13 de mai. de 2013

o privilégio de ver um pouco do melhor que se faz neste país

o que se esconde atrás do caso Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos


"Nestes meses de março e abril de 2013 temos lido, ouvido e assistido a um episódio sem precedentes no Congresso Nacional, que coloca em evidência a relação religião-política-mídia. Em 5 de março foi anunciada pelo Partido Socialista Cristão (PSC), a indicação do membro de sua bancada o pastor evangélico deputado federal Marco Feliciano (SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal (CDH). Foram imediatas as reações de grupos pela causa dos Direitos Humanos ao nome de Marco Feliciano, com a alegação de que o deputado era conhecido em espaços midiáticos por declarações discriminatórias em relação a pessoas negras e a homossexuais. O PSC se defendeu dizendo que seguiu um protocolo que lhe deu o direito de indicar a presidência dessa comissão, um processo que estava dentro dos trâmites da democracia tal como estabelecida no Parlamento brasileiro. Isto, certamente, é fonte de reflexões, em especial quanto ao porquê da defesa dos Direitos Humanos ser colocada pelos grandes partidos como 'moeda de troca barata', como bem expôs Renato Janine Ribeiro em artigo publicado no Observatório da Imprensa (n. 740, 2/4/2013). Soma-se a isto o fato de o deputado indicado e o seu partido não apresentarem qualquer histórico de envolvimento com a causa dos Direitos Humanos que os qualificassem para o posto.

O que tem chamado a atenção neste caso, e que é objeto desta reflexão, é a 'bola de neve' que ele provocou a partir das reações ao nome do deputado, formada por protestos públicos da parte de diversos segmentos da sociedade civil, mais a criação de uma frente parlamentar de oposição à eleição de Feliciano, e pelo estabelecimento de uma guerra religiosa entre evangélicos e ativistas do movimento de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), e entre evangélicos e não-cristãos. E esta bola de neve é produto de fatores que se apresentam para além da CDH, e a expõem como um elemento a mais no complexo quadro da relação entre religião e sociedade no Brasil. Pensemos um pouco sobre estes fatores."

Magali do Nascimento Cunha desvenda, numa análise minuciosa, o jogo político que se esconde atrás da discussão da permanência ou não do Pastor Marco Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Federal. Este texto ajudará a muitos a entender as causas ocultas da resistência dele e os objetivos políticos presumivelmente almejados pela bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Leia a análise completa aqui. Ou salve para ler depois. Vale a pena.

12 de mai. de 2013

para a sociedade entender nossa ocupação #BeloMonte


Nós ocupamos por 8 dias o principal canteiro de obras da usina hidrelétrica Belo Monte. Queremos a consulta prévia e a suspensão de obras e estudos das barragens nos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires, sobre as quais não fomos consultados.

Nós fomos retirados ontem do canteiro por uma decisão judicial.

Durante a ocupação, vocês barraram pessoas, censuraram jornalistas, impediram advogados, não deixaram entrar carvão para cozinhar nossa comida. Carros com agentes de saúde fora bloqueados, tiveram que entrar a pé. Vocês não nos deixaram montar nosso rádio para falarmos com nossos parentes, e nossas famílias ficaram preocupadas.

Vocês nos sitiaram com a Polícia Militar, Rotam, Tropa de Choque, Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Civil, Exército e Polícia Rodoviária Federal o tempo todo. Gerentes e chefes da Norte Energia e Consórcio Construtor Belo Monte nos assediavam, intimidavam e pressionavam.

Vocês tentaram nos sufocaram com mentiras na imprensa, com telefonemas pressionando e intimidando parceiros e jornalistas. Como sempre, vocês pressionaram e manipularam parentes nossos, tentando nos colocar um contra os outros.

Nós sentimos medo do que poderia acontecer, já que a delegada-chefe da Polícia Federal (responsável pelo relatório no qual foi baseada a decisão horrível da desembargadora Selene Almeida) é esposa do advogado da Norte Energia, autor da ação que queria nos retirar de lá.

Nós fomos retirados à força do canteiro. Uma força maior ainda que a das armas do seu exército. A reintegração não foi suspensa. A Justiça deu 24 horas para sairmos do canteiro, e só soubemos disso quando chegamos em Altamira, escoltados pela Polícia Federal.

Nossa saída foi pacífica porque nós decidimos que ela fosse pacífica. Ficou claro que o governo faria o que fosse necessário fazer com a gente para nós sairmos. Saímos porque fomos obrigados. Nós esperamos uma semana a chegada do governo, e nada. Entendemos, então, que ele não iria vir de qualquer jeito – mas ia continuar mandando policiais. Nós víamos os policiais cantando pneu coçando suas armas e bombas e escudos na nossa frente. Sabemos o que isso significa.

Nós saímos insatisfeitos.

Vocês tentaram forçar nossa pauta como sendo apenas sobre uma hidrelétrica no rio Tapajós.

Nossa luta se refere a uma dúzia de barragens nos três rios, e ela não acabou porque fomos retirados do canteiro.

Nossa luta está recomeçando, e isso é uma vitória. Uma vitória que é só nossa – não é da Justiça e nem do governo. O governo não sabe governar indígenas. As coisas estão ruins no Brasil. Nós vamos mudar isso.

Altamira, 10 de maio de 2013

E mais:

"É descabida a manipulação dos fatos que leva setores reacionários da sociedade e influentes no Governo Federal a deslocar o problema fundiário no Brasil para a questão da demarcação de Terras Indígenas", denuncia nota da Associação Nacional dos Funcionários da Funai, 10-05-2013. A entidade repudia "a pretensão inconstitucional da Ministra-Chefe da Casa Civil Gleisi Hoffman de suspender os processos de identificação e delimitação de Terras Indígenas no estado do Paraná, entendendo que a ministra atuou em causa própria, tendo em vista sua intenção de candidatura ao governo do estado do Paraná, utilizando as demarcações de Terras Indígenas como palanque eleitoral". [Aqui]

"É recorrente o fato de que latifundiários do Brasil, parlamentares ou não, inventam teses falaciosas, descaradamente mentirosas, as usam de forma exaustiva, de forma teatralmente apaixonada a ponto de torná-las críveis a incautos cidadãos e ou a carreiristas políticos. Foi assim por ocasião da aprovação do novo Código Florestal. Insensíveis à opinião de mais de 90% da população brasileira, fizeram valer o poder da sua “democracia”. O objetivo ruralista do momento é a inviabilização do reconhecimento e demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas no Brasil." [Aqui]

a maioridade penal e uma experiência fascinante de prisão no Brasil


"Voltou à tona uma discussão – casuística e rasa – sobre a maioridade (ou menor idade) penal. Com 18 anos uma pessoa está perdida o suficiente para ingressar no sistema penitenciário brasileiro? As casas de menores são instituições que não recuperam nem geram outras oportunidades para jovens infratores. Fato. Mas, os criminosos e assassinos menores de idade são minorias e casos à parte – tratar o todo pela exceção não resolve, só piora o problema. Falar, portanto, de redução da maioridade penal sem discutir recuperação penitenciária, ou as causas que levam às praticas do menor infrator, ou medidas como aumento das penalidades para quem usa menores como cúmplices é um debate viciado e oportunista. Ainda mais quando se explora meia dúzia de casos expostos pela mídia."

- Luís Fernando Vitagliano, em artigo na íntegra aqui


Agora, depois da capa cáustica da última edição da Veja, eu queria saber quando a história das APACs vai parar na grande mídia. O quê? Você nunca ouviu falar em APAC?

"Reeducandos? Centro de Reintegração? Neste caso não se trata de mero jogo de palavras, um recurso de marketing. Mais de vinte anos de experiência confirmam que, por trás dos rótulos politicamente corretos, opera um paradigma humanista de diferenciais marcantes e bem-sucedidos no trato da ferida social da criminalidade. Aceitar, defender e cuidar da dignidade da vida é o fermento da receita.

A crença básica da APAC é o que falta ao falido sistema penitenciário oficial, espécie de geena dos tempos bíblicos para onde a sociedade tem enviado os seus novos “leprosos”, na ilusão de que a segregação pura e simples é vacina contra o mal.

Não é culpa da lei que, aperfeiçoada, aponta princípios e meios que garantem à pena as suas funções ressocializadoras do indivíduo e retributiva da sociedade lesada. É fruto do desvio da melhor prática do direito e mesmo dos rudimentos da justiça, sob a ação de uma cadeia corruptora que permeia todos os segmentos do sistema prisional e vai além, muito além, de seus limites.

