22 de set. de 2012

qual espiritualidade para 2050?


Em 2050 eu terei 98 anos. Isso significa, de forma muito verossímil, que eu não estarei mais aqui. Isso me coloca em uma boa disposição para sonhar com uma espiritualidade que poderia, então, se eu chegar a viver até lá, me satisfazer.

O primeiro ponto seria que ela me prometesse algo diferente a uma sobrevivência pessoal. Agarrar-se ao próprio pequeno eu, naquela idade ou na minha (60 anos), o que há de mais compreensível – porque morreremos – e de mais irrisório? Eu sonho com uma espiritualidade que me ajude, pelo contrário, a amar a vida até o fim, assim como ela é – única, insubstituível, efêmera – e, portanto, a aceitar serenamente a morte, como um convidado satisfeito ao fim de um banquete, como dizia Lucrécio, em todo caso sem pedir nenhuma ração suplementar de prazer ou de amor. Já não se teria o suficiente? Eu sei muito bem, e é isso que equivoca Lucrécio talvez (a saciedade é improvável, senão impossível).

Aprendamos a aceitar isto também: a insatisfação última, a amargura, os lamentos, os remorsos, a nostalgia, o sentimento doloroso de ter vivido tão pouco e tão mal. Ter sucesso na vida? É só uma ilusão do ego. Uma espiritualidade digna desse nome deve visar a mais alto, ter horizontes mais amplos, libertar-nos do ego, tanto quanto possível, ao invés de nos encerrarmos nele. Para que ter um espírito que nos abre ao universal, se é só para nos preocupar com a salvação da nossa pequena alma?

O segundo ponto seria que essa espiritualidade não se limite a uma moral, nem, portanto, ao humanismo. "Fazer bem o homem", como dizia Montaigne, certamente é uma dimensão essencial da nossa existência. No entanto, isso pode não nos bastar. O que é a espiritualidade? É a vida do espírito, especialmente na sua relação com o infinito, com a eternidade, com o absoluto. A humanidade é apenas um parte ínfima dele, que só é grande pela capacidade que tem de saber e de aceitar isso.

Olhe o céu estrelado em uma noite serena: isso não abole nenhum dos nossos deveres, mas os redimensiona, os coloca em seu lugar, no todo imenso, no tempo sem fim, no eterno devir. É isso que se tenta habitar e que é o verdadeiro ápice da espiritualidade: a nossa relação finita com o infinito, a nossa relação temporal com a eternidade, a nosso relação relativa – evidentemente relativa – com o absoluto. Mística da imanência, para os ateus, em vez da transcendência; da unidade, em vez do encontro: abertos no Aberto, como diziam Rilke e Heidegger, passantes na passagem, eternamente fugazes na eterna "impermanência".

Tudo passa, salvo a verdade do que é ou do que foi, que não passa: que vivemos, isso eternamente permanecerá verdadeiro. A morte só pode nos tomar o resto, que não é nada, e não o tomará de ninguém, porque não estaremos mais aqui.

Essa sabedoria, que poderia se referir a Heráclito ou a Spinoza, no entanto, vista do nosso mundo, tem como que um sabor do Oriente. Mas qual espiritualidade poderia nos satisfazer, hoje ou amanhã, que não fosse aberta ao mundo, à pluralidade das crenças, das experiências, dos percursos?

Ecletismo? Cada um pode julgar, de acordo com o que considera verdadeiro e crível, e, no entanto, sem renunciar à coerência, ao rigor, com tudo o que isso implica, quase inevitavelmente, de escolhas ou de recusas. A tolerância não é negação. O ecletismo, para aqueles que tendem a ele, não é confusão.

Não é mais o tempo ou, melhor, não deve mais ser o tempo em que as espiritualidades guerrearão, pretendendo cada uma deter somente ela a chave do Reino ou da salvação.

É o terceiro ponto. Eu sonho, para 2050, com uma espiritualidade pacificada, lúcida, e por isso tolerante. Talvez seja mais fácil para o ateu, que não tem nem dogmas nem ritos a defender. Mas deve-se lembrar que o ateísmo, exceto mentindo sobre si mesmo, nada mais é do que uma crença dentre as outras, cheia de dúvidas como todas as outras. Há muitas moradas na casa do Pai, talvez até mesmo para os órfãos, os órfãos que somos todos nós.

