23 de set. de 2012

dick tracy, as distopias e a crise


Se todas as previsões feitas no passado sobre como seria a vida hoje dessem certo, cada um de nós teria um helicóptero – ou coisa parecida – na garagem, e para viagens mais longas só usaríamos aviões supersônicos. (...) Em compensação, o futuro previsto no passado não incluía uma palavra, uma pista, uma sugestão que fosse da grande revolução que viria e ninguém sabia, a da informática. Quer dizer, o futuro imaginado no passado já era um futuro obsoleto. O único tênue presságio do que viria era o rádio de pulso do Dick Tracy, lembra? O próprio Tracy não sonhava que um dia ele teria no seu pulso, para combater o crime, um dispositivo que receberia e emitiria imagens e mensagens, calcularia, fotografaria e diria como estava o tempo em qualquer lugar do mundo.

- Luis Fernando Veríssimo, aqui

* * *

Há uma semana, achei por bem fazer um teste e perguntar à minha filha de 12 anos como ela imaginaria o mundo no ano de 2030.

A ideia era procurar descobrir alguém que vê o futuro como um campo completamente virgem. Talvez uma oportunidade para ouvir a voz de sujeitos para quem 2030 seria seu espaço de direito. Espaço que, a princípio, poderiam moldar a partir da soberania de sua vontade.

Mas, aos poucos, sua descrição foi assemelhando-se a uma distopia de cidades à beira de um colapso, pessoas obesas por não fazerem exercícios e celulares de hologramas.

A primeira reação foi acreditar que tinha forçado um pouco a mão na ideia de uma educação baseada no desenvolvimento do senso crítico. Não deixa de ser surpreendente ouvir alguém tão novo e tão crítico a respeito das possibilidades de transformação do futuro.

Mas talvez tal fenômeno deva ser compreendido de outra forma. Ver o futuro como uma distopia é a expressão mais simples de desconforto com o presente. Há algo no presente que parece se esgotar rapidamente. Como ainda não temos a imagem do novo, a figura do futuro problemático aparece como sinal de respeito pelo que ainda não é possível.

Muitas vezes, a verdadeira esperança não está na crença radiante em um mundo reconciliado. Essa crença, quando aparece muito cedo, acaba por matar toda reconciliação possível. Por isso, a verdadeira esperança sempre é precedida por uma profunda recusa. Dessa recusa vem a abertura para realizar o que ainda não sabemos como fazer. (...)

Por caminhos os mais insuspeitos, a vida sempre consegue resolver os problemas que ela coloca para si. Às vezes, ela tenciona as expectativas ao máximo, pois sabe que só isso coloca a criatividade em movimento. Por tudo isso, creio que, mais uma vez, minha filha tem razão no que diz.

- Vladimir Safatle, na íntegra aqui

* * *

Normalmente pensamos em "crise" como algo instável, um processo de transição entre uma situação que não mais se sustenta e uma nova, em que as contradições se resolvem e a estabilidade se restabelece.

Mas será que a crise não se tornou a nossa normalidade? Podemos imaginar a crise não como processo, mas sim como estado, um processo que se autoalimenta e assim se sustenta?

Gostaria de defender essa tese sobre a crise que estamos vivendo. A crise que enfrentamos, em sua essência, não é uma anormalidade que devemos procurar superar. Na verdade, ela define os tempos que vivemos. Isso não implica, necessariamente, que estejamos condenados a um mal-estar permanente. Na etimologia original da palavra na língua grega, "krisis" também significava decisão e poder de escolha. Vou defender a ideia de que isso ocorre na situação atual.

- Tony Volpon, na íntegra aqui

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