15 de set. de 2012

olho que vê

 Via

Como o sol que se põe, o ano risca o horizonte de mais um ciclo.
E a cada volta entendemos mais sobre o que é a vida.
Sobre a passagem e a fila da existência que anda.

(...) Neste dia umbilical nos espreita um olhar paternal e 
nos pressiona lembrando que a vida não é incondicional:
ou a vivemos plena ou o livro se fecha; ou renovamos com ela
compromissos ou ela nos escapa na ausência de sentido.
(Via)


Um engenheiro amigo que ia construir em Portugal, por desconhecer a legislação e as idiossincrasias locais, contratou um arquiteto que trabalhava no setor de aprovação de projetos da prefeitura. Como a licença demorava a sair, cobrou do arquiteto e este se defendeu dizendo que ela não fora aprovada. “Mas foi você mesmo que projetou”, arguiu o engenheiro, que ouviu como resposta: “Ora, pois, eu o projetei, mas eu não o aprovo!”

Para além de uma piada de estereótipos, fica aqui revelada uma condição particular de nossa humanidade: tantas coisas fazemos e que nós mesmos não aprovamos. Diante do Novo Ano e o fim de um ciclo, a tradição judaica vincula a passagem do tempo com julgamento. Tempo para um ser humano é a passagem de sua existência contraposta às escolhas feitas nesse período. Há um rastro humano numa dimensão que outras espécies não conhecem. O humano não só vive na dimensão espacial e temporal, mas na dimensão do certo e do errado. E seja lá por onde nosso destino passou no ano que termina e seja lá o que levamos a cabo como nossas ações, sempre há as que aprovamos e as que desaprovamos. Isso porque há um Olho que vê e uma Mão que escreve no decorrer do tempo humano. Há tempo e há registro.

Isso não é imaginário ou ilusório, como desdenham racionalistas, mas a essência da humanidade. A mesma natureza que escolhe é a natureza que audita e a cada parâmetro espacial e temporal da existência haverá uma coordenada de “certo ou errado” a ele associada. Esse é o campo da espiritualidade que não está nem de longe excluída do território da inteligência como muitos pensam, mas voltada para uma área específica da realidade. Enquanto a ciência se ocupa do micro e macrocosmo, a espiritualidade se volta ao mesocosmo, à experiência de exercermos nossa existência.

Tal qual a ciência teve que criar espacialmente um LHC, um acelerador de partículas para visualizar na colisão de partículas o que não pode ser observado de outra forma, a espiritualidade humana produziu tradições e religiões que ampliam temporalmente em muitas gerações a experiência humana para observar o que não pode ser registrado de outra forma. E as várias gerações revelaram coisas que não podem ser vistas sem esse instrumento. Revelou-se que existe um vínculo entre criatura e Criador, que há um céu e um inferno, que há um julgamento constante e que se intensifica à medida que a vida vai sendo concluída — enfim, que há um Olho que vê e uma Mão que escreve. Claro não há Olho ou Mão no micro ou no macrocosmo, mas no mesocosmo a coisa é diferente. Ai daquele que não considerar a interface entre seu ser e seu existir! Ora, pois, é tempo de reconhecer que eu escolhi e eu fiz, mas eu não aprovo. Não como um exercício de culpa vazio ou como um recurso para uma moral repressora, mas como um expediente para equalizar tempo e existência. Mais do que o tempo particular de um grupo, Rosh Hashana, o Ano Novo Judaico, é um fragmento, uma peça do quebra-cabeças da consciência coletiva humana...

(Nilton Bonder, aqui)

homens-livro

(desconhecido)

“Fahrenheit 451”, o clássico de Ray Bradbury, escrito em 1953, está acima da costumeira disputa sobre a qualidade do original e da adaptação: o filme homônimo de François Truffaut, de 1966, também é uma obra prima. Essa história me toca em particular, pois deu forma literária à subjetividade do mundo em que nasci. Um tempo é melhor retratado por seus temores e esperanças do que pela realidade, são as fantasias que desvelam esses bastidores, a subjetividade dos fatos. Nesse sentido, a literatura é fonte fidedigna de pesquisa histórica.

A Guerra Fria, assim como o modo de vida do pós-guerra, são metaforicamente retratados no livro como se fossem um futuro distante. Se hoje dizemos que os jovens são parcos de esperanças, isso certamente deve tributo ao tratamento que as gerações anteriores deram às utopias, moradas das expectativas e dos sonhos coletivos. Foi uma época triste, onde anseios de um mundo melhor encontraram no totalitarismo seu destino trágico.

A derrota bélica e política do nazismo não foi o fim, nem a única expressão, da determinação de transformar o estado em um deus, que, como tal, não devia explicações a ninguém. Havia um empenho global, e nisso o estalinismo foi certeiro, em fazer da alienação do homem comum uma regra. Seja qual for o tipo de governo que o século passado concebeu, mais à esquerda ou direita, as coisas importantes costumavam acontecer além da alçada do cidadão. Este que ficasse quieto, sua opinião era menos que bem vinda. Nas ditaduras o pensamento é cerceado, enquanto que nas democracias indignas do seu nome a astenia política é incentivada. Hoje, num mundo onde a liberdade conquistou muitos espaços, os regimes totalitários sobrevivem, prova de que há algo na condição humana que ainda anseia por esse modo de vida. É tão mais fácil não pensar…

Acabamos de perder Ray Bradbury [em junho deste ano], aos 91 anos, o autor dessa que é uma das mais belas fantasia distópicas, metáfora genial do ocaso da esperança. Mas, longe de ser um pessimista, deixou-nos, com “Farenheit 451”, uma nota para nunca ser esquecida: a ficção contém os sonhos mais preciosos, a riqueza e complexidade que nos tornam potencialmente revolucionários. Melhor que isso, mesmo quando o ambiente é adverso há homens dispostos a dar a vida em defesa da arte, das boas histórias. Quando tudo nos é retirado, percebemos que na beleza do encadeamento das palavras, na genialidade de uma trama, resiste nossa essência. Enquanto ela existir, sobreviveremos.

A literatura sempre foi considerada perigosa para os regimes totalitários, porque em seu interior os homens se compreendem melhor, tornam-se mais sábios, críticos e corajosos. Quanto mais escrevermos e lermos, mais nos pareceremos com uma civilização e menos com uma boiada. Isso vale para todas es formas da arte.

Bradbury projetou, para um futuro não muito distante, uma sociedade alienada, onde a população idiotizada era mantida distante de qualquer coisa que pudesse gerar angústias, dúvidas ou tristezas. Uma sociedade de semi-analfabetos, alimentados cotidianamente pela ilusão de participar de uma programação televisiva simplória e realista. Contentavam-se com metas medíocres, como a aquisição de objetos da moda, o aumento da capacidade de consumo, o cuidado com a auto-imagem. Também se dedicavam à vida social, baseada em conversas fúteis, principalmente sobre TV. Para garantir um estado de espírito compatível com essa rotina bovina tomavam remédios regularmente. Sentimentos e emoções eram proibidos, nenhuma manifestação artística era suportável. Os livros, remanescentes clandestinos de um passado recente, quando ainda era permitido viver intensamente dores, amores e desejos, eram caçados e queimados. Farenheit 451 é a temperatura na qual eles entram em combustão.

Qualquer evocação da nossa sociedade vinda da descrição anterior não é mera coincidência. Detalhe: nesse quadro montado pelo autor havia uma ditadura que submetia a população a horizontes tão estreitos. Bondoso da sua parte, pois já devia saber que entramos na fila dos pobres de espírito alegre e espontaneamente, sem necessidade de ser subjugados para tanto.

Os revolucionários de Bradbury não são guerrilheiros ou resistentes no sentido clássico, eles apenas defendem a existência da vida interior representada pela leitura. Trata-se de um grupo rebelde de homens no exílio, na clandestinidade, que se empenha na sobrevivência do acervo literário da humanidade. Eles decoram obras literárias e se incumbem de contá-las e preservá-las. Cada um torna-se um homem-livro. Ao deserto de referências simbólicas eles contrapõem seu apego à leitura. É interessante que a escolha da obra é feita por cada revolucionário, ele passa a ser esse livro, será identificado com ele, atenderá por seu nome, fará das palavras dele as suas. Existe melhor representação do tipo de relação que temos com nossas histórias prediletas?