- André Comte-Sponville, filósofo francês, autor de Le sexe ni la mort, trois essais sur l'amour et la sexualités (Ed. Albin Michel, 2012).
Artigo publicado na revista Le Monde des Religions, 01-09-2012. Tradução: Moisés Sbardelotto, aqui

20 de set. de 2012

estímulos supernormais


Deu na Folha que jogos on-line podem estar virando uma nova forma de dependência.

Meu alarme cético dispara sempre que uma nova doença psiquiátrica aparece na mídia, mas é preciso reconhecer que a possibilidade existe. Devido a um improvável complô entre nossa competência técnica e nossas vulnerabilidades neurológicas, essa situação está ficando mais comum. São os estímulos supernormais.

O conceito surgiu a partir de trabalhos dos etólogos Konrad Lorenz e Niko Tinbergen, que mostraram que animais frequentemente se deixam enganar por sinais manipulados para parecer mais exagerados.
Num experimento com perus selvagens, pesquisadores queriam saber qual a "unidade mínima" de perua que os excitaria. Testaram a resposta dos machos a manequins, dos quais iam retirando cauda, pés, asas etc. Descobriram que bastava espetar uma cabeça num pau para encorajar os machos. Eles até preferiam a cabeça sozinha, que lhes provocava reações mais intensas do que as despertadas por uma perua real.

Em "Supernormal Stimuli", Deirdre Barrett mostra que o fenômeno não está restrito a aves. Humanos somos vítimas preferenciais desses estímulos hiperbólicos. Na alimentação, fomos programados para acumular gorduras e carboidratos. Funcionava bem no paleolítico, mas, depois que aprendemos a fazer Baconzitos e quindins, conhecemos níveis inauditos de obesidade e diabetes.

De modo análogo, a destilação do álcool e a biossíntese da cocaína agravaram nossos problemas com essas drogas. Era relativamente difícil tornar-se alcoólatra ou cocainômano consumindo só cerveja pouco fermentada e chá de folhas de coca.

Jogos on-line, ao oferecer um ambiente onde tudo o que acontece são coisas que nossos cérebros estão programados para apreciar, acabam tornando o mundo real um lugar bem menos estimulante que o virtual. É quase uma concorrência desleal.

- Hélio Schwartsman, aqui

19 de set. de 2012

é natural


O pensamento do filósofo Baruch (abençoado, em hebraico = Benedito = Bento) Spinoza sobre a liberdade poderia ser definido assim: "ela consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam". Repare que ele não reconhecia a liberdade como coisa de existência verdadeira, mas poderíamos ampliá-la um pouco se aliviássemos, ao conhecê-los, os puxões dos cordéis.

Outro grande, Schopenhauer (bem lembrado por um leitor), disse que podemos até ter vontades, mas não podemos escolher nossos desejos. Tenho escrito sobre a natureza humana para que saibamos como somos manipulados.

O que me lembrou a portuguesa avó Lucia, de uma amiga querida, que a tudo reagia com o mesmo bordão: "É natural", por mais estapafúrdia que a coisa fosse. "Vó, o padre fugiu com a vizinha!" "É natural, pois..."

Ela se defendia dos sustos da vida com o uso sistemático da naturalização. A naturalização não tem nada a ver com constatar as forças da natureza sobre nós. Ela é o processo da formação do senso comum, talvez o cordel mais forte que a cultura usa para mandar em nós.

Minha mãe quis ter oito filhos (teve sete). Por que tantos? "Porque em 1937 era bonito ter família grande, minhas amigas tinham". Era "natural". Tão natural quanto hoje ter dois. Se você quiser mais, o senso comum vai te patrulhar, "que absurdo, você tá louca?". O feminismo naturalizou a tripla jornada de trabalho para a mulher (ganhar dinheiro; gerenciar a casa, marido e filhos). Nascido em 1948, cresci tendo que cumprir uma linha de montagem: escolaridade, formatura (médico, engenheiro ou advogado), casar, ser provedor e ter filhos. Era natural. Eu me perguntei se queria isto? Claro que não. Tinha medo de ir "contra o natural". É a surda ditadura do senso comum. Hoje ela se estende ao "politicamente correto", um meio de formar rebanhos. A coisa está ficando afrodescendente...

Então este é um aviso: você é manipulado, sua inteligência é posta de lado em favor da obediência ao "que todo mundo faz". Ao mesmo tempo, é sedutora a ideia de que há manipuladores, superiores aos manipulados, e que é bom ser um deles. Mas você já é um manipulador/manipulado, todos o somos.

Um general manda na tropa, mas a mulher manda nele. Manipulação existe. Somos todos seus agentes e pacientes. Se eu for menos ativo e passivo dela, a manipulação diminuirá.