Para que essa roda de iniquidade continue a girar, é imperioso que se mantenha um ambiente de caos permanente e a total descrença na reeducação do homem.

Afinal, para justificar a queima do dinheiro do contribuinte em projetos faraônicos e inúteis nada melhor que estimular o medo diante de ameaças reais ou imaginárias."

- Jomar Morais, em um fascinante artigo na íntegra aqui

vossos filhos não são vossos filhos


Não é nada, não é nada, chegou maio, chegou Dia das Mães (alô, mamãe!) e, em meio à avalanche de "quem acha que mãe devia ser eterna, compartilha!" no Facebook, aproveito pra dar também minha colaboração.

"Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós.

E, embora vivam convosco, não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos. Porque eles têm seus próprios pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho. Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas. O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem rápidas e para longe. Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria: pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável."

De "O Profeta" - Gibran Khalil Gibran

11 de mai. de 2013

não entendo lhufas de matemática avançada


enquanto isso, no Equador


Enquanto isso, no Equador, um pastor foi multado em 3 mil dólares e banido da política por um ano por ter dito, em sua campanha à presidência do país, que a homossexualidade é "imoral". Veja aqui.

Igualzinho àqui.

Porque a legislação eleitoral do Equador proíbe candidatos de expressar publicamente qualquer ideia que discrimine ou afete a dignidade de outras pessoas ou faça uso de símbolos, expressões ou alusões de natureza religiosa. Igualzinho... deixa pra lá.

não vale a pena esperar que 1993 volte outra vez


Nada melhor pra retomar o blog do que esta palestra de Neil Gaiman sobre "o futuro dos livros e da indústria cultural em geral", como disse o Inagaki aqui (com o perdão do quase-eco), onde você encontra a transcrição e a tradução completas, com o devido crédito da valente alma que encarou esse rojão e meia dúzia de historietas e causos deliciosos. Só .

Por aqui, só uma palhinha:

Tubarões já existiam na época dos dinossauros. E que alguns até mesmo antecederam os dinossauros. Mas os tubarões ainda estão por aí, porque nunca, jamais surgiu algo tão bom em ser um tubarão quanto eles próprios. Por isso eles permanecem.” E continuou: “Livros são muito bons como livros. Funcionam até com energia solar, é genial! Eles não estragam se caem na banheira. Podem inchar, mas permanecem legíveis. E são incrivelmente portáteis!" (...) 
A certeza veio quando estive em Manila, pouco depois do lançamento comercial do Kindle, e comecei a conversar com o pessoal de uma livraria que me disse que, se dependesse deles, parariam de vender livros impressos. Porque lá nas Filipinas todos compravam livros se baseando pelos preços, e os livros digitais seriam muito mais baratos. Percebi aí que o futuro seria mais estranho e diferente do que qualquer coisa que eu tivesse imaginado. (...) 
Quando as pessoas me perguntam, ao longo dos anos, sobre acabar com a pirataria, sobre impedir que elas leiam coisas e baixem coisas de graça, costumo pedir, nessas salas lotadas, para que as pessoas que tenham um autor favorito levantem a mão. Muitas mãos se erguem, e então eu pergunto: “Ok, quem descobriu seu escritor predileto…” – e vocês sabem, um autor favorito é o tipo de pessoa que quando escreve e lança algo novo você vai lá e compra, porque você precisa ter aquele livro ou qualquer outra coisa que ele faça – e as mãos permaneciam no alto – “… indo a uma livraria e comprando um livro?”. Algumas poucas mãos continuaram levantadas. (...) Não encontramos as pessoas que amamos comprando-as. Primeiro nós as encontramos e só depois é que descobrimos que as amamos. Por isso decidi desde cedo que não iria entrar em uma guerra. Prefiro incentivar, apostar no boca a boca. (...) 
De repente, o mundo mudou. Agora a questão é: tudo está lá fora, como encontrar as coisas boas, como nos fazer ouvir num mundo de excesso de informações? Passamos dos problemas de escassez a problemas tão reais quanto, mas agora de abundância. O segredo agora é encontrar o sinal em meio ao ruído, é conseguir ser ouvido. Um mundo no qual qualquer um pode publicar qualquer coisa, de excesso de informações, é um mundo no qual já não confiamos em guardiões de portas tanto quanto no passado, acreditando mais em guias e recomendações que nos apontem o que é bom. Nós confiamos no boca a boca, e na sorte, e em nos transformarmos em dentes-de-leão: (...) as sementes partem, flutuam e somente algumas delas pousam em lugares nas quais podem crescer. (...) 
Se prendermos nossas respirações e fecharmos nossos olhos, vigiando nossos portões com armas maiores e mais potentes, então o tempo voltaria para trás, e o ontem voltaria a acontecer, e todos nós conhecemos as regras do passado. Os passos para publicação eram simples: autores, agentes, livros, almoços incrivelmente demorados… Aquilo era o mercado editorial. Não mais. 
Nos dias atuais, os portões vigiados estão em lugares onde há cada vez menos muros reais. Na música, os muros já caíram há tempos, junto com a venda de objetos físicos. As gravações caseiras não mataram a música. Ela está por aí, passando muito bem, sendo feita cada vez mais. O pulo do gato é descobrir como encontrar as coisas boas. Ou, para as pessoas que criam músicas, descobrir uma maneira de monetizar o que estão fazendo. As coisas mudam. (...) 
Podemos imaginar um mundo no qual um autor não ganhe dinheiro vendendo livros, mas sendo remunerado por leituras. Um mundo em que você compra um exemplar impresso e automaticamente ganha também suas versões para e-book e audiobook. A verdade é que qualquer coisa que inventarmos provavelmente estará certa. Esta é a hora dos dentes-de-leão. Abrace o novo do mesmo modo que abraçamos o velho. Estamos na fronteira e não há regras aqui. Nos limites, podemos quebrar leis que nem existem ainda. Podemos entrar por portas que ainda dizem “saída” e escalar janelas. 
O modelo para amanhã é o mesmo modelo que venho usando com entusiasmo desde que comecei a blogar, em 2001, e talvez o mesmo que uso desde que comecei a acessar a internet através da Compuserve, em 1988. O modelo é: tente de tudo. Erre. Surpreenda-se. Tente outra coisa. Fracasse. Fracasse melhor. Tenha sucesso de modos que jamais teríamos imaginado há um ano, ou há uma semana. Este é o momento de sermos como dentes-de-leão, lançando milhares de sementes e perdendo 900 delas. Se uma centena, ou mesmo uma dúzia delas sobreviverem, crescerem e gerarem um novo mundo, creio que isso será bem mais sábio do que esperar que 1993 volte outra vez.

12 de fev. de 2013

bento XVI deixa um legado cheio de altos e baixos



Reportagem de John L. Allen Jr., publicada pelo National Catholic Reporter, 11-02-2013. Tradução é de Moisés Sbardelotto, reproduzida aqui via IHU:

João Paulo II costumava ser conhecido como o papa das surpresas, sempre fazendo coisas que os pontífices romanos simplesmente não haviam feito antes. Com a eleição de Bento XVI, muitos acreditavam que a era das novidades papais havia chegado ao fim, já que Bento XVI sempre foi um homem de tradição, e as principais linhas do seu papado eram bastante previsíveis a partir das preocupações teológicas e culturais que ele havia manifestado ao longo de um longa vida pública.

No fim, no entanto, Bento XVI mostrou-se capaz de surpreender a todos, tornando-se o primeiro papa a renunciar voluntariamente ao seu ofício em séculos e o primeiro a fazer isso na era moderna saturada de mídia. Reconhecendo o que ele chamou de "incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado", Bento XVI anunciou que irá deixar o cargo efetivamente às 20h de Roma no dia 28 de fevereiro.

Imediatamente, a decisão de Bento XVI ganhou tanto amplos elogios como um ato responsável e humilde, quanto levantou uma montanha de perguntas. A principal delas: qual será exatamente o papel de um papa aposentado? E, naturalmente, muitos já começaram a especular quem irá captar o apoio de dois terços do Colégio dos Cardeais necessários para assumir o cargo mais alto da Igreja.

A decisão de Bento XVI também significa que o debate sobre o seu legado está oficialmente aberto agora e, assim como para todas as coisas, ele provavelmente irá esboçar vereditos muito diferentes dependendo de quem realizar a avaliação.

Considerado entre os teólogos católicos mais talentosos da sua geração, Bento XVI foi o que os historiadores da Igreja chamam de "papa ensinante", em oposição a um administrador. Sua paixão foi investida em seus documentos de ensino, seus discursos em viagens ao exterior, sua catequese regular no Vaticano e nos três livros sobre a vida de Cristo que ele publicou. Esse ensinamento muitas vezes chama a atenção das pessoas como profundas e surpreendentemente livres de margens ideológicas.