Porque esse valor todo dado aos livros? Ler pode e deve ser aprazível, não necessariamente nos faz felizes, mas certamente porque nos enriquece, nos traduz. A fruição solitária e portátil de um livro não requer instalações, nem equipamentos. Basta a imaginação de outro ser humano, escrita no código de uma língua que conheçamos bem, e a viagem está garantida. Naquela sociedade a leitura foi banida porque faz dos cidadãos seres pensantes.Todo aquele que lê complica as coisas, no bom sentido. Na resistência imaginada por Bradbury, cada indivíduo preserva um pedacinho do acervo cultural da humanidade para fazer diferença no futuro.

Nessa história, há uma contraposição quase caricatural entre cultura e barbárie que é verdadeira e profética. Para nossa sociedade hipocondríaca, vidiota, consumista e narcisista, mais livros fariam diferença. Talvez quanto mais homens-livro houvesse, menos homens-bomba seriam necessários. E você, se pudesse salvar um livro da destruição, já pensou qual seria?

(Diana Corso, aqui)

cadeia, o fetiche social do Brasil


Não sou advogada, não estudei Direito. Me espanta, mesmo assim, a ideia torta de justiça que vejo – e leio, e ouço – por aí. Essa noção bizarra de que quem comete qualquer crime “tem que pagar”, que atribui à Justiça a função quase exclusiva de punir, “dar o troco”, ou “vingar” as vítimas, me parece um tanto equivocada. Em geral é esse tipo de interpretação sobre o papel da Justiça na nossa sociedade que naturaliza a categoria “crime” e reproduz uma série de fantasias quase fetichistas sobre a figura de um “criminoso”.

(...) O “crime” não é um dado da natureza. É uma categoria inventada na nossa sociedade. Nem toda quebra de lei é crime. É a legislação que define o que é crime e o que não é. Essa legislação é feita inteirinha por pessoas, que têm interesses, posicionamentos políticos, moral religiosa, moral laica; que foram criadas nessa mesma sociedade que se estrutura por meio de classes sociais, categorias raciais, e de uma matriz heterossexual de comportamento que é bem opressiva. Decorre disso que existe sempre um embate pela definição das leis. Nesse embate, as ideias que propagamos, reproduzimos e defendemos sobre o que deve ser a justiça, qual deve ser seu papel, pra que serve o sistema prisional, etc. são essenciais. Elas forjam os termos mais práticos da lei.

(...) No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça conta que mais de 40% da população carcerária é composta de gente que não foi considerada culpada, que não teve julgamento. Como socióloga, não sei explicar exatamente por que isto acontece, mas imagino que a mentalidade punitivista da população, em geral, tenha algo a ver com isto. As pessoas parecem sempre mais preocupadas em que se bote gente na cadeia do que em que de fato haja um processo justo. Os argumentos, circunstâncias e minúcias pouco importam: o que a população normalmente brada pelos quatro cantos (da internet, inclusive) é que o acusado tem que ir preso e pronto. Já compra-se imediatamente a ideia de que acusados são culpados, o que é deveras problemático.

O julgamento do mensalão é um prato cheio para observar a expressão deste tipo de pensamento. Pergunte às pessoas na rua: não lhes interessa quem é de fato culpado de algum crime, quem se enquadra na lei e quem não se enquadra. A população julgou, seguindo a mídia de massas, que se jogue todo mundo na cadeira e fim. A mesmíssima população que, enquanto posta cartazes “contra a corrupção” no Facebook, sonega seus impostos, transfere suas multas de trânsito por altíssima velocidade (e reclama de uma inexistente “indústria da multa”), entre outros pequenos atos de corrupção cotidianos. Colabora, ainda, para que a corrupção política no Estado continue. Como? Defendendo que o voto continue obrigatório, votando em qualquer candidato para vereador, ou “deixando a política para os políticos”. Pra ficar em exemplos corriqueiros. “Detesto política” ou “sou apolítico” vêm em geral das mesmas bocas que se dizem “contra a corrupção”. Assim fica difícil.

Você não é menos criminoso por ser branco e de classe média/alta. Só tem mais dinheiro e mais recursos pra não ser preso sem julgamento. Aproveite a oportunidade de ter o mensalão sendo julgado (...) e eleições municipais assim, no mesmo ano, uma coisa pertinho da outra, e pense no que é que significa, de fato, “justiça”. Assim, com “j” minúsculo.

(Marília Moschkovich, na íntegra aqui)

* * *


onde há amor, há heróis


Quem pariu que embale!

Este é um antigo ditado que atribuiu exclusivamente à mãe todos os encargos com relação ao filho.

Afinal, antes era assim. A mulher era a única responsável pela criação e educação dos filhos. Também a ela cabia as lides domésticas e o cuidado para com os idosos e os doentes. Claro que ainda precisava atender ao marido, pois ele tinha, como único dever, assegurar o sustento do lar.

Mas há um tempo, tudo vem mudando. No momento em que a mulher entrou no mercado de trabalho houve um embaralhamento de papéis. Dos homens passou a ser exigida a participação nas questões familiares e eles acabaram descobrindo as delícias da paternidade.

Não é por outro motivo que, de forma cada vez mais frequente, quando do rompimento do vínculo conjugal, eles buscam a guarda exclusiva dos filhos ou a guarda compartilhada.

No entanto há novidades outras. O próprio formato da família mudou e agora se fala em Direito das Famílias. Antes, só era reconhecido o vínculo do casamento. Depois a união estável ganhou o a condição de entidade familiar. E, há uma década - por honra e graça da Justiça - também os vínculos homoafetivos passaram à condição de união estável. Um punhado de direitos é assegurado à população LGBT, inclusive a possibilidade do casamento.

Todas estas mudanças, no entanto, não tiveram o condão de mudar a antiga concepção de que é a mãe a beneficiária da licença maternidade, sendo concedido ao pai escassos cinco dias. Tal, inclusive, impõe alguma restrição às mulheres no mercado de trabalho. Muitas vezes não são aceitas por haver a possibilidade de engravidarem e permanecerem longo tempo afastadas.

Esta disparidade não mais pode prevalecer, pois não atende à realidade dos dias de hoje. Primeiro por que se está vivendo a era da paternidade responsável e é preciso assegurar direitos iguais a pais e mães. Ao depois pode acorrer o falecimento da mãe, o que não pode retirar do filho do direito a ser cuidado pelo pai.

Também a adoção de filhos por casais do mesmo sexo pode gerar alguns impasses. Fazem ambas as mães direito à licença maternidade? Se forem dois pais, depois de cinco dias, ambos voltam às atividades profissionais?

Daí o enorme significado da concessão, pelo INSS, de licença paternidade a um pai que, juntamente com o seu parceiro, adotou uma criança recém-nascida. Só que a licença foi concedida quando o filho já tinha dois anos de idade.

Em face dessa demora, quando a criança tinha apenas 15 dias teve que ser deixada na creche. Esta falta da presença de um cuidador, nos primeiros meses de vida, não há como ser suprida.

Assim, está mais do que na hora de se instituir a licença natalidade. Afinal, trata-se de um benefício a favor do filho e não a sua mãe. Esta é a proposta do Estatuto da Diversidade. Assegura licença natalidade de 180 dias, independente da orientação sexual dos pais. Durante os primeiros 15 dias o benefício é usufruído por um. No período subsequente, por qualquer deles, de forma não cumulativa, e fracionada da forma desejada pelos pais.

Inquestionavelmente um enorme avanço para assegurar a todas as crianças o direito de serem cuidadas por quem tem mais disponibilidade de tempo, ou maior desejo de se dedicar, com exclusividade, para dar-lhes o que elas mais precisam: a segurança de ter alguém que as embale, que as acalente, que as alimente. Enfim, que lhes assegure o direito de crescerem com a certeza de ser muito amadas.