Desconfie do "é natural", que "a vida é assim mesmo". Discuta regras ocultas da ficância, do namoro, do casamento, para ver se você as cumpre por gosto ou por obrigação. Escancare-as!

Atenção com o implícito, com a alusão. As regras do senso comum nunca são faladas abertamente, ou saberíamos discuti-las. A patrulha se dá por punições sutis (suspiros, trombas e gelos). Também valem adjetivos reducionistas, "Isto é fascismo! Você é neoliberal!" (quem os usa já está dominado).

Claro, a patrulha também pode ser explícita, matar e espancar gays, porque eles são excessivamente não "naturais", entende? Mas vir dizer que "a diferença é linda" também é outra tentativa de naturalização que eu não aguento.

- Francisco Daudt, aqui

despertar


"Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão dos outros."
- C.G. Jung


"Se quiser eliminar o sofrimento do mundo, elimine tudo o que há de escuro dentro de você. Na verdade, o maior presente que você tem para oferecer é o da sua própria transformação."
- Lao-Tsé


"Não há despertar de consciências sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo, para evitar enfrentar a própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por se tornar consciente da escuridão."
- C.G. Jung (sim, outra vez)

18 de set. de 2012

o facebook como espelho


Ainda me lembro da época em que o público de um espetáculo musical estava lá para ouvir música, talvez para cantar e dançar, certamente não para fotografar e ser fotografado. Silenciosamente algo mudou. A popularização das câmaras e das redes de compartilhamento parece ter despertado até nos mais tímidos uma compulsão por mostrar tudo o que é vivido, mesmo que seja um acontecimento banal.

"Se não fotografou e não publicou, então não existe." O exibicionismo é expresso em páginas, video-casts, perfis e linhas do tempo que parecem relatórios clínicos de narcisistas compulsivos, em suas várias formas: fotografias com caras e bocas, opiniões rasas a respeito de praticamente tudo, vídeos em que nada de interessante acontece e a triste alegria coletiva com o grotesco e a humilhação.

A exposição é razoavelmente recente. Uma das primeiras autobiografias dedicadas ao registro do cotidiano é "Confissões", de Rousseau. Arrojado e provocador para o século 18, o iluminista francês ficaria chocado com o tamanho da exibição de hoje. Desde os anos 1980, quando yuppies, computadores pessoais e o culto ao corpo abriram canais para a expressão individual, o particular é cada vez mais público e amplificado.

Celulares e redes de compartilhamento transformaram os 15 minutos de fama em uma espécie de "Show de Truman" universal, em que registros banais e confissões diversas tornaram todos um pouco inseguros, verificando a composição de sua figura no espelho do Facebook e corrigindo seu discurso e conduta de acordo com as menções e aprovações recebidas.

Nem o Narciso mitológico seria tão autocentrado. Aquele que morreu afogado ao se apaixonar por sua figura refletida em um espelho d'água poderia argumentar que não sabia que via um reflexo. Como muitos usuários de redes sociais, ele se apaixonou por uma tela e sucumbiu ao confundi-la com a realidade.

Essa confusão entre o real e o fictício publicado é uma das faces mais assustadoras do narcisismo digital. Muitos têm uma visão de realidade tão distorcida pela percepção alheia, tão fragmentada e amplificada pelos perfis e grupos a que pertencem, que geram especulações maiores do que pode supor sua vã fenomenologia.

A vida na vitrine da interface, livre da moderação e da compostura que qualquer grupo social demanda, cria uma gigantesca câmara de eco, em que mensagens são referências de referências de referências, perdendo significado e substância no processo.

O sucesso de uma trilogia pornô, derivada de uma fantasia de fã da série "Crepúsculo", que por sua vez é derivada das clássicas histórias de vampiros, é o exemplo mais recente. Impulsionado pela indicação do amigo do amigo do amigo nas redes sociais, "50 Tons de Cinza" se transformou no maior best-seller do país que um dia foi de Shakespeare e Charles Dickens.

Há uma certa melancolia na situação. Ambientes que permitem tanta exposição e manifestação de identidades múltiplas demandam coerência de pensamento para que seus atores não se tornem reféns das personagens que representam.

Sem contar que todo esse egocentrismo é muito, muito chato.

- Luli Radfahrer, aqui

* * *


(...)
— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.
— Ah! fez Antenor.
— Tem-se dado bem com a de papelão? — Assim...
— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.

