8 de dez. de 2012

rede, socialidade e os 'hikikomori'



No dia 29 de novembro, o L'Osservatore Romano publicou um artigo de Christian Martini Grimaldi intitulado "Entre realidade e preconceito" (leia aqui), dedicado às relações humanas dentro e fora da rede. (...)

O artigo começa a partir de uma frase minha que, na realidade (não se diz isso no artigo), parte de um artigo meu publicado no jornal Avvenire. Nessa frase, eu digo que, enquanto se mantiver o dualismo entre a vida offline e a vida online – considerando banalmente a primeira como a vida "verdadeira" e a segunda como a vida irremediavelmente "falsa" –, se multiplicarão as alienações. Enquanto se disser que, para viver relações reais é preciso fechar as relações em rede, se confirmará a esquizofrenia de uma geração que vive o ambiente digital como um ambiente que vive de banalidades efêmeras.

A mensagem que eu tentava comunicar é que a vida é uma só, seja ela vivida no ambiente físico, seja ela vivida no ambiente digital. A rede não é uma realidade paralela, mas é chamada a ser um espaço antropológico interconectado radicalmente com os outros espaços da nossa vida.

O que faz o autor do artigo do L'Osservatore Romano? Ele escreve que não, a rede, ao invés, é somente uma "bolha isenta de realismo físico", que em rede, portanto, acabamos ou acabaremos todos sendo "hikikomori", ou seja, aqueles japoneses que vivem isolados do resto do mundo, como demonstrado por uma série de fatos e síndromes que Grimaldi anota, concluindo que, no fim, substancialmente, é tudo culpa da rede.

Mas como ainda é possível raciocinar desse modo, eu me pergunto? O que faz o autor do artigo? Parte da patologia e chega acriticamente às suas conclusões. Em suma, é como se eu falasse dos criminosos (da vida" real ") e, então, deduzisse que o mundo é um lugar mau, onde todos os homens acabam sendo pessoas depravadas. O autor do artigo esquece toda a solidariedade que se expressa em rede, a open source, a troca virtuosa, a capacidade de compartilhamento positivo... Para ele, tudo isso não existe: todos acabaremos sendo hikikomori.

(...)

Eu acredito que não se deve atribuir à rede o que, ao invés, depende dos nossos limites relacionais e humanos, e que transferimos para a web exatamente como nos outros ambientes que frequentamos offline. Atribuir à web as culpas que são nossas é uma forma de desresponsabilização, de inaceitável posição de determinismo tecnológico. Essa exteriorização do negativo me parece sem sentido.

A web não nos "determina", ao contrário, e pode ser "habitada". Obviamente, porém, o habitar não pode prescindir da sabedoria de uma adaptação (nem sempre fácil) ao ambiente em que, pouco a pouco, se inscrevem os próprios valores. É uma espécie de domesticação do espaço. (...)

(...)

O artigo do L'Osservatore Romano, dizendo que todos acabaremos sendo "hikikomori", parece inverter em 180 graus essa perspectiva. (...) As redes sociais como "porta" e "espaço", isto é, um espaço de experiência. O seu convite, portanto, é de ampliar os nossos horizontes, ouvir os desejos profundos que o ser humano hoje já expressa muito bem também na rede, lugar onde se faz experiência do real. Estamos a anos-luz de distância de posições acríticas de dualismo digital como as expressas pelo artigo em questão.

(...) É dessa sabedoria que se precisa, não de pessimismo capaz apenas de criar mais esquizofrenias. É uma tarefa que requer responsabilidade. Aquela responsabilidade que não pode ser obscurecida por, a meu ver, posições inaceitáveis de determinismo tecnológico, como as expressas por Grimaldi.

E, além disso, para que servem artigos desse tipo? Para fazer uma laudatio temporis acti, um elogio dos belos tempos que já se foram? (...)

- Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, ex-professor da Universidade Gregoriana. Artigo publicado originalmente no blog Cyberteologia, 02-12-2012, e traduzido por Moisés Sbardelotto para o IHU (aqui).


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...