(Maria Berenice Dias, aqui)

14 de set. de 2012

o amor nos dias de hoje

Pedrinho Fonseca, via - em referência a isto

"Igor queria passar adiante um conselho por uma vida com mais amor. Mark, de tanto ver a mesma frase de Ygor pichada nos muros da cidade, inspirou-se e decidiu falar do sentimento na internet. Beta estava em Roma, sua cidade preferida no mundo, quando percebeu que os italianos gostam muito de fazer declarações românticas. Daniela tinha passado por um fim de namoro daqueles que deixam a gente sem chão e precisava descobrir com os outros, como lidar com aquela montanha-russa de sentimentos.

Na quadrilha do mundo, Ygor, Mark, Beta e Daniela acharam sua linha de pesquisa. Nas pichações de Ygor, no site criado por Mark (e alimentado por mais de 20 amigos), nas fotografias de Beta e nos vídeos de Daniela, todos parecem querer entender as nuances de um único tema: o amor, esse sentimento tão vasto e intenso que tira a gente do eixo. Na busca por essa compreensão, acabaram disseminando o objeto de estudo. E não foram os únicos.

Pela internet, principalmente, muitos outros passaram a transmitir mensagens dizendo que o amor é importante, e fazem isso por meio de fotografias, citações, canções… É como se, atualmente, muita gente quisesse resgatar o romantismo, declarar seus amores e até seus desamores, e também mostrar que o mundo pode ser um lugar mais feliz, menos caótico. Para mostrar isso, surgem campanhas como a Free Hugs, que propõe que você abrace um estranho, simplesmente para alegrar tanto a vida dele quanto a sua. Quer atitude mais cheia de amor do que essa? Aqui você vai conhecer algumas." E vale muito a leitura.

Via

espaços de construção de paz


Enquanto o número de mortos em atos anti-EUA após filme ofensivo ao Islã* chega a oito e a grande imprensa já começa a tratar os últimos acontecimentos de "outono árabe"...

“Muros que separam as pessoas são normalmente construídos com base em ignorância, ódio e medo. Eu tento criar fendas nesses muros. Quando percebi que minha dor era a mesma dor de um judeu, comecei a enxergar o quanto temos em comum”.

Aziz Abu Sarah é palestino e teve seu irmão morto por soldados israelenses. Hoje, é ativista pela paz no Oriente Médio. Semanalmente, apresenta o programa de rádio Changing Directions, e divide o comando do programa com Yitzhak Frankenthal, judeu ortodoxo que teve seu filho de 19 anos sequestrado e morto pelo Hamas. O programa é exibido pela All For Peace, única frequência de rádio criada por israelenses e palestinos, com o objetivo comum de ultrapassar as fronteiras e construir diálogos para a paz na região.

A rádio é difundida em cidades israelenses e palestinas e os programas são produzidos e apresentados por equipes mistas. Palestinos e israelenses que acreditam que a maneira de acabar com a intolerância é através da convivência. “Se nós, que perdemos pessoas próximas, podemos conviver e trabalhar juntos, então qualquer um pode”, diz Sammi Ibrahim, palestino e técnico de som da rádio.

Assim como a rádio All For Peace, o documentário Diálogos visitou outros espaços de integração entre árabes e judeus em Israel e bairros palestinos.

(...)

O média metragem tem como objetivo mostrar o que pouco se mostra: pessoas que, ao invés de incentivar a guerra, buscam a união, e a construção de uma linguagem comum a todos.

A paz não chega pronta. Experimentar a coexistência e lidar com as dificuldades apresentadas é trabalhoso. Se o conflito entre Israel-Palestina parece impossível de ser solucionado, iniciativas como as que Diálogos apresenta são alternativas otimistas e efetivas.

Peter Coleman, diretor do Centro Internacional para Cooperação e Resolução de Conflitos (International Center for Cooperation and Conflict Resolution) da Universidade de Columbia, pesquisa meios de solucionar conflitos aparentemente impossíveis de serem resolvidos.

Um dos pontos chave salientados pelo autor é que exista espaço para a interação, porque é através desta troca que se criam laços com aquele que seria o “inimigo”. Ao estabelecer contato, simplificações como “nós” versus “eles”, “bom” versus “mal”, deixam de fazer sentido. Coleman fala também da importância de reconhecer e apoiar o que já funciona. Diálogos apresenta exemplos que funcionam.


A criação de espaços de encontro é importante para pressionar os governos para um outro caminho que não o da separação ou da guerra.

Diálogos apresenta espaços de construção de paz – com muita discussão e debate – no Oriente Médio.

(Alice Riff - na íntegra aqui)

* * *



O que está bem próximo do "Nós te amamos, nunca vamos bombardear seu país" entre Irã e Israel (saiba mais aqui).O diálogo é muito mais plausível do que pode interessar aos partidários da lógica da guerra e do antagonismo. E, aliás, quem tem medo da paz?



(*) "Já há indícios de que o atentado ao consulado americano em Benghazi, na Líbia, estava sendo planejado há muito tempo, para coincidir com o 11 de setembro, e que a indignação quanto ao filme 'A Inocência dos Muçulmanos', que ofende o Islã, foi só um pretexto. Claro que não vou defender nenhum fanático religioso, mas o tal do filme é sério candidato ao título de pior de todos os tempos" - veja aqui, no Tony Goes.

breve manifesto contra as cirurgias íntimas


Parem as máquinas. A vontade dos Maias pode ser cumprida agora. Para que esperar o Reveillon? É o fim do mundo.

Sobre cirurgia plástica íntima já havia tomado conhecimento. O que me assombrou foi uma frase da moça, uma modelo, estampada no caderno “Equilíbrio”, hoje, nesta Folha:

“A vagina não é bonita, dá para ficar melhor”’.

Nem no julgamento do Mensalão ouvi tamanha ignomínia dos homens da toga preta.

Repito: “A vagina não é bonita…”

Como assim, minha filha? Como ousa falar da melhor obra de Deus! Tudo bem, você pode redesenhá-la à vontade, tem gente mal-agradecida no mundo. Mas daí dizer que não bela, alto lá, é a maior das infâmias.

Seja como for, é bonita, é sagrada, é divina e merece orações diárias. Rezas orais falando segredos baixinho só para ela.

Vocês estão indo longe demais, moças, com essas obsessões plásticas. Parem com isso.

Li outrora, no “El País”, que muitas espanholas buscavam a intervenção cirúrgica para resgatar a virgindade. Muitas garotas de programa passavam a faturar alto ao simples anúncio de que eram virgens Camencitas.

Bobagem, meus amores.

E tem mais: alguns médicos alertam para o perigo da mulher perder alguma sensibilidade nos mais íntimos lábios. Depois não digam que não alertei.

Se a vagina – prefiro chamar por outro nome mais sonoro e nada científico - não é bonita, o que seria obra-prima neste mundo? Não troco a da minha amada pela coleção completa dos quadros impressionistas.

A mulher é o meu d’Orsay.

(Xico Sá, para a Folha de S. Paulo, aqui)

 * * *

Ah, Xico, imagino o que você não deve ter pensado ao saber da mania dos jovens asiáticos de se submeter a cirurgias plásticas para ficar mais parecidos com personagens de anime.

é hora de desarmar deus


“Deus não é cristão, Deus não é judeu, nem muçulmano, nem hindu, nem budista. Isso tudo são sistemas humanos, criados pelos seres humanos para tentar nos ajudar a penetrar no mistério divino. Honro a minha tradição, trilho os caminhos da minha tradição, mas não creio que minha tradição defina Deus, apenas me aponta para Ele.”

- John Shelby Spong, bispo anglicano

* * *

"O grande problema de Deus é que não o conhecemos senão na mente e no coração dos homens. E os homens constroem a sua fé com a frágil experiência de seus limitados sentidos, suficientes apenas para o trânsito no mundo em que vivemos. Os olhos podem crescer nos telescópios e ir ao fundo dos universos, ou na perscrutação das moléculas e átomos, mas isso é pouco para encontrar Deus, e menos ainda para construí-lo.

