2 de fev. de 2013

o dia de iemanjá e a falsa democracia racial no Brasil


De Gustavo Barbosa, no Carta Potiguar:

As festividades, odes e oferendas a Iemanjá no dia de hoje, 02 de fevereiro, tanto por parte de adeptos e não-adeptos do Candomblé, deixa evidente a inegável influência da rica cultura africana na construção da identidade cultural do brasileiro. No entanto, é fenômeno por meio do qual uma das grandes contradições do nosso povo acaba também evidenciada: apesar do caldeirão étnico-cultural sob o qual se formou a singular diversidade brasileira, as religiões de matriz africana continuam sendo lamentavelmente perseguidas e discriminadas, alvo de violência, repressão e de um preconceito tanto institucional quanto por meio dos setores mais conservadores – e ignorantes – da sociedade.

É comum, por exemplo, vermos pessoas usando o termo “macumba” para se referir de forma pejorativa ao Candomblé, além da constante depredação de terreiros por parte de vândalos que, se arrogando em descabidas justificativas divinas, se acham no direito de cometer infrações contra quem lhe é diferente. Para os que compactuam com essa espécie de comportamento, parece não haver respeito e tampouco tolerância para qualquer coisa que, insolentemente, ouse se situar fora dos padrões eurocêntricos bem como do eixo das tradições cristãs. Há 120 anos que o Estado Laico foi instituído no Brasil, mas a provinciana mentalidade da colônia e do império continua varando o tempo com uma força que assusta. E com a multiplicação e fortalecimento das fundamentalistas igrejas neopentecostais, esse intolerante ranço feudaloide “anti-pagão” parece se tornar cada vez mais robusto, isso em tempos de uma república que ousa se dizer consolidada.

Nesse quadro endêmico de preconceito e intolerância, Iemanjá parece ser pinçada de todo o contexto cultural e religioso no qual está inserida; enquanto aparenta representar um consenso social quanto aos seus festejos, o Candomblé e a Umbanda prosseguem marginalizados, como se não houvesse qualquer vínculo da orixá dos mares com tais religiões. Meio a sua tamanha popularidade subjaz a falsa impressão de que no Brasil há pleno e absoluto respeito à diversidade religiosa. Perseguições fascistas, tais quais as que ocorriam no Estado Novo, seriam coisa de um passado longínquo e distante, alheio à realidade atual.

O mais interessante é que, daqui a uma semana, veremos repetir o fenômeno sazonal onde hordas de brancos preconceituosos, abastados e bem nutridos, se esquecerão da odiosa “macumba” e pagarão rios de dinheiro para vestir seus coloridos abadás (palavra de origem africana trazida pelos negros malês para a Bahia) com a finalidade de pular ao carnavalesco ritmo dos batuques, bongôs, congas e timbais reproduzido diretamente dos rituais religiosos do Candomblé, sempre cantarolando grudentos refrãos do Axé – “energia”, do Iorubá – contendo uma miríade de expressões do vernáculo africano, como “Dandalunda” e “Mugegé”. Vê-se que não assusta nem um pouco o fato de 91% dos brasileiros reconhecer o Brasil como um país preconceituoso, mas apenas 3% se reconhecerem como tal.

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