Mesmo alguns dos mais ferozes críticos do papa em outras frentes expressaram admiração.

Quando Bento XVI publicou a sua encíclica Deus Caritas Est, em 2005, sobre o amor humano, os aplausos também vieram do teólogo suíço Hans Küng, um antigo colega de Joseph Ratzinger e uma voz de liderança da dissidência católica liberal.

"O Papa Ratzinger, com o seu inimitável estilo teológico, aborda uma riqueza de temas do eros e do ágape, do amor e da caridade", disse Küng. Ele chamou a encíclica de "um bom sinal" e expressou a esperança de que fosse "recebida calorosamente, com respeito".

Muitos observadores acreditam que quatro discursos fundamentais proferidos por Bento XVI – em Regensburg, na Alemanha, em 2006; no Collège des Bernardins, em Paris, em 2008; no Westminster Hall, em Londres, em 2010; e no Bundestag, na Alemanha, em 2011 – serão lembrados como obras-primas que lançaram as bases para uma simbiose entre fé, razão e modernidade.

Se Bento XVI nunca foi o "queridinho da mídia" como o seu antecessor, mesmo assim ele se saiu admiravelmente bem na cena pública. Suas viagens atraíram multidões entusiasmadas, e a participação em suas audiências públicas, na realidade, ultrapassaram os números de João Paulo II. Ele ainda desenvolveu um toque popular, lançando a sua própria conta no Twitter e inspirando um livro infantil supostamente escrito por seu gato, Chico [Joseph and Chico: The Life of Pope Benedict XVI as Told by a Cat, de Jeanne Perego].

No entanto, para cada triunfo, o pontífice cerebral também correu precipitadamente rumo à crise.

Logo no início, o discurso de Bento XVI em Regensburg provocou o protesto islâmico por causa de sua citação de um imperador bizantino que ligava Maomé à violência. Igrejas foram bombardeadas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, enquanto uma irmã religiosa italiana foi morta a tiros na Somália. No aniversário de um ano do discurso, um padre missionário foi morto na Turquia.

Era um prenúncio do que estava por vir. Em 2011, os jornalistas italianos Andrea Tornielli e Paolo Rodari publicaram um livro de 300 páginas que documentava as crises mais notórias durante os anos de Bento XVI, incluindo:

• Os grandes escândalos de abuso sexual, que explodiram nos Estados Unidos em 2002 e depois varreram a Europa em 2010. Essa segunda onda trouxe um exame crítico do histórico pessoal de Bento XVI, incluindo um caso quando ele era arcebispo de Munique no fim dos anos 1970, em que um padre pedófilo escapou pela tangente sob a supervisão vaticana enquanto a instituição se arrastava para tomar uma atitude. Como papa, havia uma crítica persistente de que as desculpas de Bento XVI e os encontros com as vítimas não eram acompanhados pela ação, incluindo a responsabilização de bispos errantes.

• A decisão de Bento XVI em 2007 de tirar o pó da missa em latim, incluindo uma controversa oração da Sexta-Feira Santa pela conversão dos judeus. No fim, o Vaticano reviu a oração para satisfazer as preocupações judaicas, levantando a questão de por que alguém não pensou em fazer isso antes de a tempestade explodir.

• A revogação da excomunhão de quatro bispos tradicionalistas em 2009, incluindo um que negava que os nazistas haviam usado câmaras de gás e que afirmava que as provas históricas são "extremamente contra" o fato de Adolf Hitler ser o responsável pela morte de 6 milhões de judeus. O caso trouxe consigo uma angustiada carta pessoal de Bento XVI para os bispos do mundo, pedindo desculpas pela forma como foi tratado.

• Os comentários feitos por Bento XVI a bordo do avião papal para a África em 2009, no sentido de que os preservativos pioram a Aids. Dentre outras coisas, essas palavras trouxeram consigo uma primeira censura de um papa por parte do parlamento de um país europeu (Bélgica), enquanto o governo espanhol transportou um milhão de preservativos para África em protesto.

O fato de essa ser uma lista longe de estar completa é uma medida de como as coisas às vezes eram ruins.

Os autores também poderiam ter incluído a viagem de Bento XVI em 2007 para o Brasil, onde ele pareceu sugerir que os índios deviam ser gratos aos colonizadores europeus; a reação a um decreto de 2009 de aproximar da santidade o controverso Papa Pio XII, da época da Grande Guerra; e o surreal "caso Boffo", de 2010, com acusações de que altos assessores papais haviam fabricado documentos policiais falsos para difamar um jornalista católico italiano, incluindo a alegação de que ele havia assediado a namorada de um homem com quem ele ele queria continuar um caso gay.

Esse padrão atingiu um crescendo com o notório caso "Vatileaks" em 2012, envolvendo uma onda de documentos secretos do Vaticano que apareceram nos meios de comunicação italianos, em que os mais sérios apresentavam alegações de corrupção financeira e nepotismo. Uma investigação acabou com a prisão, o julgamento, a condenação e o perdão de Paolo Gabriele, um leigo italiano casado que atuava como mordomo de Bento XVI desde 2006, por ter sido a "toupeira" dos vazamentos.

Para muitos observadores, o caso capturou o Vaticano em sua postura menos edificante e fomentadora de combate, encobrimentos e desordem.

Na verdade, o histórico de Bento XVI como um administrador também incluiu alguns avanços. Em grande parte, ele nomeou pessoas de integridade pessoal para cargos de chefia; ele submeteu a Igreja a várias reformas em torno do abuso sexual; e lançou uma espécie de glasnost financeira, incluindo a abertura do Vaticano pela primeira vez à inspeção externa das suas políticas antilavagem de dinheiro. A narrativa geral de disfunção, no entanto, tornou essas histórias difíceis de contar.

Bento XVI evitou amplamente a geopolítica, raramente posicionando-se na linha de frente da história, como João Paulo II. Seu foco estava mais na vida interna da Igreja, chamando-a a um senso mais forte de identidade católica tradicional diante de uma era altamente secular. Nesse sentido, Bento XVI consolidou a direção "evangélica" mais conservadora definida por João Paulo II.

Bento XVI repetidamente denunciou o casamento homossexual, o feminismo radical e uma "ideologia do gênero", provocando a reação de grupos de mulheres, de liberais seculares e da ala mais progressista do seu próprio rebanho. Ele levou a prática litúrgica, uma paixão especial, para um sentido mais tradicional. Ao mesmo tempo, alguns aspectos do seu ensino também irritaram a direita, incluindo a sua crítica ao capitalismo e uma forte ênfase ambiental, razão pela qual foi apelidado de "papa verde".

O pontífice também trabalhou o músculo disciplinar. Uma repressão de grande porte foi lançada contra a Leadership Conference for Women Religious, o principal grupo de lideranças das ordens femininas dos Estados Unidos; teólogos liberais foram censurados, incluindo vários padres irlandeses de alto perfil e a Ir. Margaret Farley, das Irmãs da Misericórdia, nos Estados Unidos; e o padre norte-americano Roy Bourgeois foi excomungado devido ao seu apoio à ordenação de mulheres.

No fim, o primeiro rascunho da história talvez se resuma a isto: Bento XVI era um magnífico intelectual público, uma mistura complexa como administrador, um introvertido como estadista, e um líder da Igreja cuja "política de identidade" animou alguns e horrorizou outros.

Independentemente de qualquer outra coisa que se possa dizer, ninguém contesta que Bento XVI era um afiado crítico cultural. Ele fez perguntas perspicazes tanto para a Igreja quanto para o mundo, e ofereceu suas próprias respostas provocadoras, provando assim que o catolicismo institucional ainda tem algum gás intelectual de sobra no tanque. Nesse sentido, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, pode ter oferecido o melhor epitáfio durante a despedida ao pontífice no aeroporto de Birmingham, no dia 20 de setembro de 2010, após uma viagem de quatro dias na Escócia e na Inglaterra.

"Santo Padre", disse ele, "você nos fez sentar e pensar".