Sendo assim, e desde que há comunidades políticas, o monoteísmo tem servido para identificar ou exacerbar as razões ou desrazões nacionais.

O Ocidente judaico-cristão não assimilou a chamada terceira revelação, a de Maomé, embora ela não tenha significado nenhuma apostasia essencial ao hebraísmo. O problema se tornou político, com a expansão dos povos árabes pelo norte da África e a invasão da Península Ibérica. (...)

Agora, um filme de baixa qualidade técnica e artística* – conforme a opinião de especialistas – traz novo comburente às velhas chamas. (...) Essa reação, que culminou com a morte do embaixador norte-americano na Líbia, ainda não se encontra contida, e é provável que ainda se agrave, apesar das declarações do governo norte-americano, que busca distanciar-se dos insultos.

Os republicanos, em plena campanha eleitoral, devem ter exultado. A morte do Embaixador (asfixiado no incêndio do Consulado em Benghazi) pode ter sido uma baixa para os seus quadros, mas representa um trunfo contra Obama: sua política não tem conseguido dar segurança absoluta aos cidadãos norte-americanos. (...) A resposta de Obama, enviando dois destróieres à Líbia, não foi a melhor para reduzir as tensões; ela pode intensificá-las.

O que o governo de Washington e os republicanos não dizem é que o apoio, incondicional, aos radicais de Israel, que pregam abertamente a eliminação dos muçulmanos do mundo — assim como os nazistas desejavam a eliminação de todos os judeus – estimulam os insultos infamantes ao Islã e a resposta espontânea e violenta dos fanáticos do outro lado contra aqueles a quem atribuem a responsabilidade maior: os norte-americanos. E há ainda a hipótese, tenebrosa, mas provável, diante dos precedentes históricos, de que as manifestações tenham partido de agentes provocadores dos próprios serviços ocidentais – ou israelistas, o que dá no mesmo.


A mentira de Blair e Bush – dois homens que o bispo Tutu, da África do Sul, quer ver no banco dos réus em Haia – custou centenas de milhares de civis mortos no Iraque e no Afeganistão, e muitos milhares de jovens norte-americanos mortos, feridos, enlouquecidos nos combates inúteis. Nada é pior para os capitalistas do que a paz – e nada melhor do que a guerra, que sempre os enriquece mais, e na qual só os pobres morrem."

(Marcos Santayana, aqui

(*) "Já há indícios de que o atentado ao consulado americano em Benghazi, na Líbia, estava sendo planejado há muito tempo, para coincidir com o 11 de setembro, e que a indignação quanto ao filme 'A Inocência dos Muçulmanos', que ofende o Islã, foi só um pretexto. Claro que não vou defender nenhum fanático religioso, mas o tal do filme é sério candidato ao título de pior de todos os tempos" - veja aqui, no Tony Goes.

13 de set. de 2012

avós, os novos solteiros


"Uma das maiores causas de mudança na composição das famílias é o envelhecimento da população. O duplo fenômeno da redução dos nascimentos e do aumento da expectativa de vida mudou a forma tanto das unidades familiares residenciais (aqueles que vivem debaixo do mesmo teto) quanto das redes parentais e das relações entre as gerações.

Aos muitos netos que, ainda na minha geração de 70 anos, não conheceram nenhum avô, se substituíram os pouquíssimos netos que muitas vezes têm, por longos trechos das próprias vidas, quatro avós e se tornam adultos tendo ainda algum deles. Não moram juntos, em geral, mas têm relações frequentes e muitas vezes intensas.

A redução do número de pessoas que compõem uma unidade familiar de residência deve ser lida sobretudo nesse contexto de profunda transformação demográfica. As famílias se tornaram pequenas não tanto porque não vivemos junto com os próprios avós, mas porque os 'vovôs' sobrevivem por muito tempo e, assim, aparecem nas estatísticas como 'casais sem filhos' (porque os filhos não vivem com eles), ou, se viúvos, como 'famílias unipessoais' (...).

Não há apenas o fenômeno da cada vez longa permanência dos filhos na família, o que retarda a possibilidade de que estes últimos façam a sua própria família. Mesmo quando saem de casa, os jovens muitas vezes se apoiam nas famílias de origem para aceder a uma casa ou para enfrentar imprevistos econômicos.

Os avós, e sobretudo as avós, (...) são um recurso indispensável para a organização de uma família jovem em que ambos os genitores, ou o único presente, trabalham. E os idosos frágeis ou não autossuficientes necessariamente devem contar com as filhas e noras, na ausência de uma rede de serviços capilar e acessível. Mesmo quando há um cuidador, muitas vezes quem detém a liderança é uma filha ou uma nora. 'Intimidade à distância' e interdependência mais ou menos forçada são dois lados da mesma moeda.

Não são apenas os fenômenos demográficos que transformam o modo de fazer família e modificam os limites entre as relações familiares e outros tipos de relação. A própria redução dos nascimentos é resultado de profundas transformações culturais relativamente à importância dos filhos ou, melhor, do seu número, para a autorrealização e, ao mesmo tempo, do maior investimento sobre cada filho. Separações e divórcios assinalam não apenas que nos tornamos menos capazes de fazer um bom casamento, mas também que mudaram as expectativas. E estamos menos dispostos/as a permanecer em uma relação que se tornou negativa ou sem sentido.

A essa maior, embora arriscada, liberdade nas relações familiares serve de contrapeso um afrouxamento dos limites entre relações familiares e não familiares. Não me refiro apenas às famílias de fato, hetero ou homossexuais, mas também às chamadas 'famílias de escolha', baseadas na escolha recíproca de solidariedade mais do que em estatutos institucionalizados. Pode assumir a forma da coabitação, mas o mais frequente é o de uma rede de autoajuda mútua e de socialidade cotidiana.

(...) A capacidade de construir famílias e redes 'familiares' continua sendo vital. Basta olhar para além do modelo único."

(via)

quem sou eu


Se as suas células são todas renovadas 
pelo menos anualmente, o que te dá a sua identidade ao longo da vida? (vídeo via)

Os oráculos gregos já aconselhavam, centenas de anos antes de Cristo: “Conhece-te a ti mesmo”. Seguidores de filosofias e religiões ou adeptos de práticas como meditação e ioga, por exemplo, sempre correram atrás da autoconsciência, uma entidade abstrata que, há pouco tempo, também começou a despertar o interesse da ciência. Principalmente no campo neurológico, entender o que faz uma pessoa saber que tem uma identidade única pode trazer implicações para pacientes que sofreram danos cerebrais e, com isso, perderam a memória ou o autocontrole.

Um estudo publicado na revista científica Plos ONE indica que esse fenômeno está relacionado a diversos circuitos neuronais e não pode ser atribuído a regiões específicas. A mente, já descobriram os pesquisadores, não é um conceito abstrato, mas um processo fisiológico. Ainda assim, bem mais complexo do que se imaginava, difundindo-se por todo o cérebro, em vez de se concentrar em algumas poucas localidades, como proposto por outros estudos.

(...)

De acordo com Henrik Ehrsson, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Cérebro, Corpo e Autopercepção do Instituto Karolinska, na Suécia, novas pesquisas que investiguem a autoconsciência são muito bem-vindas, pois a compreensão do fenômeno tem importantes implicações clínicas. (...)

O homem não é o único animal autoconsciente. Estudos com outros primatas, elefantes e golfinhos mostraram que eles também conseguem se reconhecer no espelho, o mais forte indício de que um ser é capaz de compreender sua identidade e diferenciá-la da dos demais. Porém, no mês passado, sites e blogs anunciaram uma novidade, no mínimo, perturbadora: um robô humanoide teria conseguido reconhecer o próprio reflexo, afirmando: “Ei, sou eu!”.

(...)

Apesar de o feito realmente ser memorável no campo da inteligência artificial, isso não significa, porém, que o robô seja autoconsciente como o homem e outros animais. O que Hart e Scasselati conseguiram foi, por meio de um software de reconhecimento espacial, fazer com que o robô determinasse a localização de seu braço (interpretado pelo androide como um objeto), que estava refletido em um espelho. Já a fala de Nico, aparentemente muito satisfeito por se ver refletido, foi apenas a consequência de um comando programado.