(João do Rio, "O homem de cabeça de papelão", aqui)

progresso


“Há os que acreditam sinceramente que o progresso é uma máquina trabalhando feito louca, no meio de operários miseráveis, para fazer bugigangas para crianças ricas.”
- Millôr (via)

17 de set. de 2012

somos menos do que sonhamos


O sonho é uma aptidão da alma que nos permite voar. Foi o que fez uma menina, quando sonhou em ser a rainha do mundo. Perguntei a ela se não sofria ao terminar o sonho e disse que não. Questionei, então, se não preferia que o sonho fosse verdade. Falou que imaginar ser rainha é mais alegre que ser na realidade. Fiquei quieto diante da sabedoria infantil de quem pode simbolizar. Aliás, nós, adultos, iríamos melhorar se fôssemos reeducados pelas crianças. Por exemplo: ninguém melhor do que elas para ensinar a arte de brincar de faz de conta! Na verdade, somos menos do que sonhamos, o que não é negativo, pois o sonho é tempero indispensável no processo criativo.

Por outro lado, há sonhos que, se postos em prática, podem se transformar em pesadelos. Algumas fantasias de sociedades quase perfeitas, de todos os matizes, se revelaram autoritárias e cruéis. Sonhei, como tantos, com um mundo de plena igualdade, justiça social, sem guerras, quase um paraíso. Há muitos anos descobri que havia idealizado, mas foi bom sonhar, assim como é bom conhecer melhor a condição humana. Aprendi que a utopia está no horizonte e serve para caminhar. Portanto, diante das desilusões que doem, há os que se deprimem decepcionados. Já outros aprendem e se recuperam das ilusões perdidas. São os que enriquecem com novos conhecimentos tanto de si como do mundo.

Os sonhos vivem em nós, até os que se perderam pelo caminho. Comigo caminham todos os sonhos, os reveses que sofri, os amigos que perdi, os dias felizes que voaram. Na verdade, o passado são memórias enriquecidas com o tempo e sempre ganham novas versões. O doloroso desafio é aceitar os fracassos, sem esquecer que eles nos constituem. Suportar os dissabores nos faz mais humildes. A humildade, a base das virtudes, é brincar como a menina que desejava ser rainha, pois somos menos que nossos sonhos. Por sua vez, a raiz principal dos sonhos ambiciosos é a vaidade. Foi o que Bertrand Russell escreveu sobre o pesadelo dos matemáticos, quando os números falaram. O primeiro número disse, orgulhoso: eu sou ímpar; já outro falou que era um número primo. E o mais bobo desprezava todos os demais números, pois ele era o número perfeito. Os números humanizados deliram soberbos como todos nós.

Mas podemos imaginar que existem os números solidários. A solidariedade é gerada pela compaixão, pela capacidade de ver mais além de si. É a melhor resposta a uma sociedade onde crescem as competições desenfreadas. São, entre tantos, os anônimos doadores de sangue, os que dão o seu próprio sangue ao próximo. Sempre é reconfortante aprender dos que conseguem partilhar com os demais. São os que não empobreceram cuidando somente de seu jardim. São momentos em que a condição humana transcende na graça. São luzes fraternas que aquecem e aliviam o peso da existência. É quando a luz resplandece nas trevas e o coração se transforma em poeta. É quando, finalmente, somos mais do que sonhamos.

(Abrão Slavutzky, aqui)

gay demais?!


Este texto foi publicado originalmente no blog Mãe, eu sou gay, escrito pela mãe de um rapaz homossexual, mas chegou aqui pelo Tales Tagliaferri.


O atual sistema de proteção racial que temos no nosso país, que se não é perfeito tornou-se um passo importante no resgate de uma dívida histórica com uma parcela explorada de nosso povo, não nasceu do nada. A Lei Caó, a transformação de racismo em crime inafiançável, as cotas em universidades e o resgate da cultura negra e africana nesse país são frutos de um movimento organizado. São consequência de um movimento, lá nos anos 80 de resgate do orgulho de ser negro, do orgulho das tradições legadas ao país, de uma identidade de COMUNIDADE, que unida é mais forte que separada. E que foi as ruas exigir isso. Não apenas em passeatas ou protestos, mas numa revolução silenciosa e diária. No assumir características raciais marcantes, como penteados afro, ou usar roupas com cores da África, movimentos culturais e de arte e se posicionando enquanto grupo consumidor, que exigiu produtos e serviços voltados a sua especificidade.

