10 de jan. de 2013

o corpo utópico


Nesta conferência de Michel Foucault – que acaba de ser publicada em espanhol – o corpo é, em primeiro lugar, “o contrário de uma utopia”, lugar “absoluto”, “desapiedado”, com o qual a utopia da alma se confronta. Mas, finalmente, o corpo, “visível e invisível”, “penetrável e opaco”, é “o ator principal de toda utopia” e cala apenas diante do espelho, do cadáver ou do amor.

A conferência “O corpo utópico”, de 1966, integra o livro El cuerpo utópico. Las heterotopías, cuja versão espanhola acaba de ser publicada (Ed. Nueva Vision). Esta versão está publicada no jornal argentino Página/12, 29-10-2010. A tradução é do Cepat.

Eis a conferência, reproduzida aqui via IHU.

Basta eu acordar, que não posso escapar deste lugar que Proust [A recuperação do corpo no processo do acordar é um tema recorrente na obra de Marcel Proust – Nota da Redação], docemente, ansiosamente, ocupa uma vez mais em cada despertar. Não que me prenda ao lugar – porque depois de tudo eu posso não apenas mexer, andar por aí, mas posso movimentá-lo, removê-lo, mudá-lo de lugar –, mas somente por isso: não posso me deslocar sem ele. Não posso deixá-lo onde está para ir a outro lugar. Posso ir até o fim do mundo, posso me esconder, de manhã, debaixo das cobertas, encolher o máximo possível, posso deixar-me queimar ao sol na praia, mas o corpo sempre estará onde eu estou. Ele está aqui, irreparavelmente, nunca em outro lugar. Meu corpo é o contrário de uma utopia, é o que nunca está sob outro céu, é o lugar absoluto, o pequeno fragmento de espaço com o qual, em sentido estrito, eu me corporizo.

Meu corpo, topia desapiedada. E se, por ventura, eu vivesse com ele em uma espécie de familiaridade gastada, como com uma sombra, como com essas coisas de todos os dias que finalmente deixei de ver e que a vida passou para segundo plano, como essas chaminés, esses telhados que se amontoam cada tarde diante da minha janela? Mas, todas as manhãs, a mesma ferida; sob os meus olhos se desenha a inevitável imagem que o espelho impõe: rosto magro, costas curvadas, olhos míopes, careca, nada lindo, na verdade. Meu corpo é uma jaula desagradável, na qual terei que me mostrar e passear. É através de suas grades que eu vou falar, olhar, ser visto. Meu corpo é o lugar irremediável a que estou condenado.

Depois de tudo, creio que é contra ele e como que para apagá-lo, que nasceram todas as utopias. A que se devem o prestígio da utopia, da beleza, da maravilha da utopia? A utopia é um lugar fora de todos os lugares, mas é um lugar onde terei um corpo sem corpo, um corpo que será belo, límpido, transparente, luminoso, veloz, colossal em sua potência, infinito em sua duração, desligado, invisível, protegido, sempre transfigurado; e é bem possível que a utopia primeira, aquela que é a mais inextirpável no coração dos homens, seja precisamente a utopia de um corpo incorpóreo. O país das fadas, dos duendes, dos gênios, dos magos, e bem, é o país onde os corpos se transportam à velocidade da luz, onde as feridas se curam imediatamente, onde caímos de uma montanha sem nos machucar, onde se é visível quando se quer e invisível quando se deseja. Se há um país mágico é realmente para que nele eu seja um príncipe encantado e todos os lindos peraltas se tornem peludos e feios como ursos.

Mas há ainda outra utopia dedicada a desfazer os corpos. Essa utopia é o país dos mortos, são as grandes cidades utópicas deixadas pela civilização egípcia. Mas, o que são as múmias? São a utopia do corpo negado e transfigurado. As múmias são o grande corpo utópico que persiste através do tempo. Há as pinturas e esculturas dos túmulos; as estátuas, que, desde a Idade Média, prolongam uma juventude que não terá fim. Atualmente, existem esses simples cubos de mármore, corpos geometrizados pela pedra, figuras regulares e brancas sobre o grande quadro negro dos cemitérios. E nessa cidade de utopia dos mortos, eis aqui que meu corpo se torna sólido como uma coisa, eterno como um deus.