(Na íntegra aqui)

quem tem medo do facebook?


É engraçado como estamos construindo nossas novas formas de amizade, pelo menos online. Não existe mais isso de que todo mundo que temos nas redes serem nossos amigos, se é que já existiu. Adicionamos as pessoas por que são interessantes de alguma forma: ela parece ser bacana ou mesmo escreve sobre coisas legais. Ainda, adicionamos porque acreditamos que alguém passou no nosso processo avaliativo sexual e pode se transformar em uma potencial rapidinha no fim de semana, evoluir para algo além e etc.

E isso não é de tudo ruim, porque abre um leque de coisas que talvez você não conhecesse por outro meio. É maravilhoso quando você se sente sozinho ou deslocado do mundo e encontra ali pessoas que são malucas exatamente como você. (...)

Falando assim parece que é tudo muito bom, mas também pode ser uma merda. Criamos cada vez mais relações pessoais rasas, nossos relacionamentos passam existir somente no tempo que gastamos frente ao computador. Ficamos sabendo cada vez mais de coisas que realmente não queremos saber, já que os nossos interesses na tela do computador nunca são 100% iguais aos da outra pessoa.

(...) E a partir desse filtro damos vida a nossa persona de internet, o personagem que nos representa tão bem nas redes sociais. Isso não parece imoral, pois de toda forma ainda é você. Aquela foto linda é você, mesmo que tenha sido repetida três, quatro vezes até o melhor ângulo. E aquela resposta bem formulada? Foi você quem deu, ué – mesmo que tenha ido ao Google pra construir o seu argumento um pouquinho melhor. Nossas personas nunca deixam de ser nós mesmos. É um “eu” que eu gosto mais. Um “eu” que é mais safadinho, mais inteligente, mais sagaz, mais irônico quando precisa. Aquele “eu” legal, que controla os sentimentos. Um “eu” que me dá orgulho.

O problema é que esse “eu” é um pouco distante do “eu” no cara a cara, do “eu” mesmo, do “eu” que não é tão bonito como na foto ou que demora um pouco mais pra dar uma resposta sagaz. Acabamos nos frustrando, e também as outras pessoas. Acho que é importante criar um balanço do que eu quero mostrar e do que eu sou de verdade. Temos de ter cuidado com essa tênue linha, onde em qualquer momento todos nós podemos nos perder.

Aprender dia após dia que aquele avatar sobre uma timeline não é sua vida de fato – apenas aceite isso como parte da sua vida, não como ela inteiramente. A vida é além disso! Há tantas outras coisas maravilhosas e legais para se aprender. Gente que realmente é interessante, ou não, fora da fria tela do computador. Saia um pouco do Facebook e veja como algumas pessoas soam desinteressantes na vida real, e aprenda com elas qualquer coisa que seja. Ainda tenho esperança de que estejamos conseguindo manter um lugar para que possamos ir quando não quisermos mais compartilhar nossas vidas num site esperando likes.

Porque se não estamos criando essa outra vida, antes chamada apenas de vida, para o nosso verdadeiro “eu”, vamos todos acabar velhinhos na frente de computadores e não sei vocês, mas eu não quero isso para mim.

(Ravel Brasileiro, para o Vestiário - leia na íntegra aqui)

* * *


"A internet trouxe muitas coisas boas e o 'stalking' não é uma delas. A prática de dedicar atenção obsessiva a uma pessoa, podendo resvalar em outros tipos de perseguição e conflitos, ganhou novos contornos com a tecnologia digital." (Aqui)

“'A forma como assediamos a vida uns dos outros hoje tem tudo a ver com o processo de celebrização da sociedade. Há um impulso de consumir a vida do outro, de usá-la como entretenimento, semelhante a um filme', explica Eugênio Trivinho, professor do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP." (Aqui)

"O objetivo do [Facebook] é criar parzinhos, guetos, redutos de identificação plena. É por isso que não existe um botão de 'dislike'. Para quê? Para as pessoas discutirem, se excluírem mutuamente? Nada disso. Vamos nos amar loucamente e conferir a página um do outro sete vezes ao dia." (Aqui)

* * *

"Privacidade é daquelas coisas que, intuitivamente, nos parecem importantes. Mas todos temos dificuldade de explicar por quê. Não bastasse, privacidade é coisa fluida. Quando um finlandês pergunta ao outro qual seu salário, ele ouve uma resposta de pronto. Ninguém vê motivo para ser discreto. Numa praia árabe, as áreas entre homens e mulheres são separadas por paredes, e mesmo na ala feminina elas se cobrem todas. Alemães vão à sauna mista nus sem que qualquer conotação sexual exista. Os mesmos alemães se insurgiram quando o Google decidiu publicar, no Street View do seu sistema de mapas, fotos das ruas que incluem, naturalmente, as fachadas das casas. Foto da casa vista da rua, por lá, é coisa privada.

O que é privado e o que é público varia de cultura para cultura, mas em todas existe privacidade. Charles Fried, um jurista de origem tcheca que foi advogado-geral dos EUA durante o governo de Ronald Reagan, tem talvez a melhor definição. Privacidade é o que define nossas relações. Os graus de intimidade que temos com as pessoas. Com aqueles mais próximos de nós, compartilhamos detalhes os mais íntimos. A partir daí, vamos impondo discretas barreiras entre nós e amigos de escola, colegas de trabalho, parceiros de pelada. Nossa capacidade de gerenciar a informação sobre nós que os outros têm define como convivemos em sociedade. Privacidade é importante por isso. Porque, se nossa vida é um livro aberto, nada nos protege do mundo lá fora."

(Pedro Doria - na íntegra aqui)

* * *

...mas como faz para não nos perdermos na multidão?

de todo tipo


Bom dia, pessoas de todo tipo. :-)

12 de set. de 2012

um dia no afeganistão que não conhecemos


"Outrora eu era de aqui, e hoje regresso estrangeiro. Forasteiro do que vejo e ouço,
velho de mim, já vi tudo, ainda o que nunca vi nem o que nunca verei.
Eu reinei no que eu nunca fui."

- Fernando Pessoa

"meu vício é gostar de gente"


Em maio de 1964, Cecília Meireles concedeu uma entrevista-depoimento ao jornalista Pedro Bloch, publicada na revista “Manchete”, edição nº 630, em 16 de maio de 1964 (e, posteriormente, no livro “Pedro Bloch Entrevista”, Bloch Editores, em 1989). Seguem alguns fragmentos.

“Tenho um vício terrível. Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura? Tenho tal amor pela criatura humana, em profundidade, que deve ser doença. Em pequena (eu era uma menina secreta, quieta, olhando muito as coisas, sonhando) tive tremenda emoção quando descobri as cores em estado de pureza, sentada num tapete persa. Caminhava por dentro das cores e inventava o meu mundo. Depois, ao olhar o chão, a madeira, analisava os veios e via florestas e lendas. Do mesmo jeito que via cores e florestas, depois olhei gente. Há quem pense que meu isolamento, meu modo de estar só (quem sabe se é porque descendo de gente da Ilha de São Miguel em que até se namora de uma ilha pra outra?), é distância quando, na realidade, é a minha maneira de me deslumbrar com as pessoas, analisar seus veios, suas florestas.”

"Vivo constantemente com fome de acertar. Sempre quase digo o que quero. Para transmitir, preciso saber. Não posso arrancar tudo de mim mesma sempre. Por isso leio, estudo. Cultura, para mim, é emoção sempre nova. Posso passar anos sem pisar num cinema, mas não posso deixar de ler, deixar de ouvir minha música (prefiro a medieval), deixar de estudar, hindi ou o hebraico, compreende?"


"Se eu inventei palavras? Não. Isto nunca me preocupou. No inventar há um certa dose de vaidade. 'In­ventei. É meu'. O que me fascina é a palavra que descubro, uma palavra antiga abandonada e que já pertenceu a tanta gente que a viveu e sofreu!"