Ninguém, nenhum órgão ou político, vai legislar para um grupo invisível. Diferente de negros, que não podem fingir ser brancos para serem aceitos, gays tem essa possibilidade. Podem se "heterossexualizar" senão assumindo uma vida hétero, mimetizando essa vida num discurso que fala em ser discreto para ser aceito. Heteronormatizar o movimento gay tem sido um discurso recorrente dentro da própria comunidade. Ele aparece quando se diz que não é preciso beijar na rua e ofender ninguém. Ou quando se defende que não é preciso esfregar a sexualidade na cara de ninguém. Aparece no desprezo aos afeminados que sujam a imagem sendo gays demais. Vem embutida nesse discurso discreto que prega que você desapareça na multidão e passe a ser parte da paisagem. Agindo e pautando sua vida por regras da sociedade heteronormativa.

O que muitos não percebem é que ao fazer isso, se reproduz dentro da comunidade gay, um padrão machista da sociedade. Que diz que o feminino (ou afeminado) é inferior, menos importante. Que despreza o passivo como menos macho e mais gay que o ativo. Que cria castas onde, quanto mais heterossexualizado eu parecer, melhor. Seja gay, mas suma na multidão hétero sem que ninguém perceba que você gosta mesmo é de trepar com alguém do seu sexo! Só que é ISSO QUE INCOMODA ELES. E é isso, trepar com alguém do mesmo sexo, a ÚNICA coisa que TODOS os gays tem em comum. Não importa se você é macho alpha, barbie, bombadão, travesti, afeminado, bicha louca...invente o termo que você quiser. No fim, a única coisa que importa para homofóbicos é que você trepa com alguém do seu sexo!

Ah, eles podem fingir aceitar você. Desde que você aceite uma troca. Eu finjo que não me importo que você dorme com alguém do mesmo sexo e você faz o favor de restringir sua vida afetiva e emocional as quatro paredes da sua casa. Longe dos olhos da sociedade civilizada. Você finge que está tudo bem e eu vou fingir que não acho você uma aberração que deve ficar longe dos olhos dos bons cidadãos Sacou? Essa é a troca que você está fazendo!

Não. Você não precisa ser fã de Madonna e falar gírias para ser gay de verdade. Mas alguns falam. E alguns são afeminados. E eles NUNCA vão sumir na multidão. E eles estão no mesmo barco que você! Eles não são os inimigos. Eles não estão sujando a imagem da comunidade gay. Eles são TÃO GAYS COMO VOCÊ. Sem tirar nem pôr. Quem faz o que na cama não devia importar a ninguém, além dos dois envolvidos. E nem determina quem é mais gay.

Protestos, sites, paradas e afins são super necessários. Importantes e fundamentais para que possamos conseguir legislação adequada. Mas você quer fazer uma revolução hoje? Então seja gay. Não apenas dentro da sua casa, escondido nas boates ou atrás de portas fechadas. Mas seja você. Homem ou mulher, profissional, filho, amigo, jornalista, professor, afeminado ou não, masculinizada ou não, GAY. Na vida, como na cama. Por que só assim é possível sair da invisibilidade e dizer em alto e bom som: Eu existo. Viva com isso!

(E esse tanto de amigos cercando esses garotos? Podem me chamar de utópica, 
mas eu SEI que tudo vai melhorar. #ItGetsBetter)

* * *

"Essa é um pouco da minha história. Com isso, quero mostrar a quem possa achar-se em condições insustentáveis, a quem possa achar que suas dificuldades são impeditivas para prosseguir, que nada no mundo é impossível quando você é uma pessoa que possui retidão, que não luta pela destruição dos outros, que levanta-se da sua cama e dá sua cara para bater e mais do que tudo: ousa ser quem você é, mesmo morrendo de medo dos ataques. Só que, também sei que o medo é um demônio, e eu não acredito em demônios." ("Eu sou mais do que você pode ver", na íntegra aqui)

comer ou não comer, quem decide?


Como serpente que morde o próprio rabo, o sistema alimentar industrial – que é o principal causador da mudança climática global - se sacode pelas perdas de colheitas devido a intensas secas nos Estados Unidos. Em algumas partes, apesar de haver colheita, esta não pode ser utilizada porque por falta de chuva as plantas não processam os fertilizantes sintéticos e tornam-se tóxicas para o consumo. Tudo isso está relacionado com o mesmo sistema industrial: sementes uniformes, sem biodiversidade, com agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, com uso de transporte, energia e petróleo -portanto, grande emissor de gases de efeito estufa-, e controlado pelas transnacionais.

No caso do milho, a escassez se exacerba porque 40% da produção nos Estados Unidos destinam-se ao etanol, ou seja, para alimentar carros em vez de gente.