Mas, talvez, a mais obstinada, a mais poderosa dessas utopias através das quais apagamos a triste topologia do corpo nos seja administrada pelo grande mito da alma, fornecido desde o fundo da história ocidental. A alma funciona maravilhosamente dentro do meu corpo. Nele se aloja, evidentemente, mas sabe escapar dele: escapa para ver as coisas, através das janelas dos meus olhos, escapa para sonhar quando durmo, para sobreviver quando morro. A minha alma é bela, pura, branca. E se meu corpo barroso – em todo o caso não muito limpo – vem a se sujar, é certo que haverá uma virtude, um poder, mil gestos sagrados que a restabelecerão em sua pureza primeira. A minha alma durará muito tempo, e mais que muito tempo, quando o meu velho corpo apodrecer. Viva a minha alma! É o meu corpo luminoso, purificado, virtuoso, ágil, móvel, tíbio, fresco; é o meu corpo liso, castrado, arredondado como uma bolha de sabão.

E eis que o meu corpo, pela virtude de todas essas utopias, desapareceu. Desapareceu como a chama de uma vela que alguém sopra. A alma, as tumbas, os gênios e as fadas se apropriaram pela força dele, o fizeram desaparecer em um piscar de olhos, sopraram sobre seu peso, sobre sua feiúra, e me restituíram um corpo fulgurante e perpétuo.

Mas meu corpo, para dizer a verdade, não se deixa submeter com tanta facilidade. Depois de tudo, ele mesmo tem seus recursos próprios e fantásticos. Também ele possui lugares sem-lugar e lugares mais profundos, mais obstinados ainda que a alma, que a tumba, que o encanto dos magos. Tem suas bodegas e seus celeiros, seus lugares obscuros e praias luminosas. Minha cabeça, por exemplo, é uma estranha caverna aberta ao mundo exterior através de duas janelas, de duas aberturas – estou seguro disso, posto que as vejo no espelho. E, além disso, posso fechar um e outro separadamente. E, no entanto, não há mais que uma só dessas aberturas, porque diante de mim não vejo mais que uma única paisagem, contínua, sem tabiques nem cortes. E nessa cabeça, como acontecem as coisas? E, se as coisas entram na minha cabeça – e disso estou muito seguro, de que as coisas entram na minha cabeça quando olho, porque o sol, quando é muito forte e me deslumbra, vai a desgarrar até o fundo do meu cérebro –, e, no entanto, essas coisas ficam fora dela, posto que as vejo diante de mim e, para alcançá-las, devo me adiantar.

Corpo incompreensível, penetrável e opaco, aberto e fechado: corpo utópico. Corpo absolutamente visível – porque sei muito bem o que é ser visto por alguém de alto a baixo, sei o que é ser espiado por trás, vigiado por cima do ombro, surpreendido quando menos espero, sei o que é estar nu. Entretanto, esse mesmo corpo é também tomado por uma certa invisibilidade da qual jamais posso separá-lo. A minha nuca, por exemplo, posso tocá-la, mas jamais vê-la; as costas, que posso ver apenas no espelho; e o que é esse ombro, cujos movimentos e posições conheço com precisão, mas que jamais poderei ver sem retorcer-me espantosamente. O corpo, fantasma que não aparece senão na miragem de um espelho e, mesmo assim, de maneira fragmentada. Necessito realmente dos gênios e das fadas, e da morte e da alma, para ser ao mesmo tempo indissociavelmente visível e invisível? E, além disso, esse corpo é ligeiro, transparente, imponderável; não é uma coisa: anda, mexe, vive, deseja, se deixa atravessar sem resistências por todas as minhas intenções. Sim. Mas até o dia em que fico doente, sinto dor de estômago e febre. Até o dia em que estala no fundo da minha boca a dor de dentes. Então, então deixo de ser ligeiro, imponderável, etc.: me torno coisa, arquitetura fantástica e arruinada.

Não, realmente, não se necessita de magia, não se necessita de uma alma nem de uma morte para que eu seja ao mesmo tempo opaco e transparente, visível e invisível, vida e coisa. Para que eu seja utopia, basta que seja um corpo. Todas essas utopias pelas quais esquivava o meu corpo, simplesmente tinham seu modelo e seu ponto primeiro de aplicação, tinham seu lugar de origem em meu corpo. Estava muito equivocado há pouco ao dizer que as utopias estavam voltadas contra o corpo e destinadas a apagá-lo: elas nasceram do próprio corpo e depois, talvez, se voltarão contra ele.