"Tenho amigos em toda parte. Mas sou feito o Drummond que é tão amigo quase sem a presença física. Esse meu jeito esquivo é porque eu acho que cada ser humano é sagrado, compreende? Eu sou uma criatura de longe. Não sei se me querem mas eu quero bem a tanta gente! Sou amiga até dos mortos. Amiga de muita gente que nem conheci. Você não imagina quanta gente eu levo ao meu lado."

"Cada lugar aonde chego é uma surpresa e uma maneira diferente de ver os homens e coisas. Viajar para mim nunca foi turismo. Jamais tirei fotografia de país exótico. Viagem é alongamento de horizonte humano."

"Meus amigos, é curioso, ou vivem longe ou estão distantes. Minha casa já é contramão. Gosto de estudar o que me dá conhecimento melhor das pessoas, do mundo, da unidade. Por meio dos idiomas e do folclore, vejo até que ponto somos todos filhos de Deus. A passagem do mundo mágico para o mundo lógico me encanta."


"Educação, para mim; é botar, dentro do indivíduo, além do esqueleto de ossos que já possui, uma estrutura de sentimentos, um esqueleto emocional. O entendimento na base do amor."

"Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul onde costumava pousar um pombo branco. Nos dias límpidos o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e me sentia completamente feliz. (...) Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim."

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Leia a entrevista na íntegra aqui.

habitações

Cortiços nos fundos dos predios 12 a 44 da Rua do Senado, 
no centro do Rio de Janeiro, 1906. Foto de Augusto Malta, via


"O problema da habitação para a população de baixa renda brasileira não é atual. Os cortiços se espalhavam aos milhares pelo Rio de janeiro do inicio do Séc. XX. Eram completamente insalubres, sujos e um foco de doenças, principalmente da febre amarela, sífilis e varíola. Seu extermínio era necessário. Durante a campanha de vacinação da febre amarela (comandada pelo médico sanitarista Dr Oswaldo Cruz), que tornou-se numa revolta popular (havia a ideia que se tratava de uma política de extermínio da população pobre), os cortiços tiveram seu óbito assinado. Foram destruídos milhares, entre outros focos de doenças, durante a reforma da cidade promovida por Pereira Passos. Com o desaparecimento dos cortiços, praças, jardins, ruas e avenidas, belas construções surgiram em seu lugar. Era necessário também separar a população negra, mestiça, pobre, da nova e elegante cidade que surgia. Com o despejo para longe do Centro, os moradores, completamente desamparados pelo poder público, foram procurar outros lugares para viver. Com isso, houve um rápido aumento das favelas que até hoje se multiplicam em velocidade vertiginosa em nossa cidade.

Os cortiços eram geralmente de propriedade de ricos comerciantes que rendiam uma boa soma em dinheiro a esse comerciante que cobrava aluguel por cada comodo usado. Apesar de ter licença para existerem pelo Codigo de Posturas Municipais, os cortiços viviam em noticias de jornais que retratavam a miseria dos que lá moravam. O suborno às autoridades minicipais permitia que essas pocilgas existissem."

(Via)



"Entretanto, a rua lá fora povoava-se de um modo admirável. Construía-se mal, porém muito; surgiam chalés e casinhas da noite para o dia; subiam os aluguéis; as propriedades dobravam de valor. Montara-se uma fábrica de massas italianas e outra de velas, e os trabalhadores passavam de manhã e às Ave-Marias, e a maior parte deles ia comer à casa de pasto que João Romão arranjara aos fundos da sua varanda. Abriram-se novas tavernas; nenhuma, porém, conseguia ser tão afreguesada como a dele. Nunca o seu negocio fora tão bem, nunca o finório vendera tanto; vendia mais agora, muito mais, que nos anos anteriores. Teve até de admitir caixeiros. As mercadorias não lhe paravam nas prateleiras; o balcão estava cada vez mais lustroso, mais gasto. E o dinheiro a pingar, vintém por vintém, dentro da gaveta, e a escorrer da gaveta para a barra, aos cinqüenta e aos cem mil-réis, e da burra para o banco, aos contos e aos contos."

(Aluísio de Azevedo, "O Cortiço" - pdf na íntegra aqui)

* * *

Cortiço no centro do Rio de Janeiro, c. 1903 (via)

Habitação, esse problema sempre renovado:



"A habitação constitui um dos mais graves problemas sociais da cidade de São Paulo. Dentre os inúmeros fatores explicativos estão os baixos salários dos trabalhadores, o alto custo da terra urbanizada e a insuficiência de políticas públicas destinadas às favelas, aos loteamentos precários e, particularmente, aos cortiços. Consequentemente, as condições precárias de moradia têm reflexos perversos na vida das pessoas, pois a habitação é uma das bases fundamentais da estruturação da vida.

(...) Parece inacreditável a constatação de que os problemas que existiam nos cortiços no início do século 20, conforme estudos e jornais da época, sejam os mesmos dos dias de hoje. Dentre eles, destacam-se a grande concentração de pessoas em pequenos espaços; um único cômodo como moradia; ambientes com falta de ventilação e iluminação; uso de banheiros coletivos; instalações de esgotos danificados; falta de privacidade; e o fato de comporem um mercado de locação habitacional de alta lucratividade."

(Luiz Kohara, aqui)




"Quando esse tipo de interpretação do conceito de propriedade privada sobrepõe a dignidade humana, há algo de muito errado em nossa sociedade.

Quando uma prefeitura finge que não vê um número tão grande de pessoas e não as considera em sua gestão, há algo de muito errado com a política."

(Fabricio Cunha, aqui)




"Enquanto isso, mais uma favela queimou em São Paulo.

Essa limpeza pelo fogo leva às lágrimas muitas famílias. E abrem imperceptíveis sorrisos em alguns empresários e administradores públicos de olho no erguimento de bancos, salas de concertos e de exposições, teatros, sedes de multinacionais, escritórios da administração pública, restaurantes, equipamentos públicos. E apartamentos, para quem pode pagar, é claro.

A questão deveria ser central nos discursos dos candidatos à Prefeitura de São Paulo, mas não é. Até porque tem sido função do poder público em São Paulo tornar a vida dos moradores de favelas em áreas de interesse imobiliário um inferno até que eles saiam, seja por ação direta, seja por omissão.

E a desse pessoal, resistir. Eles sabem que não se encaixam no plano de desenvolvimento para a cidade. Sabe como é, né? Aquele bando de gente pobre só ia jogar o preço do metro quadrado para embaixo e afastar os 'homens de bem' de perto. Temos um constante Pinheirinho em São Paulo, mas como segue a conta-gotas, não vira manchete. Banalizou-se, como a corrupção ou a superexploração do trabalho.

Ao longo do tempo, fomos expulsando os mais pobres para regiões cada vez mais periféricas. Eles, que têm menos recursos financeiros, gastam mais tempo e mais de sua renda com transporte do que os mais ricos que ficaram nas áreas centrais – com exceção das Alphabolhas da vida. Cortiços e pequenas favelas em regiões de fácil acesso abrigam centenas de famílias. Sem o mínimo de saneamento básico, às vezes sem água e sem luz. A maioria dos moradores desses locais prefere continuar assim, pois transporte é o que não falta e a casa fica próxima ao trabalho – ao contrário do que acontece em bairros da periferia, onde o trajeto até o centro chega a levar três horas, dentro de ônibus superlotados.

Ao mesmo tempo, o Brasil está se tornando um imenso canteiro de obras.

O problema é que há gente morando nos locais onde se quer construir."

(Leonardo Sakamoto, aqui)



Um projeto colaborativo na Internet, o "Fogo no Barraco", é uma tentativa de mapear todos os incêndios em favelas de São Paulo, desde 2004, e também as regiões mais valorizadas dos últimos tempos. Juntando as duas pontas, há uma notável convergência. Saiba mais (e como participar) aqui. (Dica do prof.  Lair Amaro)



"A prefeitura implementou um programa de prevenção em 50 comunidades classificadas como de alto risco. Ainda assim, muitas delas já registraram incêndios.

Mesmo considerada 'modelo', a favela do Morro do Piolho mostrou que as medidas do Previn (programa de prevenção de incêndios), que incluíram um zelador com capacete, capas e botas de incêndio, não foram suficientes.