10 de fev. de 2013

o ano dos gays

"Melhor um casamento gay (alegre)
do que um casamento triste"

De Helena Celestino para o Globo de hoje:

Dos cardeais do Vaticano a escoteiros e bandeirantes, todos estão sendo obrigados a rever conceitos e, quem sabe, desfazer preconceitos. Em cada cabeça, uma sentença; em cada país, uma polêmica. No Reino Unido, uma parte do movimento gay não entende por que tanto barulho por tão pouco. Concordam que a aprovação no Parlamento do direito de os gays se casarem foi uma vitória da turma do bem; vai favorecer os casais homos, seus filhos e a sociedade de uma maneira geral. É mais uma etapa em direção à igualdade de direitos num país em que criminalização do sexo entre iguais — lei que mandou o escritor Oscar Wilde para a cadeia — só terminou nos anos 60. Mas a pergunta que não quer calar é por que o Estado tem de se meter num assunto tão privado como o amor entre duas pessoas, sejam elas hétero ou homo? Os ocidentais criticam a intromissão da lei islâmica na vida privada de mulheres e homens, mas repetem o procedimento ao legislar sobre o comportamento sexual: “Quase todas as questões envolvidas num casamento podem ser resolvidas consensualmente entre dois adultos — divisão de propriedades, obrigações e direitos de família — não precisa do Estado para ser regulamentado”, diz o ativista Sam Bowman, num texto no “Guardian”.

Na França, bem ao estilo local, o filósofo Alain Finkeilkraut, chamou de desrespeito aos gênios malditos — Rimbaud, Walt Whitman e Verlaine — a institucionalização da homossexualidade através do casamento, uma instituição burguesa. A frase — que não leva em conta o contexto histórico — foi encarada só como uma provocação, mas a discussão do casamento gay virou uma batalha filosófica sobre os diferentes conceitos de família. A direita se opõe ao projeto sob o velho argumento de que se trata de uma lei para destruir a família tradicional, aquela construída “naturalmente” por pai, mãe e filhos — vamos combinar que ela há muito recorre a procedimentos médicos para a procriação e convive com inúmeros arranjos para sobreviver. Os socialistas, patrocinadores do projeto casamento para todos, defendem a tese de que a cultura nos define tanto quanto a biologia, portanto, faz parte da vocação da humanidade se libertar das normas da natureza.

No popular, ou seja, na briga política do Congresso, os partidos de direita levaram a barriga de aluguel para o plenário, com a intenção clara de aumentar a polêmica em torno da legalização do casamento gay. A inseminação artificial numa barriga paga não é permitida na França nem está no texto do “casamento para todos”, mas virou o centro da polêmica que divide o país. Sabe-se que existe um turismo de casais gays com Kiev como destino, com a intenção de achar uma mulher para engravidar e doar o filho. Lá, na chamada capital da barriga de aluguel, por € 15 mil , há mulheres dispostas a serem inseminadas e, nove meses depois, entregarem os filhos ao casal dono dos óvulos ou do esperma.

Na França como nos EUA, existe o temor de que mulheres pobres sejam exploradas por casais impossibilitados de engravidar, mas o recurso a práticas médicas para ter filho não entra no debate do casamento gay entre os americanos. O conceito de liberdade de escolha individual impede que o Estado interfira na vida privada. Os seguros de saúde privados cobrem tratamento para engravidar de mulheres solteiras e de casais de lésbicas.

A rápida mudança da opinião pública sobre o casamento gay aconteceu tanto nos EUA quanto no Reino Unido e na França, com a maioria da população nos três países aprovando a medida, sem impedir — claro — a explosão de grandes polêmicas nas mesas de bar, no congresso ou na mídia. Para a maioria, o casamento gay entrou na lista dos direitos fundamentais para as sociedades que defendem liberdade e justiça para todos. Mas toda a polêmica vale a pena se a alma não é pequena, já dizia alguém.

Na cartesianíssima França, o Parlamento discutiu doze horas se trocava as palavras pai e mãe por pais, aumentando a polêmica criada em torno do projeto de legalização do casamento entre homens e entre mulheres. No Reino Unido, o premier do Partido Conservador, David Cameron, defendeu a formalização da união homossexual como forma de fortalecer o casamento, a instituição fundadora da família tradicional. Mais prosaicamente, nos EUA, é em nome da igualdade tributária e da autonomia dos estados que a Suprema Corte pode reconhecer a legalidade do casamento entre homossexuais em março. Os argumentos não podem ser mais diferentes, mas provavelmente 2013 ficará na lembrança como o ano dos gays.

a imprensa brasileira não é democrática


De Emir Sader, em seu blog no site da Carta Capital, ontem:

A imprensa tradicional brasileira, a velha mídia, não é democrática, de qualquer ponto de vista que seja analisada.

Antes de tudo, porque não é pluralista. Do editorial à ultima página, a visão dos donos da publicação permeia tudo, tudo é editorializado. Não podem assim ter espaço para várias interpretações da realidade, deformada esta, pela própria interpretação dominante na publicação, do começo ao fim.

Não é democrática porque não contem espaços para distintos pontos de vista nas páginas de debate, com pequenas exceções, que servem para confirmar a regra.

Não é democrática, porque expressa o ponto de vista da minoria do país, que tem sido sistematicamente derrotada, desde 2002 e provavelmente seguirá sendo derrotada. Não expressa a nova maioria de opinião política que elegeu e reelegeu Lula, elegeu e provavelmente reelegerá a Dilma. A imprensa brasileira expressa a opinião e os interesses da minoria do país.

Não é democrática, porque não se ancora em empresas públicas, mas em empresas privadas, que vivem do lucro. Assim, busca retorno econômico, o que faz com que dependa, essencialmente, não dos eventuais leitores, ouvintes ou telespectadores, mas das agências de publicidade e das grandes empresas que ocupam os enormes espaços publicitários.

São empresas que buscam rentabilidade para sobreviver. Que não se interessam por ter mais público, mas público “qualificado”, isto é, o de maior poder aquisitivo, para mostrar às agências de publicidade que devem anunciar aí. São financiadas assim pelas grandes empresas privadas, com quem tem o rabo preso, contra cujos interesses não vão atuar, o que seria dar um tiro no próprio pé.

Não bastasse tudo isso, as grandes empresas da mídia privada são empresas de propriedade familiar. Marinho, Civita, Frias, Mesquita – são não apenas os proprietários, mas seus familiares ocupam os postos decisivos dentro de cada empresa. Não há nenhuma forma de democracia no funcionamento da imprensa privada, são oligarquias, que escolhem entre seus membros os seus sucessores. Nem sequer pro forma há formas de rotatividade. Os membros das famílias ficam dirigindo a empresa até aposentar-se ou morrer e designam o filho para sucedê-los.

Tampouco há democracia, nem sequer formal, nas redações dessas empresas. Não são os jornalistas que escolhem os editores. São estes, nomeados – e eventualmente demitidos – pelos donos da empresa, os que decidem as pautas, que tem que ser realizadas pelos jornalistas, com as orientações editorializadas da direção.

Uma mídia que quer classificar quem – partidos, governos, etc. – é democrático, é autoritária, ditatorial, no seu funcionamento, tanto na eleição dos seus dirigentes, quanto na dinâmica das suas redações.

Como resultado, não é estranho que essa mídia tenha estado ferreamente contra os mais populares e os mais importantes dirigentes políticos do Brasil – Getúlio e Lula. Não por acaso estiveram contra a Revolução de 30 e a favor do movimento contrarrevolucionário de 1932 e o golpe de 1964, que instalou a mais a sangrenta ditadura da nossa história.

Coerentemente, apoiaram os governo de Fernando Collor e de FHC e se erigiram em direção da oposição aos governos do Lula e da Dilma.

Em suma, a velha imprensa brasileira não é democrática, é um resquício sobrevivente do passado oligárquico do Brasil, que começa a ser superado por governos a que – obviamente – essa imprensa se opõem frontalmente.

A democratização do país começou pelas esferas econômica e social, precisa agora chegar urgentemente às esferas politicas – Congresso, Judiciário – e imprensa. País democrático não é só aquele que distribui de forma relativamente igualitária os bens que a sociedade produz, mas o que tem representações políticas eleitas pela vontade popular e não pelo poder do dinheiro. E que forma suas opiniões de forma pluralista e não oligárquica. Um país em que ninguém deixa de falar, mas em que todos falam para todos

depois da tragédia


De Walcyr Carrasco, na Revista Época desta semana (via):

Estamos em pleno Carnaval, mas a tragédia de Santa Maria ainda ecoa nos corações. Entre um ziriguidum e outro, de repente alguém lança um olhar no salão superlotado e pergunta a si mesmo:

– E se pegar fogo?

Esperei para falar do assunto. Queria avaliar a atuação dos órgãos públicos. Aconteceu o previsto: um tsunami de fiscalização inundou o país. No Rio de Janeiro, fecharam até espaços públicos. No centro de São Paulo, em pleno Carnaval, casas noturnas tradicionais não funcionam mais. E daí?