Uma coisa, entretanto, é certa: o corpo humano é o ator principal de todas as utopias. Depois de tudo, uma das utopias mais velhas que os homens contaram a si mesmos, não é o sonho de corpos imensos, sem medidas, que devorariam o espaço e dominariam o mundo? É a velha utopia dos gigantes, que se encontra no coração de tantas lendas, na Europa, na África, na Oceania, na Ásia. Essa velha lenda que durante tanto tempo alimentou a imaginação ocidental, de Prometeu a Gulliver.

O corpo é também um grande ator utópico quando se pensa nas máscaras, na maquiagem e na tatuagem. Usar máscaras, maquiar-se, tatuar-se, não é exatamente, como se poderia imaginar, adquirir outro corpo, simplesmente um pouco mais belo, melhor decorado, mais facilmente reconhecível. Tatuar-se, maquiar-se, usar máscaras, é, sem dúvida, algo muito diferente; é fazer entrar o corpo em comunicação com poderes secretos e forças invisíveis. A máscara, o sinal tatuado, o enfeite colocado no corpo é toda uma linguagem: uma linguagem enigmática, cifrada, secreta, sagrada, que se deposita sobre esse mesmo corpo, chamando sobre ele a força de um deus, o poder surdo do sagrado ou a vivacidade do desejo. A máscara, a tatuagem, o enfeite coloca o corpo em outro espaço, o fazem entrar em um lugar que não tem lugar diretamente no mundo, fazem desse corpo um fragmento de um espaço imaginário, que entra em comunicação com o universo das divindades ou com o universo do outro. Alguém será possuído pelos deuses ou pela pessoa que acaba de seduzir. Em todo o caso, a máscara, a tatuagem, o enfeite são operações pelas quais o corpo é arrancado do seu espaço próprio e projetado a outro espaço.

Escutem, por exemplo, este conto japonês e a maneira como um tatuador faz passar a um universo que não é o nosso o corpo da jovem que ele deseja:

“O sol lançava seus raios sobre o rio e incendiava o quarto das sete esteiras. Seus raios refletidos sobre a superfície da água formavam um desenho de ondas douradas sobre o papel dos biombos e sobre o rosto da jovem em sono profundo. Seikichi, depois de ter corrido os tabiques, tomou entre as suas mãos suas ferramentas de tatuagem. Durante alguns instantes permaneceu imerso numa espécie de êxtase. Precisamente agora saboreava plenamente a estranha beleza da jovem. Parecia-lhe que podia permanecer sentado diante desse rosto imóvel durante dezenas ou centenas de anos sem jamais experimentar nem cansaço nem aborrecimento. Assim como o povo de Mênfis embelezava outrora a terra magnífica do Egito de pirâmides e de esfinges, assim Seikichi, com todo o seu amor, quis embelezar com seu desenho a pele fresca da jovem. Aplicou-lhe de imediato a ponta de seus pincéis de cor segurando-os entre o polegar, e os dedos anular e pequeno da mão esquerda, e à medida que as linhas eram desenhadas, picava-as com sua agulha que segurava na mão direita”.

E quando se pensa que as vestimentas sagradas ou profanas, religiosas ou civis fazem o indivíduo entrar no espaço fechado do religioso ou na rede invisível da sociedade, então se vê que tudo quanto toca o corpo – desenhos, cores, diademas, tiaras, vestimentas, uniformes – faz alcançar seu pleno desenvolvimento, sob uma forma sensível e abigarrada, as utopias seladas no corpo.

Mas, se fosse preciso descer mais uma vez abaixo das vestimentas, se fosse preciso alcançar a própria carne, e então se veria que em alguns casos, em seu ponto limite, é o próprio corpo que volta contra si seu poder utópico e faz entrar todo o espaço do religioso e do sagrado, todo o espaço do outro mundo, todo o espaço do contra-mundo, no interior mesmo do espaço que lhe está reservado. Então, o corpo, em sua materialidade, em sua carne, seria como o produto de suas próprias fantasias. Depois de tudo, acaso o corpo de um dançarino não é justamente um corpo dilatado segundo todo um espaço que lhe é interior e exterior ao mesmo tempo? E também os drogados, e os possuídos; os possuídos, cujo corpo se torna um inferno; os estigmatizados, cujo corpo se torna sofrimento, redenção e salvação, paraíso sangrante.

Bobagem dizer, portanto, como fiz no início, que meu corpo nunca está em outro lugar, quer era um aqui irremediável e que se opunha a toda utopia.