De acordo com os residentes, que tentaram conter as chamas com baldes, não houve treinamento, e extintores jamais foram entregues." (Aqui)



"As centenas de milhares de casas e apartamentos da supostamente exitosa política habitacional chilena produziram um território marcado por uma segregação profunda, onde o “lugar dos pobres” é uma periferia homogênea, de péssima qualidade urbanística e, muitas vezes, também, de péssima qualidade de construção, marcada ainda por sérios problemas sociais, como tráfico de drogas, violência doméstica, entre outros. Para se ter uma ideia, vários conjuntos habitacionais já foram demolidos (!) e muitos outros se encontram em estudo para demolição.

Deixada para o mercado a decisão de onde e como deveria ser produzida, encarada como um produto que se compra individualmente, como um carro ou uma geladeira, a cidade que resultou é simplesmente desastrosa. Nada nos leva a supor, que, em menos de dez anos, não estaremos enfrentando no Brasil o mesmo cenário com o programa 'Minha Casa, Minha Vida'."


(Raquel Rolnik, professora e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, aqui)



"A maior crítica dos urbanistas ao programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo federal em 2009, é a de que as necessidades do setor de construção civil foram mais importantes na construção do modelo do projeto do que o modelo de cidade que ele criaria."

("Minha Casa, Minha Vida é política de crédito, não de cidade", por Thalita Pires, Rede Brasil Atual, aqui)

renúncias


No passado a meditação era uma vida negativa: renunciar à vida e a tudo o que faz dela algo que vale a pena viver.

Para mim, a meditação é exatamente o oposto do que tem sido até agora.

"Meditação" é um coração silencioso, uma mente tranquila, que pode tornar a vida mais amável, mais suportável; que pode tornar a vida mais rica em todas as dimensões.

Não quero que você renuncie a nada. Quero que se alegre com tudo, seja o que for que estiver fazendo.


(Osho, em "The Forgotten Language of The Heart", aqui)

11 de set. de 2012

corpo e identidade


"Ninguém existe sem antes perceber o próprio corpo. Se nosso corpo constitui-se de vários 'pedaços', o movimento é o fator que nos possibilita juntar essas peças e criar unidade. O movimento nada mais é que uma tensão conduzida de um músculo a outro, organizando alavancas ósseas e permitindo a sensação de um braço inteiro, de uma perna inteira e, finalmente, de um corpo inteiro. É essa síntese motora que nos fornece a confortável sensação de unidade, de identidade.

Se nossas unidades estruturais não concorrem para a consciência de uma identidade, o psiquismo será novamente sobrecarregado nesse esforço da personalização. "

- Ivaldo Bertazzo, via

o 11/09 esquecido

Bombardeio do Palácio de la Moneda (via)

Chile, 11 de setembro de 1973:

"Não vou renunciar. Colocado no caminho da História, pagarei com minha vida a lealdade do povo. E digo que tenho certeza de que a semente que deixamos na consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser ceifada definitivamente. Eles têm a força, poderão submeter-nos, porém não deterão os processos sociais nem com crimes nem com a força. A história é nossa e é feita pelo povo".

- Salvador Allende, em suas últimas palavras, transmitidas por rádio durante o cerco ao Palácio de La Moneda (via).

(Ah, a história latino-americana à qual os brasileiros em geral nos mantemos alheios... Ainda bem que nem todo mundo esquece.)

o ocidente caiu com as torres


Enquanto o ex-presidente Bill Clinton fazia seu discurso histórico na Convenção democrática, senti-me em uma viagem no tempo - parecia que estávamos antes do 11 de Setembro, com os EUA em superávit, com uma visão multilateral do mundo, antes da brutal recessão que o boçal do Bush causou com sua política para milionários e Wall Street. Há muito tempo eu não era tão feliz. Pude esquecer por uma hora as caras dos republicanos: homens com fuças de bandidos violentos e mulheres com seus cabelos louros de 'chapinha', com o sorriso fixo de peruas imbecis.


Clinton explicou com destreza literária e estratégica como os republicanos provocaram o horror atual da economia, como impediram no Congresso que Obama fizesse correções na 'herança maldita' que deixaram e agora querem voltar para errar mais, num momento delicadíssimo da agenda internacional. Emocionou-me a dignidade daqueles dois, o preto bonito e o branco bonito, homens de bem, cultos, contrastando com os animais que pululavam na convenção republicana, com o fascista Clint Eastwood fazendo piadinhas e desonrando o fim de sua vida. Nunca mais vejo filme dele.

A crise econômica de 2008 começou em 2001, no 11 de Setembro. O ataque do Osama às torres dissimulou a estupidez do governo Bush (lembram de sua cara abestalhada quando soube do atentado?) Naquela cara estava traçado nosso destino dos últimos dez anos. Como um 'presidente de guerra', a desregulação das finanças foi escancarada, ninguém prestava atenção a nada, a não ser o 'Cheney-Oil' (que passou a mandar) e os 'mestres do universo', como os moleques de Wall Street se chamavam.

Logo depois do 11/9, o 'patriotic act' que Bush assinou justificou qualquer loucura, qualquer gasto para combater o terror. Não teríamos uma crise tão forte, se os EUA não estivessem gastando cerca de um trilhão por ano no Iraque e Afeganistão. O dinheiro rolava em cachoeira com baixos juros e a bolha imobiliária cresceu, os 'derivativos' e alavancagens criaram para os americanos um consumo fictício compensatório, que acabou estourando, como as minas que matavam jovens nos desertos do Oriente.

Bin Laden armou uma armadilha infalível: obrigou os EUA ao contra-ataque e, com isso, uniu o Islã.

Além disso, Bin Laden produziu a grande ressurreição do século 21: Deus. Ressurgiu Alá para eles e o fundamentalismo cristão na América. Alá e Jesus, ambos armados. Bin Laden 'islamizou' a América. Hoje há cerca de 40 milhões de evangélicos nos EUA, que acham que Deus criou o mundo em sete dias, 6 mil anos atrás, e que o Islã tem de ser arrasado com bombas nucleares. Barack Obama pode ser derrotado por milhões de ignorantes religiosos. Bin Laden nos jogou na Idade Média, numa era pré-política. Os nazistas queriam um milênio ariano, os comunas queriam construir um paraíso sem classes, os fanáticos do Islã não querem construir nada. Já estão prontos. Já chegaram lá. Já vivem na eternidade. Querem apenas destruir o demônio - que somos nós. (...) Suas multidões jazem na miséria, conformados, perfazendo um ritual obsessivo cotidiano que os libertou da dúvida. Sua obediência ao Alcorão lhes ensina tudo, desde como cortar as unhas até como matar 'cães infiéis'. Como disse o mulah Muhammad Omar, com desdém: "Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver..."

Em um discurso que fez nas cavernas do Afeganistão, Bin Laden citou o tratado de Sèvres, quando o Ocidente acabou com o Império Otomano e com o sonho de unidade árabe, em 1920. Depois, declarou: "Nunca mais seremos humilhados como na Andaluzia". Ou seja, eles se vingam da expulsão da Península Ibérica em 1492. Osama nos odeia há 500 anos.

Osama Bin Laden inventou a única arma possível para os miseráveis: a loucura suicida. Queremos desesperadamente explicar Osama à luz da ciência ou da razão, mas ele se mantém imune a interpretações. Finalmente, entendi a velha frase de Camus: "O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo". Mas, não o suicídio raivoso de Mersault (v. O Estrangeiro) contra o mundo "absurdo". Não mais o suicídio da "náusea", mas o suicídio como manifestação de vida contra a dúvida e a diferença. Ai, que loucura!: o suicídio como esperança.

Além de incendiar a crise da economia, o ataque de 11/9 acabou com a fama de infalibilidade dos EUA. Acabou com a ideia de "finalidade", de "projeto". Acabou com a ideia de solução, com a ideia de vitória.

Ele trouxe de volta o que estava faltando ao Ocidente, desde o fim da guerra fria: o medo, a pulsão de morte que andava escondida, sublimada nos filmes, nos "hambúrgueres", na gargalhada infinita do entertainment. Acaba o happy end, a simetria, o princípio, o meio e o fim.