Falou-se muito sobre um choque de fiscalização. É importante, claro. Mas queria ouvir sobre uma reestruturação mais profunda. Explico: você, em São Paulo, já tentou legalizar uma obra? A reforma de uma casa? Conseguir o carimbo de “Habite-se”? Eu já.

Certa vez, comprei uma casa no Morumbi. Enviei a planta da reforma, que nem aumentava a área já existente. Durante um ano, trabalhamos munidos apenas de um protocolo, porque a autorização não saía. Mudei. Mais um ano e ainda não conseguira legalizar a casa. Recebia avisos de “Comunique-se”. A cada um, nova exigência. Quando comparecia, eu pedia somente que todas as exigências fossem feitas de uma vez, para cumpri-las. Impossível. Gastei uma fortuna em plantas, sempre refeitas. Finalmente capitulei. Contratei um sujeito especializado no processo de aprovação de plantas. O que ele fez, eu imagino. Em 15 dias, saiu o “Habite-se”.

Imagino o que passa alguém que queira legalizar uma casa noturna. Ou teatro. Em São Paulo, é impossível legalizar um carrinho de cachorro quente. Juro. Um amigo certa vez botou na cabeça que se tornaria milionário montando uma rede de hot dog. Tipo Nova York, onde há um carrinho em cada esquina. Tentou uma licença por todos os meios. Impossível. Finalmente, o encarregado na prefeitura aconselhou:

– Desista. Isso não é para um sujeito como você. Vai ter de enfrentar muita barra-pesada.

Outra tragédia pode acontecer a qualquer momento. Vamos nos chocar. Chorar. Lamentar. Mas a mudança estrutural nem foi cogitada. É mais lucrativo deixar como está, até a próxima lágrima.O futuro empresário teimou. Comprou uma van e estacionou numa esquina com seus hot dogs. Foi ameaçado de morte por vendedores que já estavam por lá. Combinados com fiscais que vigiavam a área, o expulsaram. O hot dog é ilegal, mas os fiscais não enxergam os carrinhos quando interessa. Finalmente, meu amigo desistiu. Repassou o financiamento da van a outra futura empresária. Fez contrato de gaveta porque, legalmente, não conseguiu transferir. A compradora não pagou as prestações e ainda atropelou alguém. Ele queria fazer tudo de acordo com a lei. Mas ficou com o nome sujo, dívida nas costas e ainda respondeu a processo criminal, como proprietário oficial do veículo.

Imagino o que é montar uma casa noturna! Espaços são abertos com protocolos na mão. Inclusive restaurantes elegantes. O sujeito comprou o ponto, paga aluguel, vai esperar dois anos pela vistoria? Mais fácil se haver com fiscais que topam facilitar. O negócio começa a funcionar, e os fiscais continuam fazendo vista grossa. Vale para qualquer classe. Alguém já viu policial pagar conta em bar? O dono do estabelecimento prefere oferecer. Vai que tem alguma coisa errada? Quando acontece a tragédia, vem o choque. Por que a surpresa? Todo mundo está farto de saber que há corrupção em todos os níveis dos órgãos públicos. Convivemos com isso. Os encarregados de fiscalizar em Santa Maria responderão por homicídio? Duvido. Houve só uma gritaria, devido à pressão da imprensa. Sinceramente, nem sei se a lei permite processar o sujeito que fechou os olhos. E seus superiores, responsáveis em instância maior.

Resolver seria possível. Por exemplo: se todo o processo fosse informatizado, a planta seria entregue pela internet. Se cumprisse as especificações, o interessado poderia tirar o alvará da obra em algumas horas. A imensa cadeia de carimbos existentes para a aprovação perderia o sentido. Da mesma forma, ocorreria com as outras exigências. O alvará de funcionamento, sim, dependeria de visitas dos técnicos responsáveis, que fiscalizariam o cumprimento das regras. Se conseguiram informatizar o Imposto de Renda com tanta perfeição, por que não fazem o mesmo em relação a outras áreas?

A resposta até dói de tão simples: não interessa.

Muita gente ganha com as dificuldades. A ilegalidade se tornou regra porque dá grana.

beijo do desprezo

Erasmo, via

Artigo do Senador Cristovam Buarque publicado ontem no Globo:

Não é difícil perceber como as manchetes das revistas do último fim de semana se referem à tragédia humana da boate Kiss de Santa Maria: “Quando o Brasil vai aprender?”, “A asfixia não acabou”, “Tão jovens, tão rápido e tão absurdo” e “Futuro roubado”. É também uma tragédia que pode ser associada às escolas de todo o Brasil. É como se a boate de Santa Maria fosse uma metáfora da escola brasileira.

Na primeira delas, os jovens perderam a vida por inalar um gás venenoso; na outra as crianças perdem o futuro por não inalarem o oxigênio do conhecimento. A imprevidência de proprietários, músicos e fiscais levou à morte por falta de ar; a de políticos, pais e eleitores leva a uma vida incompleta por falta de educação. A tragédia despertou para os riscos que correm nossos jovens em seus fins de semana em boates, mas ainda não despertou para o que perdem nossas crianças e jovens no dia a dia de suas escolas.

Estamos fechando boates sem sistemas de segurança, mas ainda deixamos abertas escolas sem qualidade. Os pais começaram a não deixar seus filhos irem a boates inseguras, mas levam confiantemente suas crianças a escolas que não asseguram o futuro delas. Exigimos que as boates tenham portas de emergência, mas não exigimos que as escolas sejam a porta para o futuro das crianças.

A tragédia de Santa Maria provoca a percepção imediata da fragilidade vergonhosa na segurança de boates, mas a tragédia de nossa educação, apesar de suas vítimas, não é percebida. Isto porque ela é uma tragédia à qual nos acostumamos e nos embrutece, ou porque são crianças invisíveis pela pobreza, ou ainda porque somos um povo sem gosto pela antecipação, só ouvimos o grito de fogo e vemos a fumaça depois que matam. Por isso fechamos os olhos à tragédia da educação que hoje devasta a economia, a política e o tecido social do Brasil.

O abandono de nossas escolas não mata diretamente, mas dificulta o futuro de cada criança que não estuda. Se as escolas fossem de qualidade para todos, teríamos menos violência urbana, maior produtividade, mais avanços no mundo das invenções de novas tecnologias e um país melhor.

Por isso, ao mesmo tempo em que choramos as trágicas mortes dos jovens de Santa Maria, choremos também pelo futuro das crianças que não vão receber a educação necessária para enfrentar o mundo. Choremos pelos que perderam a vida na boate ao respirar o ar venenoso, e pelos que não vão receber nas escolas o ar puro do conhecimento.

Não vamos recuperar as vidas eliminadas na boate Kiss, podemos apenas chorar e nos envergonhar. Mas podemos evitar o desperdício das vidas que estão hoje nas “Escolas Kiss”: metáfora que une boate e escola, sobretudo, quando lembramos que a boate se chamava Kiss, nome que também deveríamos dar às nossas escolas de hoje: beijo do desprezo. Desprezo pelas vidas de jovens ou pelo futuro de nossas crianças.

9 de fev. de 2013

alain de botton, epicuro e a felicidade


(Para ativar a legenda clique em CC)

"Em um mundo cercado de publicidades e discursos que associam felicidade e realização à posse e ao desejo de possuir coisas, é difícil imaginar outra forma de ser feliz. O documentário questiona esse estilo de vida a partir da filosofia de Epicuro - que há milhares de anos já identificara o mesmo comportamento no povo grego." (Via)

(Saiba mais aqui)

a ligação entre violência e desigualdade social


De Daniel Duclos, em seu blog [the dude's talk] (via):

Muita gente tem lido este post como uma idealização da Holanda como um lugar paradisíaco. Nada mais longe da verdade. A Holanda não é nenhum paraíso e tem diversos problemas, muitos dos quais eu sinto na pele diariamente. O que pretendo fazer aqui é dizer duas coisas: a origem da violência no Brasil é a desigualdade social e 2, apesar da violência que gera, muita gente gosta dessa desigualdade e fica infeliz quando ela diminui, porque dela se beneficia e não enxerga a ligação desigualdade-violência. Por fim: esse post não é sobre a Holanda. A Holanda estar aqui é casual. Esse post é sobre o Brasil, minha pátria mãe.

A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.

Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.

Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).

Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções - estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?

Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil) a um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).

Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.

O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.

Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” - não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.

Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.