Meu corpo, de fato, está sempre em outro lugar. Está ligado a todos os outros lugares do mundo, e, para dizer a verdade, está num outro lugar que é o além do mundo. É em referência ao corpo que as coisas estão dispostas, é em relação ao corpo que existe uma esquerda e uma direita, um atrás e um na frente, um próximo e um distante. O corpo está no centro do mundo, ali onde os caminhos e os espaços se cruzam, o corpo não está em nenhuma parte: o coração do mundo é esse pequeno núcleo utópico a partir do qual sonho, falo, me expresso, imagino, percebo as coisas em seu lugar e também as nego pelo poder indefinido das utopias que imagino. O meu corpo é como a Cidade de Deus, não tem lugar, mas é de lá que se irradiam todos os lugares possíveis, reais ou utópicos.

Depois de tudo, as crianças demoram muito tempo para descobrir que têm um corpo. Durante meses, durante mais de um ano, não têm mais que um corpo disperso, membros, cavidades, orifícios, e tudo isto não se organiza, tudo isto não se corporiza literalmente, senão na imagem do espelho. De uma maneira mais estranha ainda, os gregos de Homero não tinham uma palavra para designar a unidade do corpo. Por mais paradoxal que possa parecer, diante de Tróia, sob os muros defendidos por Hector e seus companheiros, não havia corpo, havia braços levantados, havia peitos valorosos, pernas ágeis, cascos brilhantes acima das cabeças: não havia um corpo. A palavra grega que significa corpo só aparece em Homero para designar o cadáver. É esse cadáver, por conseguinte, é o cadáver e é o espelho que nos ensinam (enfim, que ensinaram os gregos e que ensinam agora as crianças) que temos um corpo, que esse corpo tem uma forma, que essa forma tem um contorno, que nesse contorno há uma espessura, um peso, numa palavra, que o corpo ocupa um lugar. O espelho e o cadáver assinalam um espaço à experiência profunda e originariamente utópica do corpo; o espelho e o cadáver fazem calar e apaziguam e fecham sobre um fecho – que agora está para nós selado – essa grande raiva utópica que deteriora e volatiliza a cada instante o nosso corpo. É graças a eles, ao espelho e ao cadáver, que o nosso corpo não é pura e simples utopia. Ora, se se pensa que a imagem do espelho está alojada para nós em um espaço inacessível, e que jamais poderemos estar ali onde estará o nosso cadáver, se pensamos que o espelho e o cadáver estão eles mesmos em um invencível outro lugar, então se descobre que só utopias podem encerrar-se sobre elas mesmas e ocultar um instante a utopia profunda e soberana de nosso corpo.

Talvez seria preciso dizer também que fazer o amor é sentir seu corpo se fechar sobre si, é finalmente existir fora de toda utopia, com toda a sua densidade, entre as mãos do outro. Sob os dedos do outro que te percorrem, todas as partes invisíveis do teu corpo se põem a existir, contra os lábios do outro os teus se tornam sensíveis, diante de seus olhos semi-abertos teu rosto adquire uma certeza, há um olhar finalmente par ver tuas pálpebras fechadas. Também o amor, assim como o espelho e como a morte, acalma a utopia do teu corpo, a cala, a acalma, a fecha como numa caixa, a fecha e a sela. É por isso que é um parente tão próximo da ilusão do espelho e da ameaça da morte; e se, apesar dessas duas figuras perigosas que o rodeiam, se gosta tanto de fazer o amor é porque, no amor, o corpo está aqui.

8 de jan. de 2013

o atlas do futuro


Nas épocas de crise o fatalismo retorna. As teorias deterministas abrem caminho com facilidade. É o paraíso da economia, embora os economistas se equivoquem. E é o momento propício para o retorno da geopolítica - uma disciplina interessante mas suspeita, que os nazistas usaram para justificar sua teoria do espaço vital e sua política agressiva e expansionista -, inclusive em forma de geoeconomia.

A reportagem é de Luís Bassets, publicada no jornal El País, traduzida pelo portal UOL, 07-01-2013, e reproduzida aqui via IHU.

Nem tudo é imperialismo nos conceitos geopolíticos, mas não há dúvidas sobre as origens imperialistas de uma ciência que pretende explicar os comportamentos políticos pelos condicionamentos do entorno geográfico. Há também algo reativo na recuperação de um pensamento duro, que observa os seres humanos de uma perspectiva estratosférica, a dos satélites que nos enviam imagens da Terra. Depois das épocas ideológicas, e das épocas da virtualidade digital como a nossa, é lógico que surjam reações reducionistas.