A arte revolucionária de Osama foi ter criado um fato. Hoje em dia não temos mais fatos; só expectativas. E ele nos trouxe um acontecimento em 2001, intempestivamente. E se o intempestivo acontece, Bin Laden atualizou a ideia do contemporâneo que, como disse Agamben, está dada numa relação de desconexão e dissociação com o tempo presente. E, para ele, "contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele ver não as luzes, mas o escuro". Bin Laden provou a morte das grandes narrativas e explicações. Pode estar pintando um horror à mudança, um tempo de conformismo deprimido. Ficaremos mais minimalistas, afirmando singularidades. Como disse Baudrillard: "O universal acabou; só resta o singular contra o mundial".

E depois de criar milhões de 'jihadistas' americanos, com os "tea parties" fascistas, com um Deus vingativo e reacionário, Bin Laden está no fundo do oceano. E pode ser que chegue agora sua vingança contra Barack Obama: do abismo gelado do mar, entre peixes luminosos, Bin Laden pode eleger o Mitt Romney em novembro.

- Arnaldo Jabor, na íntegra aqui

dois pauzinhos


Perguntar "quem é o homem" e "quem é a mulher" em uma relação homoafetiva é o mesmo que perguntar qual hashi é o garfo.

Fica a dica.

10 de set. de 2012

microbioma humano


Em nossa cosmovisão antropocêntrica, somos o resultado dos genes que se juntaram num óvulo fertilizado. A condição humana, no entanto, é muito mais complexa.

Recebemos de nossos pais cerca de 23 mil genes, número insignificante comparado aos 3,3 milhões de genes pertencentes às bactérias alojadas em nosso corpo.

Não imagine que elas são parasitas reles à espera de uma oportunidade para invadir o organismo. Entre outras funções nobres, as bactérias liberam micronutrientes essenciais, energia para o consumo diário, regulam o sistema imunológico e nos protegem contra germes virulentos.

Na visão moderna, o corpo humano é um ecossistema no qual as células descendentes do óvulo fertilizado constituem apenas um dos componentes. O outro é o microbioma, muito mais numeroso: para cada célula herdada existem dez bactérias.

Enquanto um homem de 70 quilos é formado por 70 trilhões de células, em seu intestino existem 100 trilhões de bactérias. Os outros 600 trilhões são encontradas na pele (10 mil em cada cm²), boca, cavidade nasal, seios da face e aparelho geniturinário.

Durante a gravidez, o bebê é mantido em ambiente estéril. Se ele assim permanecesse ao vir à luz, teria poucos dias de vida, devorado por germes agressivos e incapaz de obter no seio materno a energia necessária para sobreviver.

Ao passar pelo canal do parto, o bebê se infecta com as bactérias presentes na vagina e no aparelho urinário da mãe, ricas em Lactobacillus. Nos partos cesarianos, o microbioma é adquirido principalmente pelo contato com as bactérias da pele materna das pessoas que convivem com ela. A diferença na composição dos microbiomas entre os nascidos por via vaginal ou cesariana persiste por meses e deve ter implicações na saúde dos nenês.

A transição do leite materno para a dieta sólida está associada à aquisição de um microbioma mais semelhante ao da vida adulta, mas as doenças infecciosas, o uso de antibióticos e as características da dieta podem interferir com sua composição.

Daí em diante, os germes com quem dividimos o corpo serão adquiridos por meio do contato com os familiares e com os que nos cercam, de modo que o microbioma adquirirá características únicas que nos distinguirão dos demais seres humanos, tanto quanto nossa aparência física.

Em 2006, um estudo mostrou que a mucosa intestinal de indivíduos obesos era rica em bactérias do phylum Firmicutes, enquanto as dos magros pertenciam predominantemente ao phylum Bacteroidetes. Quando os obesos perdiam peso, a composição da flora adquiria as características dos magros.

Experimentos subsequentes demonstraram que o emagrecimento está associado à ação dos Bacteroidetes na inibição da síntese de um hormônio que facilita o armazenamento de gordura. Essa mudança da flora explicaria por que doses baixas de antibióticos ajudam o gado a engordar.

Da mesma forma, seria possível combater a subnutrição por meios de manipulações da flora intestinal.
Nos últimos cinco anos, tem sido demonstrado que o microbioma exerce papel importante em doenças cardiovasculares, esclerose múltipla, diabetes, infecções por germes patogênicos, doenças inflamatórias, como a doença de Crohn, que acomete os intestinos, processos autoimunes, como a asma, e até no autismo.

O caso do diabetes é especialmente ilustrativo. Pessoas com obesidade grave e diabetes submetidas a uma cirurgia conhecida como Y de Roux, na qual o intestino sofre um curto-circuito para reduzir a capacidade de absorção de nutrientes, perdem de 20 a 30% do peso corpóreo. O mais impressionante, entretanto, é que em cerca de 80% delas o diabetes desaparece em dias.

Diversas evidências sugerem que o Y de Roux facilita o aparecimento de bactérias que liberam fatores capazes de interferir com o controle da sensibilidade à insulina, mecanismo defeituoso nos que sofrem da doença.

A visão de que os germes são inimigos a ser combatidos, num mundo cada vez mais higiênico e estéril, pertence ao passado. Precisamos deles para sobreviver tanto quanto eles dependem de nós.

No futuro, manipularemos o compartimento bacteriano de nosso ecossistema, para tratar de enfermidades de forma personalizada. Infelizmente, os iogurtes disponíveis nos supermercados estão longe de cumprir essa tarefa.

- Drauzio Varella, aqui

degraus da ilusão

 Quino

Fala-se muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma “nova classe média”, realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico (cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui reina.

Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos decentes.

Porém, o que vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do país. Compramos com os juros mais altos do mundo, pagamos os impostos mais altos do mundo e temos os serviços (saúde, comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos pedem para consumir, somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas.

Além disso, a inadimplência cresce de maneira preocupante, levando famílias que compraram seu carrinho a não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses não conseguem pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.

Estamos enforcados em dívidas impagáveis, mas nos convidam a gastar ainda mais, de maneira impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem, esclarecerem, formarem uma opinião sensata e positiva, tomam novas medidas para que esse consumo insensato continue crescendo – e, como somos alienados e pouco informados, tocamos a comprar.

Sou de uma classe média em que a gente crescia com quatro ensinamentos básicos: ter seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e trabalhar firme para manter e, quem sabe, expandir isso. Para garantir uma velhice independente de ajuda de filhos ou de estranhos; para deixar aos filhos algo com que pudessem começar a própria vida com dignidade.

Tais ensinamentos parecem abolidos, ultrapassadas a prudência e a cautela, pouco estimulados o desejo de crescimento firme e a construção de uma vida mais segura. Pois tudo é uma construção: a vida pessoal, a profissão, os ganhos, as relações de amor e amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a fatalidades como doença e outras, que ninguém controla). Mas, mesmo em tempos de fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter um diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que for. Podemos ser derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos leões do destino, totalmente desarmados.

Somos uma sociedade alçada na maré do consumo compulsivo, interessada em “aproveitar a vida”, seja o que isso for, e em adquirir mais e mais coisas, mesmo que inúteis, quando deveríamos estar cuidando, com muito afinco e seriedade, de melhores escolas e universidades, tecnologia mais avançada, transportes muito mais eficientes, saúde excelente, e verdadeiro crescimento do país. Mas corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo de peneiras com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não vê.

A mais forte raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação e orientação, isto é, de educação. E o melhor remédio é investir fortemente, abundantemente, decididamente, em educação: impossível repetir isso em demasia. Mas não vejo isso como nossa prioridade.

Fosse o contrário, estaríamos atentos aos nossos gastos e aquisições, mais interessados num crescimento real e sensato do que em itens desnecessários em tempos de crise. Isso não é subir de classe social: é saracotear diante de uma perigosa ladeira. Não tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu quase solitário (e antiquado) protesto.

(Lya Luft, aqui)
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