Por os Estados Unidos serem um dos principais exportadores mundiais de milho, soja e trigo, juntamente ao fato de que 80% da distribuição global de cereais está em mãos de quatro multinacionais que administram o abastecimento de modo a obter mais lucros, a baixa de produção nesse país tem efeito dominó sobre o mercado global, onde os preços dos alimentos estão disparados. Além dos grãos, sobem os preços das aves, dos porcos e do gado, já que mais de 40% da produção de cereais do mundo é usada como forragem para a criação industrial confinada de animais. O que é outro absurdo do mesmo sistema agroindustrial, já que seria muito mais eficiente usar os cereais para a alimentação humana e consumir menos carne, ou que a criação fosse em pequena escala, com forragens diversificadas. A criação industrial confinada e massiça de animais também dá origem a epidemias, como a gripe suína e a gripe aviária, que, por sua vez, geram escassez e aumento de preços, como vimos recentemente no México, com o aumento do preço dos ovos devido a um brote de gripe aviária.

Os que mais sofrem com os aumentos de preços são os mais pobres, principalmente os que vivem em zonas urbanas, que gastam 60% de seus ingressos em alimentos.

Ao contrário, as poucas transnacionais que controlam o sistema alimentar e agroindustrial (da Monsanto até a Wal-Mart, passando pela Cargill, ADM, Nestlé e algumas mais), que controlam as sementes e pés de criação, os agrotóxicos, a compra, distribuição e armazenamento de grãos (também para biocombustíveis), os processadores de carnes, alimentos e bebidas, bem como os supermercados, são os responsáveis pela crise; porém, se blindaram contra seus efeitos, trasladando as perdas para os pequenos produtores, para os consumidores e para os cofres públicos. Para elas, o caos climático e a escassez não significam perdas, mas aumento nos lucros, como acontece com as sementes, com os agrotóxicos e fertilizantes que voltam a ser vendidos, ou a empresas que armazenam cereais, os acaparam e especulam, vendendo-os mais caros; ou os produtos em supermercados, cujo preço aumenta muito mais do que a proporção no início da cadeia produtiva.

(...) Se as políticas públicas protegessem a produção agrícola e pecuária diversificada e de pequena escala, com sementes próprias e públicas nacionais, se diversificariam os riscos –inclusive climáticos- e teríamos produção alimentar suficiente, acessível e de melhor qualidade.

(Leia na íntegra no Adital)

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Falar nisso, já viu a foto do Ronald McDonald original? Era ainda mais assustador do que o atual. Aqui.

simples

 
"É muito simples ser feliz, mas é muito difícil ser simples."

- Tagore

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16 de set. de 2012

a caixa

homenagem ao tédio

Tirinhas dos anos 10, André Dahmer

Gosto de dispor de tempo para entediar-me à vontade. Entediar-se é fazer contato com a própria interioridade e abrir-se às nossas cismas. É romper relações com a mesmice do ambiente e entregar-se a um diálogo imaginário. É dar-se conta daquela multiplicidade de facetas tão nossas, que colocamos de lado, que não deixamos que venham à tona em um mundo que só tem tempo para desperdiçar. Entediar-se é não fugir à tristeza, é aceitar que existem, em nosso interior, dimensões escuras, estranhas aos outros e nós, mas nem por isso menos a gente mesmo. É olhar-se de frente no espelho mágico que não sabe mentir. Tédio é tempo de colar o que foi fragmentado, é tempo de arredondar os cantos lascados pela vida. Sem disfarces.

Entediar-se é ausentar-se dos outros. É tempo para ser vivido, e não para ser desperdiçado com gente que se esvazia de si, que vive de presentes. Sem passado que nos dê sentido, perde-se significado. Desaparecemos, assimilados pela opinião, compartilhando apenas o que é comunitário. A solidão aterroriza, mas não devia. Há tantas vozes disputando nossos ouvidos que não é difícil nos flagrarmos, em dado momento, a repetir alguma coisa simplesmente por repetir. Como se fôssemos obrigados a falar, mesmo sem ter nada a dizer. De algum modo, pressinto discursos que se constroem a partir do eco. Sua fonte se perdeu. Como se reflexos se tornassem autônomos. Dou com algumas imagens de mim por aí às vezes, mas nem por isso sou eu. Então percebo que é hora do culto. Que é hora de buscar conforto no tédio, na deriva de alma. Hora de imitar o flâneur, só que percorrendo minha própria interioridade.