PS. Ultimamente vem surgindo na sociedade holandesa um certo tipo particular de desigualdade, e esse crescimento de desigualdade tem sido acompanhado, previsivelmente, de um aumento respectivo e equivalente de violência social. A questão dos imigrantes islâmicos e seus descendentes é complexa, e ainda estou estudando sobre o assunto.

religiões africanas são principal alvo da intolerância religiosa no Brasil


De reportagam publicada ontem na Deutsche Welle (leia na íntegra aqui):

O número de denúncias referentes à intolerância religiosa no Brasil, feitas pelo Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aumentou de 15 em 2011 para 109 em 2012. Os principais alvos de discriminação são as religiões de origem africana, como candomblé e umbanda.

Entre os casos está a invasão de terreiros em Olinda, em que "evangélicos com faixas e gritando palavras de ordem realizaram protesto em frente a um terreiro de religião de matriz africana e afro-brasileira", como descreve um denunciante. Outro caso foi o uso, por uma igreja, de imagens de mães-de-santo, "chamando de feitiçaria e difundindo o ódio pelas redes sociais", afirma outra pessoa.

"O Brasil tem um histórico de negação das tradições não cristãs. Essa negação não é exatamente da religião, mas do valor de todas as tradições de matriz africana. Na verdade, para nós, é racismo", afirma Silvany Euclenio, secretária de Políticas das Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Embora existam também atritos entre algumas religiões cristãs, eles acabam não sendo tão violentos porque essas religiões têm uma origem comum e compartilham os mesmos valores. No caso das religiões de matriz africana, a intolerância recebe uma outra dimensão e resulta em violência, como no depredamento de casas, espancamento de pessoas e até mesmo assassinatos. "Recebemos denúncias de norte a sul do país, e de forma crescente", diz Euclenio.

Mercado religioso
O professor de ciências da religião Frank Usarski, da PUC-SP, afirma que a tensão mais visível é entre algumas igrejas pentecostais e as religiões afrobrasileiras, apesar de existirem também atritos entre religiões que tenham a mesma raiz.

"Isso tem muito a ver com a lógica do mercado religioso. Hoje em dia não é mais uma convivência idealista, mas uma luta de segmentos, da necessidade de conquistar uma certa parcela da população. Dessa forma, o outro é estigmatizado, desvalorizado e inferiorizado", acrescenta, dizendo que a briga entre as religiões se orienta por uma lógica capitalista.

Ele cita, como exemplo, a briga entre vertentes da religião budista no Brasil, em que houve briga jurídica para impedir a entrada de líderes religiosos no país. Além disso, um grupo reivindica um templo para si e o outro não quer devolvê-lo. "Não são só brigas simbólicas, mas também jurídicas."

Para o professor aposentado de ética e teologia Ubirajara Calmon, da Universidade de Brasília (UnB), existe intolerância religiosa no Brasil, mas nada comparável ao que acontece em outros lugares do mundo, como na Europa. "Acredito que há poucas manifestações. O Brasil nunca chegou a uma situação como, por exemplo, a luta entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte", frisa.

O governo federal lançou no final de janeiro o Comitê de Combate à Intolerância Religiosa, que terá 20 membros oriundos do governo e da sociedade civil, sendo que o edital para a escolha dos integrantes será lançado em fevereiro ou março. O comitê vai ter o objetivo de promover o direito ao livre exercício das práticas religiosas e elaborar políticas de afirmação da liberdade religiosa, do respeito à diversidade de culto e da opção de não ter religião.

Internet
O mundo virtual reflete a situação do mundo real. De 2006 a 2012, a organização não-governamental SaferNet Brasil, através da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (CNDCC), recebeu 247.554 denúncias anônimas de páginas e perfis em redes sociais que continham teor de intolerância religiosa.

Muitas vezes uma página ou perfil é denunciado dezenas, centenas ou até milhares de vezes. Dessa forma, nesse período, 15.672 páginas foram reportadas por conter teor de intolerância religiosa. A tendência é de queda: de 2.430 páginas em 2006 para 1.453 em 2012.

Essa tendência não implica que o número de casos reportados de intolerância religiosa tenha diminuído. "Uma das razões é a classificação feita pelo usuário. Mesmo páginas reportadas por possuir conteúdo antissemita ou homofóbico têm, também, conteúdo referente à intolerância religiosa", explica Thiago Tavares, coordenador da CNDCC.

O maior problema é a impunidade. "Quanto maior a dificuldade de punir esses crimes, maior é a tendência de uma parcela da comunidade de internautas de querer utilizar a rede para essa finalidade. A impunidade é o combustível da criminalidade", declarou Tavares, afirmando ainda que percebe um crescimento, desde 2010, das manifestações de intolerância e também da radicalização do discurso de ódio na internet brasileira.

Não só anônimos postam comentários que envolvem intolerância religiosa ou até mesmo o ódio em sites e perfis nas redes sociais. "Vemos casos de autoridades religiosas também. Há uma certa permissividade, uma dificuldade de monitorar e efetivamente punir", diz Euclenio, da Seppir. (...)

Leia na íntegra aqui.

dançando pelo fim da violência


De Suzana Lourenço, para o Outras Palavras:

“Uma em cada três mulheres do planeta será espancada ou estuprada no decorrer da vida.” Essa é a afirmação que inspirou o nome do evento global “Um bilhão que se ergue” (One billion rising), que acontece em São Paulo e no Recife no próximo dia 16. “Um bilhão de mulheres violadas é uma atrocidade. Um bilhão de mulheres dançando é uma revolução”, diz no Facebook a chamada do evento, que acontece em diversas capitais do planeta.

A ideia é reunir mulheres e homens para dançar, numa coreografia coletiva, pelo fim da violência contra mulheres e meninas. “One billion rising” (veja acima ou no YouTube) congrega cerca de 5.000 organizações, ONGs e universidades em todo o mundo. O movimento tem sua origem na peça “Monólogos da Vagina”, escrita pela dramaturga e ativista Eve Ensler com base em entrevistas sobre a sexualidade feminina e o estigma social em torno do estupro e do abuso.

A peça fez sucesso em diversos países – no Brasil, teve direção de Miguel Falabella e ficou em cartaz por mais de uma década. Ao final de cada apresentação, Ensler encontrava mais mulheres que queriam compartilhar suas histórias de sobrevivência, transformando o espetáculo em mais do que uma manifestação artística sobre a violência feminina. Em 14 de fevereiro – o Valentine’s Day, dia dos namorados norte-americano – de 1998, Eve e um grupo de mulheres de Nova York criaram o V-Day, para demandar o fim da violência contra mulheres. Nascia aí a ideia do “One billion rising”.

No Brasil: quatro entre cada dez mulheres brasileiras já foram vítimas de violência doméstica, revelam os números do Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, divulgado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e pelo Dieese. Entre 1998 e 2008, cerca de 42 mil mulheres foram assassinadas – dez a cada dia –, 40% delas dentro de casa, conforme dados de outro estudo, o Mapa da Violência 2011, realizado pelo Instituto Sangari a partir de informações do DATASUS/Ministério da Saúde.

Movimentos de mulheres vinham denunciando essa situação desde os anos 1970, e deram os primeiros passos na formação de coletivos de apoio às vítima da violência. Foram criadas as primeiras Delegacias da Mulher. Mas foi só a partir dos anos 2000 que a questão ganhou a esfera nacional, com a criação, em 2003, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

Um marco no enfrentamento da violência de gênero no Brasil foi a lei 11.340, de agosto de 2006 – conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a Maria da Penha Fernandes, que foi atingida por um tiro do marido enquanto dormia, ficou paraplégica e sofreu tortura, mas veio a público e conseguiu levar seu caso a cortes internacionais.

Desde a sua criação pela SPM, em 2005, até março de 2012, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, com funcionamento 24 horas, inclusive fins de semana e feriados – realizou 2.527.493 atendimentos. De 2006 a março de 2012 foram registrados 603.906 relatos de violência, assim tipificados segundo a Lei Maria da Penha: física 182.857 (30%, vai de lesão corporal leve ao assassinato), psicológica 76.620 (12,8%), moral 32.168 (5,4%), sexual 5.899 (1%) e patrimonial 4.920 (0,8%).

A violência parte frequentemente do marido ou companheiro. No mesmo período, das 131.047 informações sobre o tempo de convivência entre vítima e agressor, o relacionamento era de dez anos ou mais em quase 40% dos casos; e entre cinco e dez anos em cerca de 20%. A frequência das agressões foi registrada em 228.180 atendimentos, sendo diária em aproximadamente 60% e semanal em cerca de 20%. Foram presenciadas por filhos e filhas em mais de 65% dos casos; em quase 20%, eles foram agredidos junto com as mães.

