consciente, sustentabilidade, educação de qualidade e coletividade, se deleitou ao contar a façanha do filho. “Segura” e decidida, é proprietária de argumentos que convencem o mundo de que está certa (como de fato muitas vezes parece estar) e quem está do lado oposto ao dela, errado.

Divergências existem, são esperadas, saudáveis e construtivas; isto não é motivo de surpresa. O que salta aos olhos, no entanto, é que até esta situação ocorrer, a mãe em questão não havia percebido que no seu radicalismo entre o correto e o incorreto, o necessário e o supérfluo, o útil e o inútil, seu filho estava aprendendo que a vida é feita extremos. Entre, aqui, não significa meio termo, mas a dicotomia presente no discurso e atitudes materna: artificial X natural, comprado X reciclado, público X privado, bom X ruim, entre outros.

A criança aprende pelas referências que tem. Transferir a ela esta cisão da realidade é o mesmo que dizer que o mundo é feito de rígidos opostos: o bonito e o feio, o forte e o fraco, o inteligente e o burro, o saudável e o doente, o magro e o gordo, o rico e o pobre, o esperto e o tolo, o gostosão e o espinhudo. Se não há trânsito entre os extremos, não importa quais sejam eles, as diferenças não se conversam; ao contrário, se atraem e se chocam.

Quando “zoiúdo”, “baleia”, “marica”, “narigudo” ou qualquer outro adjetivo que se transforma em sujeito “bate e volta”, “entra por um ouvido e sai pelo outro”, estamos diante de alguém que desenvolveu um escudo protetor contra ataques, um recurso interno de proteção que o defende das peripécias da vida. Aceitar-se como diferente do outro (não como estigma, mas como ser único) é ter segurança e autoconfiança necessárias para a construção desta barreira. A falta dela (a visão de mundo polarizada) é ao mesmo tempo um imã e um alvo certeiro para quem quer atacar, já que atrai exatamente porque o outro não encontra meios de defesa. Um par perfeito para quem carrega em si a rigidez de enxergar o mundo apenas sob sua própria ótica.

Do ponto de vista psíquico, criatividade e rigidez são antônimos. Enquanto a primeira caracteriza aqueles que reconhecem a pluralidade e conseguem “brincar” com as diversidades, a segunda “acha feio o que não é espelho”, estando presente naqueles que não conseguem olhar para além do próprio umbigo, mesmo que seu discurso e tentativas sejam contrários.

O bullying – de bully, do inglês, mandão, tirânico – caracteriza-se por atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, por um ou mais indivíduos contra também um ou mais indivíduo. Apesar de o termo estar em uso há poucos anos, as situações de violência pela intolerância às diferenças individuais e grupais sempre existiram. Vide as guerras.

Aparentemente, agressor e agredido são antagônicos – o mal e o coitado. Ora, em ambos os lados reside uma postura engessada decorrente da dificuldade no trato com as diferenças, uma sob a forma de ataque e a outra de paralisia. É por isto que tanto quem pratica quanto quem sofre o bullying são vítimas; vítimas de uma cultura que na prática tem sustentado e valorizado a massificação, a falta de singularidade. No entanto, “esquece-se” que mesmo que se tenham os mesmos pais, vistam a mesma roupa, tenham o mesmo carro, estudem na mesma escola, as pessoas são diferentes e as diferenças não podem ser tidas como defeito, inferioridade, nem como vantagem ou maior valia.

Um cego tem uma percepção tátil e auditiva que aqueles que têm o privilégio da visão raramente conseguem ter. Uma criança com Síndrome de Down em geral desenvolve uma afetuosidade que muitos não conseguem desenvolver. São inferiores? O cara cheio da grana, que pode comprar tudo, nem sempre é o mais feliz ou bem sucedido em todas as áreas da vida. O que vence em todas as corridas, pode ser um derrotado, por exemplo, nas relações amorosas. São superiores? Não, são todos diferentes uns dos outros, cada qual com suas características e potencialidades.

Enquanto vivermos avessos à pluralidade das coisas, valores, princípios, emoções, ideias, jeito de ser, prevalecendo os pré-conceitos e o que eu quero e penso, não existirá o outro enquanto sujeito desejante e pensante. Ou seja, não haverá saída para as situações conhecidas atualmente como bullying.

O ”narigudo” carrega uma herança biológica, mas também cultural. O “gordinho” pode assim ser porque mergulha nos prazeres gastronômicos. O menino mais sensível tem uma habilidade que pode ser um grande diferencial em relação aos “machões de carteirinha”. Por que não se aventurar a conhecer este “outro” lado de cada um? O mundo precisa de todos. Por isto, desde muito cedo devemos educar a criança para as diferenças e, consequentemente, para o respeito a si e ao outro. Já é mais do que hora de encorajarmos as crianças (e a nós mesmos) a conviver com as diferenças e a julgar somente a partir da experiência, e não de conceitos imaginados e pré-estabelecidos.

As crianças aprendem a partir do que observam. Quem só anda de carro porque transporte público é para “os outros”, se coloca numa posição de superioridade. Quem não pode brincar com um amigo que é mal educado, perde a chance de descobrir as demais qualidades daquela criança. Quem escuta sempre que é a criança mais linda do mundo, não conseguirá achar outra tão ou mais bonita do que ela.

Em qualquer desses gestos ou palavras, mesmo que despercebidos ou não intencionais, as crianças vão aprendendo que as diferenças não encontram espaço de expressão. Seu único caminho acaba sendo negá-las, pelo ataque ou pelo silêncio. É a sementinha para o bullying acontecer, seja como agressor ou agredido.

- Patrícia Grinfeld, no Ninguém cresce sozinho

Clara Gomes, via

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