Percebo como é difícil pensar a vida sem unidades de medida. É que antigos valores não há mais. Tudo tem preço. Instituíram-se moedas de troca que capitalizam relações entre diferentes tribos, estas que hoje se substituem às extintas classes sociais. Temos apenas faixas de consumo, cuja medida de escala é a quantidade de eletrodomésticos, de banheiros, de suítes, de metros quadrados disputados centímetro a centímetro. Também vale contabilizar maridos e mulheres que se substituem por modelos mais novos, mais adequados a um vir a ser midiático de efeito hipnótico, multiplicado pelos espelhos das vitrines, esses altares, onde os produtos, como os santos, são objeto de adoração. Cobiça e desejos nos guiam e amesquinham nossas ambições recheadas de sabores que ainda não provamos, de substâncias que ainda não tocamos, de brinquedos com que ainda não brincamos. Tudo isso nos afasta de nós, e nos aproxima de miragens que desaparecem, mal a gente consegue tocá-las. A saída é o tédio, a alternativa possível diante dessa fatalidade que se autorregula automaticamente.

Prescinde-se de valores que não sejam aqueles expressamente monetários. A atualidade nos põe preço, e isso sequer nos escandaliza, porque nosso tempo é tão-somente o tempo da emergência do sensacional, da manchete hiperbólica, da banalização de tudo. A fama e o prestígio legitimam qualquer conteúdo. Elas são a alquimia do sucesso. A ingenuidade torna-se cretina. Importa apenas o sensacional, o que pode ser taxado, comprado e vendido. Persegue-se a reparação indenizatória como forma de ajuste, numa atualidade que é sem ligação com o passado e que se vê apenas repetida no futuro, mecanicamente, produtivamente.

(...) Não consigo gostar muito dessas maravilhas todas que a gente só pode ter se comprar. Desconfio dessas coisas que nos tornam felizes, atraentes, inteligentes e que garantem nosso sucesso. Isso não me soa bem. (...)

Um garoto chinês vendeu um rim para poder comprar um iPad. Há uma jovem que investe seus melhores anos em sucessivas operações para substituir próteses mamárias por outras cada vez mais volumosas. Ela deseja ter os maiores seios do mundo. Não sei se conseguiu. Implanta-se tanta coisa no corpo! Ele está cada vez mais tatuado, colorido, transformado. Um rapaz cortou a língua, para que ela ficasse bifurcada como a de um lagarto. Descubro algo novo nisso. O tédio me faz pensar.

Ora, os artistas sempre representaram a figura humana conformada a valores de época. A rigidez das madonas medievais deu lugar às carnes rosadas da Renascença. A isso sobrevieram as sombras e os contrastes do Barroco. El Greco redimensionou as imagens, esticou as figuras para ao alto. A Arte nos conta a história dos homens, economizando palavras. Ah! Os impressionistas coloriram nossas sombras. O ser humano já perdia forma e diluía-se no fundo das telas. Aliás, desde então, fundo e forma se confundem, porque não mais se vai desvincular um do outro. Depois mudamos ainda mais. Desesperamos. Van Gogh resgata o louco. Os corpos começam a ser retorcidos. Basta folhear um livro de arte qualquer para dar-se conta disso. Na modernidade, Portinari conferiu a pés e mãos um peso excepcional, ao retratar um homem que era só força física empregada no trabalho braçal. Anita quase suprimiu a cabeça em Abaporu, um anencéfalo que sobreviveu perfeitamente bem; aliás, como muitos, até hoje.

Por que digo isso? Porque era só arte. Era uma figura humana limitada ao espaço plástico da tela ou do material tornado escultura. Era apenas faz de conta. Não passava de metáfora, de uma interpretação. A pós-modernidade inovou. Hoje é o corpo que recebe esses impactos. Não se trabalha mais a imagem em abstrato. Fazemos isso concretamente no próprio corpo-objeto. Confesso meu susto. Eu me refugio no tédio, bem aqui, entrincheirada por entre livros e velharias. De fato, olhando assim, parece que o corpo se transforma em suporte físico de manifestações só fazem sentido por muito pouco tempo. Percebo algo de assustador em tudo isso.

(...) Produzir, consumir, deixar-se assimilar corporalmente como fetiche. Percorrer o tempo esvaziando-o de significação. Ser o melhor, o maior, o mais ágil, o mais rápido, o recordista. Ser por ser. Bater um recorde qualquer. (...) O banal torna-se profundo. É preciso aplaudir e delirar, sob pena de ser decretada nossa insensibilidade. É preciso ser estúpido, para alcançar a profundidade inaudita do que é óbvio. Por isso talvez eu insista em permanecer tão superficial.