Manifestação
A manifestação acontece em São Paulo das 14 às 18 horas do sábado, 16 de fevereiro, no vão do MASP (Museu de Arte de São Paulo). As danças e coreografias serão ensaiadas a partir das 12 horas, pelos participantes concentrados no museu. No Recife, a dança-protesto ocorrerá na Praça do Marco Zero, às 19 horas.

Na página do Facebook Um bilhão que se ergue em SP encontram-se os vídeos da coreografia em SP e da coreografia original. No site oficial da campanha podem ser assistidos videos da autora Eve Ensler, e da atriz e militante Jane Fonda dizendo porque se levantaram contra a violência. Aqui, o ator e diretor Robert Redford dá seu depoimento sobre o tema. [Entre outras personalidades (celebridades, militantes ou não - aqui).]http://www.vday.org/home

música para os olhos


Cartola. Afinal, é carnaval. :-)

"A história de um dos compositores mais importantes da música brasileira. A história do samba a partir de um dos seus expoentes mais nobres. Utilizando linguagem fragmentada, Cartola traça um painel da formação cultural do Brasil, convidando a uma reflexão na construção da memória deste país. O retrato de um homem que se reconstruía com seu tempo."

Direção: Lírio Ferreira e Hílton Lacerda
Origem: Brasil
Ano: 2006
88 minutos

(Via)

documentário sobre o Pirate Bay é lançado simultaneamente na internet e no Festival de Berlim


O lançamento "da hora" vem sendo preparado há quase 5 anos: um documentário sobre o Pirate Bay, serviço online de compartilhamento de arquivos via torrents que tornou-se uma verdadeira bandeira pela internet livre desde que seus fundadores passaram a ser perseguidos e processados por pirataria.

Dos 3 membros fundadores, um está cumprindo pena - Anakata - e dois, Peter Sunde e Fredrik Neij, são procurados. Nas palavras do diretor, Simon Klose, uma prova de que a complexa questão em torno do copyright está longe de ser resolvida. A expectativa é colocar mais lenha na fogueira do debate, reacendido recentemente com o suicídio do ativista Aaron Swartz.

Durante a campanha de pré-lançamento, o vídeo foi disponibilizado inicialmente para quem se dispusesse a pagar 10 dólares pelo preview - e foram 1885 downloads pagos. A partir de hoje, depois de ser exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim, o vídeo está disponível em Creative Commons para download ou para ser assistido no Youtube (e aí em cima). Está disponível também para download via torrent, claro.

(Fonte: Luis Nassif Online)

8 de fev. de 2013

imprensa: contra ou a favor


Crônica de Carlos Heitor Cony na Folha de S. Paulo de hoje (via):

São mais de 60 anos no ofício. Tempo de sobra para aprender os macetes todos e, sabendo manejá-los, assumir a cara e a coragem do vencedor. Mas não deu. Olho-me no espelho e vejo sempre o rosto antigo e perdedor. Seria o caso de me perguntar: onde errei? Qual foi a esquina que eu dobrei errado?

Na verdade, foram tantas as esquinas erradamente dobradas que fica difícil descobrir a esquina fatal. Olhando tudo em conjunto, desconfio que, na soma de tantos e tamanhos erros, alguma coisa deveria dar certo. Como no caso do prêmio da Loteria Federal incansavelmente procurado.

Se durante 40 anos eu tivesse comprado todos os dias um bilhete, talvez tivesse ganho alguma coisa, não digo o maior prêmio, mas algum tipo de consolação que me daria a esperança, o alento para continuar insistindo.

Felizmente - e para diminuir o prejuízo da operação - houve algum lucro. Duramente aprendi que tudo tem um preço e que não precisava ter me esbofado tanto para lucrar tão pouco.

Outro dia, folheando um jornal ao lado de um amigo tarimbado no mesmo ofício, fomos identificando os lobbies de cada um, o itinerário de cada produção, o roteiro de cada sucesso, o calvário de cada fracasso.

Tudo tão óbvio, tudo tão primário que, de repente, chegamos à conclusão de que não são os jornalistas que fazem o ofício, e sim os lobistas de diversos tamanhos, feitios e intenções.

São eles que pressionam para que determinado ministro apareça mais do que outro, para que determinado artista brilhe mais do que o colega, para que determinado assunto tenha mais peso em determinada edição.

Hora a hora, minuto a minuto, na feitura de um jornal, de uma revista ou na reunião de pauta do departamento de jornalismo das redes de TV, o lobby direto ou indireto, explícito ou camuflado, atua sem trégua, criando estratagemas que vão da garrafa de uísque no Natal ao acesso privilegiado de determinada fonte, passando pelos subornos menores, socialmente tolerados, como o almoço no restaurante caro ou o tapinha nas costas para mostrar intimidade.

No tempo de meu pai, que foi jornalista a vida inteira, a imprensa era subornada com a mesa do lanche que os dirigentes esportivos, que então se chamavam "paredros", promoviam no meio tempo das partidas.

Durante a semana, avisava-se nas Redações que o Fluminense ou o Botafogo ofereceriam um lanche aos "rapazes da imprensa" entre o primeiro e o segundo "half time" --e os ditos rapazes surgiam aflitos e famélicos, em busca dos sanduíches de salame e dos copos de guaraná na generosa boca-livre daqueles tempos.

Hoje, o furo é mais em cima. Em linhas gerais, e apesar das idas e vindas da profissão, a imprensa subiu de nível social e econômico, mas continua gravitando em torno dos ricos e dos poderosos.

A estrutura do poder de tal modo se acomodou à imprensa (a operação contrária também se verificou, com a imprensa se acomodando à classe dirigente) que hoje a Presidência da República, os ministérios, os departamentos de primeiro escalão, os bancos, as administrações estaduais e municipais, as principais empresas e até mesmo os principais indivíduos dispõem de um serviço de assessoramento de imprensa altamente remunerado.

No caso dos jornalistas, nem sempre a sujeira é individual, às vezes é, mas em escala pequena. Ficou famosa a anedota atribuída a Alcindo Guanabara, um dos primeiros jornalistas a integrar a Academia Brasileira de Letras. Hoje, é nome de rua importante no centro do Rio.

Em uma Semana Santa, o editor pediu que Guanabara escrevesse um artigo sobre Jesus Cristo. Alcindo estava consultando o programa do Jóquei Clube, era viciado em apostar nos cavalinhos. Completamente desligado da data religiosa, levantou a cabeça e perguntou: "Contra ou a favor?"

É isso aí. Existem profissões sujas. No caso do jornalismo, a sujeira talvez nem chegue a ser individual (às vezes é, mas em escala pequena).

De uma forma ou de outra, para sobreviver nela é confortador saber que vendemos nossa alma diariamente por um copo de guaraná e um sanduíche de salame.

Às vezes, nem isso.

o caso Folha x Falha: a liberdade de expressão em jogo


De Renato Rovai, em seu blog na Revista Fórum:

No próximo dia 20 será julgado, em segunda instância, o caso Falha de S.Paulo x Folha de S.Paulo. Trata-se de um julgamento de fundamental importância para a defesa da liberdade de expressão.

O site Falha de S.Paulo, criado pelos irmãos Mário e Lino Bocchini, era uma divertida paródia do jornal Folha de S.Paulo e brincava com os recorrentes erros da publicação da família Frias. Porém, Lino e Mário mexeram em um verdadeiro vespeiro. Uma vez parodiada, a Folha convocou ao ataque seus advogados

Com apenas um mês do site no ar, a Folha de S.Paulo entrou na Justiça e conseguiu censurá-lo. O juiz, em julgamento de primeira instância, determinou o congelamento da página por “concorrência desleal” e por provocar suposta “confusão” no leitor.

Pois bem, não vejo como o Falha de S.Paulo pode ser acusado de concorrência desleal contra o gigante Folha de S.Paulo. O Falha não tinha qualquer remuneração: assinantes, venda ou qualquer outra forma de obtenção de lucro. E muito menos pretendia concorrer com os Frias, uma vez que seus públicos são completamente distintos.

O mais interessante é que a ação movida pelo jornal sequer apresentava o argumento de “concorrência desleal”. A ação contra a Falha era baseada no suposto uso indevido da marca do periódico e na confusão que poderia gerar nos seus leitores.

Este caminho também está totalmente equivocado. Falha e Folha não se confundem. A brincadeira com o nome é simplesmente um recurso para que a paródia seja facilmente identificável com o seu alvo. O leitor jamais iria entrar no site Falha de S.Paulo e acreditar que está acessando o site da Folha. Um é uma paródia, com brincadeiras de uma ironia fina; o outro, pretende ser um site de notícias “sérias”.