O livro da temporada sobre essa questão é "A Vingança da Geografia - O que os mapas nos dizem sobre os próximos conflitos e a batalha contra o destino", do jornalista Robert Kaplan, do qual basta citar estas frases para perceber sua abordagem bastante clássica do problema: "A geografia é o pano de fundo da própria história humana. Apesar das distorções geográficas, pode ser tão reveladora das intenções de longo alcance dos governos quanto os conciliábulos secretos. A posição de um país no mapa é o primeiro elemento que o define, mais que sua filosofia de governo".

Kaplan nos introduz ao pensamento geopolítico, mas sobretudo nos convida a adotar uma consciência geográfica na hora de abordarmos os conflitos mundiais. Vamos ouvi-lo um pouco, sem necessidade de nos deixarmos convencer nem entrar em debates filosóficos sobre a liberdade e o determinismo na história das nações. Voltemos por um momento aos mapas, aproveitando o ano novo, momento propício para interessar-se pelas notícias que transcendem a novidade de um só dia ou uma semana.

Não nos bastam para esse exercício os velhos atlas coloridos de geografia física e política, que nos mostravam a colcha de retalhos das fronteiras e soberanias nacionais, embora possam ter alguma utilidade em um momento de aguçamento de rivalidades nacionais. Na Ásia, por exemplo, onde nos servirão para esquadrinhar o mar da China em busca do arquipélago das Spratley, as ilhas Paracelso ou as Diaoyu (Senkaku em japonês), todas elas disputadas entre a China e seus vizinhos. Ou no Ártico, onde nos permitirão perscrutar as futuras rotas de navegação entre a Ásia e a Europa.

Esses são os mapas clássicos de superfície que abrigam novos mapas menos conhecidos, mas mais interessantes para nossa época, uma nova cartografia que deve incluir, precisamente, as novidades que nos proporcionam tanto a tecnologia como as modificações do planeta produzidas pelo aquecimento global. As primeiras levantam, por exemplo, a nova cartografia das jazidas de gás e petróleo que vão revolucionar a economia da energia. As segundas, tanto os litorais em perigo como os resultados da fusão nas calotas polares, de consequências ambivalentes para a economia humana: catástrofes de um lado e novos recursos do outro.

Basta nos concentrarmos, por enquanto, nos efeitos da cartografia do subsolo terrestre e marinho que abriga novas jazidas para concluir muito rapidamente sobre a utilidade da geopolítica para entender os tempos que nos esperam. Aos avanços na extração em fundos marinhos em grande profundidade se acrescentaram os enormes progressos em detecção de jazidas, em extração horizontal e no chamado fracking, que consiste em extrair gás ou petróleo de xistos betuminosos nas profundezas do subsolo.

Os EUA vão garantir seu abastecimento de petróleo para os próximos cem anos, e em 2020 terão total autonomia energética, além de exportar gás liquefeito para o resto do mundo e principalmente para a Europa. Há probabilidade de que a Polônia também se transforme em um gigante do gás, liberta da dependência energética da Rússia. Esta última, assim como os países árabes produtores de gás e petróleo, terá de se adaptar à nova situação. Lembremos que o conflito entre a Repsol e Cristina Kirchner tem sua origem na exploração da jazida de Vaca Muerta, um enorme bolsão de argila betuminosa.

As técnicas extrativas, que consistem em injetar um coquetel de água e substâncias químicas em alta pressão, provocam muitas reservas por causa de seus efeitos poluentes nas águas subterrâneas e inclusive para a saúde das populações afetadas. Mas ao mesmo tempo essas jazidas podem ser uma bênção econômica, como se espera que aconteça com Barack Obama em seu segundo mandato, com um boom imediato do gás e do petróleo de pedra. Será preciso optar.

O mapa do século XXI está mudando graças à energia oculta e inesgotável que há sob a superfície da terra. E novas e inesperadas relações de poder nos esperam sob os novos atlas ainda desconhecidos.

7 de jan. de 2013

atitudes face à crise atual


Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, descreve cinco atitudes face à crise que "urge uma decisão e encontrar uma saída libertadora".

Segundo ele, "o que mais se exige hoje são políticos, líderes, grupos, pessoas que se sintam responsáveis e forcem a passagem do velho ao novo tempo".

Eis o artigo, reproduzido aqui via IHU.