Um dos casos concretos na jurisprudência apresentado pelo jornal na sua peça inicial refere-se a uma empresa que utilizou-se do nome Dall para a venda de computadores, causando assim confusão com a marca Dell entre os consumidores. Porém, neste caso, o intuito de ambas é o mesmo, a comercialização de produtos de informática. Algo completamente distinto do caso Folha x Falha, onde uma parte é uma empresa de comunicação com fins comerciais e, a outra, uma paródia sem qualquer finalidade comercial.

“O site não possuía sequer um banner comercial. A tese de confusão entre os sites é um desrespeito com o próprio leitor da Folha de S.Paulo. Não vejo como um leitor entraria em um site que, por exemplo, associa a figura do Otávio Frias com o personagem Darth Vaider, e acreditar que estava acessando o site da Folha”, afirma Lino Bocchini.

No campo dos exemplos, prefiro citar o que foi apresentado pelo relator especial da ONU, Frank La Rue, durante visita ao Brasil. La Rue citou o jornal norte-americano The New York Times, que já sofreu diversas sátiras semelhantes à Falha de S.Paulo, como a feita pelo site Not New York Times, e nunca acionou judicialmente aqueles que o criticavam.

“É o mais lógico”, disse o relator. “É interessante esse uso da ironia que vocês fizeram usando as palavras Folha e Falha. Uma das formas de manifestação mais combatidas hoje em dia, e que deve ser defendida, é o jornalismo irônico”, defendeu La Rue.

Apesar da tentativa de manipulação dos fatos pelos advogados da Folha de S.Paulo, o pano de fundo do julgamento passa longe de questões como concorrência desleal, uso indevido de marca ou confusão no público leitor. Trata-se de uma disputa judicial onde a questão central é a liberdade de expressão. O direito à paródia e à sátira como forma de crítica, não importando o quão poderoso seja o seu alvo.

Leia a análise de Lino Bochini sobre os possíveis desdobramentos do caso:

"Esse julgamento é importante porque, segundo o próprio juiz de primeira instância, trata-se de um caso inédito na Justiça brasileira. A disputa que está posta, é um suposto desejo da Folha de defender sua marca e, de nossa parte, a defesa da liberdade de expressão. A jurisprudência que se abrirá para um lado é importantíssima. Em caso de vitória da Folha, outras empresas que quiserem censurar blogueiros ou qualquer conteúdo na internet ganhará uma nova arma. Bastará usar o mesmo argumento vago de “uso indevido da marca” e pronto. A boa notícia é que, no caso de vitória nossa, a jurisprudência que se abre é a favor da coletividade. Ou seja, se outra empresa quiser censurar alguém por via judicial, terá mais dificuldades.

"Essa questão coletiva é um dos motivos que tornou o caso tão visado. O outro é o que nos motivou a criar a falha: seu jornalismo extremamente partidário, travestido de imparcial. Isso não é contra lei. Mas denunciar a hipocrisia do jornal, que tem lado e claras preferências políticas, também é permitido. E é esse direito que queremos ter assegurado."

Leia também: Relator da ONU critica jornal Folha de S. Paulo por censura a blogue (aqui)

a publicidade afasta-se das crianças


Eugênio Bucci, jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM, no Estadão de ontem:

A publicidade brasileira acaba de tomar uma decisão histórica. Ela vai tratar com mais respeito as crianças. Vai ficar mais longe delas. A notícia é muito boa tanto para a própria publicidade, que com isso ganha mais respeitabilidade, como, principalmente, para a infância. Em doses exageradas, inescrupulosas, abusivas, a propaganda faz mal para o público infantil. Deve ser servida com moderação.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), entidade do próprio mercado publicitário, cujos códigos não têm força de lei, mas são de adesão voluntária e criteriosamente cumpridos, distribuiu agora, no início de fevereiro, uma nota oficial anunciando novas regras - com novas restrições - para os comerciais destinados às crianças. Entre outras novidades, o merchandising não será mais admitido. Não para o público infantil.

Já era tempo. O merchandising é um dos artifícios mais capciosos da indústria da propaganda. Não tem o formato do anúncio tradicional, aquele que é veiculado nos espaços comerciais claramente delimitados, como os intervalos da televisão, por exemplo, e assim, disfarçado de não anúncio, tenta ser mais convincente. O merchandising vai ao ar dentro do programa principal, como se fosse parte da história. É bastante usado nas novelas. O leitor há de lembrar. Sem mais nem menos, sem a menor congruência narrativa, a atriz fala para a outra que vai ao banco "tal" e que o banco "tal" é uma beleza, com um gerente, menina, que é uma simpatia só.

Marcas de esmalte, de xampu, de macarrão, de carro, de celular invadem a trama e lá permanecem, roubando a cena. A peso de ouro, por certo. O merchandising custa caro. É uma operação de mercado com preços tabelados, preços altos, mas seu segredo é se disfarçar, é passar seu apelo de consumo como se não fosse publicidade paga.

Que isso seja empregado para aliciar consumidores adultos desavisados, vá lá, apesar da deselegância constitutiva da coisa toda. Agora, voltar essa máquina contra olhos infantis chega a ser covardia. A própria nota do Conar reconhece "a necessidade de ampliar-se a proteção a públicos vulneráveis, que podem enfrentar maior dificuldade para identificar manifestações publicitárias em conteúdos editoriais". Atenção: o Conar admite, com todas as letras, que os públicos infantis são "vulneráveis" e precisam de proteção. Que bom que o próprio mercado publicitário - representado pelo Conar - dê mais esse passo. Histórico.

A notícia é boa também por duas outras razões.

A primeira é que os vetos ao merchandising e outras práticas - como o emprego de "crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo" - não chegam à publicidade brasileira por meio de uma medida autoritária. Ao contrário, as novas normas de proteção da infância brotam do amadurecimento natural da mentalidade dos próprios agentes de mercado. Desde 1978 o Conar vem-se firmando como um dos casos mais bem-sucedidos de autorregulação do mundo. Suas decisões nunca são contestadas. Embora não seja um órgão estatal, tem legitimidade e representatividade para retirar campanhas do ar, como já fez muitas vezes. Não é exagero dizer que o Conar é um fator civilizatório na publicidade brasileira.

A segunda razão para comemorar as novas regras é que elas ajudam a esclarecer que a liberdade de anunciar produtos não é exatamente igual à liberdade de expressão do pensamento. As duas têm status distinto na democracia. A liberdade de manifestação, de externar opiniões, assim como a liberdade de imprensa, compõe um direito fundamental inviolável. Um cidadão tem o direito pleno de, digamos, escrever um artigo em jornal defendendo a legalização da maconha e de sugerir um projeto de lei para legalizá-la. Com a publicidade é diferente. Uma agência de publicidade não tem o direito de fazer uma campanha enaltecendo o consumo da maconha do tipo A ou do tipo B. Não porque os publicitários, que também são cidadãos, não tenham liberdade de se manifestar - isso todos temos. Essa agência não pode fazer anúncio de maconha de nenhum tipo porque a maconha não pode ser legalmente comercializada - e a comunicação publicitária está subordinada às leis que regulam o mercado.

A publicidade comercial é uma extensão do comércio devidamente legal. Assim, só se podem anunciar as mercadorias e os serviços cuja comercialização não conflite com a legislação vigente. Portanto, a liberdade de anunciar não se enquadra no rol das liberdades fundamentais de informar e de ser informado. A publicidade veicula ideias e conceitos, ou algo próximo a isso, mas não realiza o direito de expressão do pensamento. Ela é uma atividade acessória do comércio, subordinando-se, logicamente, às leis do comércio.

Para sorte do País, a postura do Conar nesse episódio não se deixou confundir com o fanatismo dos fundamentalistas, segundo os quais qualquer senão a um comercial de refrigerante traz em si a mesma violência dos atos que censuram a imprensa. Ora, são matérias inteiramente diversas. Uma não tem nada que ver com a outra. O Conar não censura nada nem coisa nenhuma, apenas zela pela credibilidade do seu ramo de atuação. Anunciar quinquilharias para crianças de 5, 6 anos de idade por meio de subterfúgios e técnicas de dissimulação, por favor, isso, sim, pode ser visto como uma violência inominável. Isso, sim, conspira contra a credibilidade do mercado anunciante, em seu conjunto, e corrói a reputação de todo o setor.

Quanto ao mais, o uso de merchandising e de anúncios testemunhais para seduzir o público infantil - que é, sim, vulnerável - já não se admitem em diversas democracias. O Brasil também não precisa mais desse primitivismo. E vamos em frente, porque há mais a fazer.

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