Ninguém face à crise pode ficar indiferente. Urge uma decisão e encontrar uma saída libertadora. É aqui que se encontram várias atitudes para ver qual delas é a mais adequada a fim de evitarmos enganos.

A primeira é a dos catastrofistas: a fuga para o fundo: estes enfatizam o lado de caos que toda crise encerra. Veem a crise como catástrofe, decomposição e fim da ordem vigente. Para eles a crise é algo anormal que devemos evitar a todo custo. Só aceitam certosajustes e mudanças dentro da mesma estrutura. Mas o fazem com tantos senões que desfibram qualquer irrupção inovadora.

Contra estes catastrofistas já dizia o bom Papa João XXIII referindo-se à Igreja mas que vale para qualquer campo: “A vida concreta não é uma coleção de antigui­dades. Não se trata de visitar um museu ou uma academia do passado. Vive-se para progredir, embora tirando proveito das experiências do passado, mas para ir sempre mais longe."

A crise generalizada não precisa ser uma queda para o abismo. Vale o que escreveu um suíço que muito ama o Brasil, o filósofo e pedagogo Pierre Furter: “Caracterizar a crise como sinal de um colapso universal, é uma maneira sutil e pérfida dos poderosos e dos privilegiados de impedirem, a priori, as mudanças, desvalorizando-as de antemão”.

A segunda atitude é a dos conservadores: a fuga para trás. Estes se orientam pelo passado, olhando pelo retrovisor. Ao invés de explorar as forças positivas contidas crise atual, fogem para o passado e buscam nas velhas fórmulas soluções para os problemas novos. Por isso são arcaizantes e ineficazes.

Grande parte das instituições políticas e dos organismos econômicos mundiais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC, os G-20 mas também a maioria das Igrejas e das religiões procuram dar solução aos graves problemas mundiais com as mesmas concepções. Favorecem a inércia e freiam soluções inovadores.

Deixando as coisas como estão fatalmente nos levarão ao fracasso senão a uma crise ecológica e humanitária inimaginável. Como as fórmulas passadas esgotaram sua força de convencimento e de inovação, acabam transformando a crise numa tragédia.

A terceira atitude é a dos utopistas: fuga para frente. Estes pensam resolver a situação-de-crise fugindo para o futuro Eles se situam dentro do mesmo horizonte que os conservadores apenas numa direção contrária. Por isso, podem facilmente fazer acordos entre si.

Geralmente são voluntaristas e se esquecem que na história só se fazem as revoluções que se fazem. O último slogan não é um pensamento novo. Os críticos mais audazes podem ser também os mais estéreis. Não raro, a audácia contestatória não passa de evasão do confronto duro com a realidade.

Circulam atualmente utopias futuristas de todo tipo, muitas de caráter esotérico como as que falam de alinhamento de energias cósmicas que estão afetando nossas mentes. Outros projetam utopias fundadas no sonho de que a biotecnologia e a nanotecnologia poderão resolver todos os problemas e tornar imortal a vida humana.

Uma quarta atitude é a dos escapistas: fogem para dentro. Estes dão-se conta do obscurecimento do horizonte e do conjunto das convicções funda­mentais. Mas fazem ouvidos moucos ao alarme ecológico e aos gritos dos oprimidos. Evitam o confronto, preferem não saber, não ouvir, não ler e não se questionar. As pessoas já não querem conviver. Preferem a solidão do indivíduo mas geralmente plugado na internet e nas redes sociais.

Por fim há uma quinta atitude: a dos responsáveis: enfrentam o aqui e agora. São aqueles que elaboram uma resposta; por isso os chamo de responsáveis. Não temem, nem fogem, nem se omitem, mas assumem o risco de abrir caminhos. Buscam fortalecer as forças positivas contidas na crise e formulam respostas aos problemas. Não rejeitam o passado por ser passado. Aprendem dele com um repositório das grandes expe­riências que não devem ser desperdiçadas sem se eximir de fazer as suas próprias experiências.

Os responsáveis se definem por um a favor e não simplesmente por um contra. Também não se perdem em polêmicas estéreis. Mas trabalham e se engajam pro­fundamente na realização de um modelo que corresponda às necessidades do tempo, aberto à crítica e à autocrítica, dispostos sempre a aprender.

O que mais se exige hoje são políticos, líderes, grupos, pessoas que se sintam responsáveis e forcem a passagem do velho ao novo tempo.
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