Confesso que fujo. Eu me entrego ao tédio, busco a solidão que me ensina a lidar com o tempo. Preciso fazer valer meu próprio ritmo e preservá-lo como algo profundamente individual. O meu tempo é o meu tempo, e eu gosto de conferir-me a prerrogativa de escolher como usá-lo. É um grande luxo gastar meu tempo com tédio. Saborear o meu café, sentir o cheiro de mofo de cada um dos meus livros, não fazer nada a não ser ouvir o que tenho a dizer a mim mesma.

Deixar-se falar. Talvez tenhamos mais a dizer a nós mesmos do que todos esses discursos de sucesso ou de salvação. Entediar-se. Permitir-se entristecer. Tédio é solitário, é lacônico, é modulado pelo silêncio. Nem alegre nem triste, mas existencial. Tédio é sem consolo, sem compreensão, porque nele não penetra a palavra divina que salva, nem a tentação do demônio que condena, nem a pregação do marqueteiro que quer vender aquilo que todo mundo já tem, menos a gente. Solidão é grátis. É despedida sem adeus. Sem nada. É apenas nossa presença, permanecendo ainda, não obstante todas as coisas que nunca foram aquilo que queríamos ou que pensávamos que elas fossem.

É bem quando descubro que, apesar de tudo, eu ainda sou eu.

(Maristela Bleggi Tomasini, na íntegra aqui. Se dê o tempo de degustar o texto inteiro.)

o caso fox


Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.

Meu colega João Pereira Coutinho publicou na terça [04/09/2012] uma interessante coluna (aqui) em que criticava o estilo tortuoso de muitos textos das ciências humanas. Como estou convencido de que mesmo ideias sutis podem ser expostas de forma clara, concordo com Coutinho em gênero, número e caso.

Receio, contudo, que ele tenha sido levemente injusto para com as humanidades. Não há dúvida de que elas abusam do jargão e da impenetrabilidade. Prova-o um célebre caso de 1996, em que o físico Alan Sokal, disposto a demonstrar a falta de rigor das ciências humanas, submeteu à revista "Social Text" um artigo-embuste que foi aceito e publicado. O texto era uma coleção de disparates em linguagem empolada, argumentando que a gravidade quântica é uma construção social e linguística. Diga-se em favor da "Social Text" que, à época, ela não contava com sistema de revisão por pares.

O problema é que esse tipo de coisa não é exclusividade das ciências humanas. Num experimento mais antigo e menos famoso, pesquisadores da Universidade da Califórnia criaram o Dr. Myron L. Fox.

Também era um engodo. Não existia nenhum Dr. Fox. Para representá-lo, contrataram um ator, Michael Fox, que deu uma aula sobre teoria dos jogos aplicada à educação médica. A exposição não tinha amparo na lógica. Eram frases de duplo sentido sobrepostas a contradições e palavras difíceis. Mas o ator tinha charme e dizia as bobagens com autoridade.

A plateia, composta por psiquiatras e psicólogos, não percebeu o logro. Na verdade, avaliou o desempenho do Dr. Fox muito positivamente. Vídeos da aula foram exibidos a outros públicos sempre com os mesmos níveis de sucesso.

Hoje, o caso Fox é usado em livros de psicologia para ilustrar as várias formas pelas quais nossos cérebros se deixam seduzir por elementos não racionais. O problema, no fundo, é a arquitetura de nossas mentes.

(Hélio Schwartsman, aqui)

zen

 Via

“O ódio não cessará pelo ódio, mas pelo amor apenas. Essa é a lei ancestral.” (Buda)

“Os ódios não cessam neste mundo pelo ódio, mas pelo amor, superando-se o mal com o bem." (Dhammapada 1,5)

"(...) Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos." (Mt 5, 45)

"Pois quem julga de forma estreita mal enxerga a si mesmo, pensa que possui a verdade e exclui a possibilidade de outras formas de percepção da realidade." (Bernardo Sorj, aqui - e aqui também.)


"Doçura é a maestria dos sentidos. Olhos que vêem no fundo das coisas, ouvidos que escutam o coração das coisas, lábios que falam apenas a essência das coisas. Doçura é o resultado de uma longa jornada interior ao âmago da vida e a habilidade de lá permanecer e observar. A doçura procura pelo bem nas coisas, pois no seu coração reside a convicção de que o bem existe em algum lugar em tudo, é só ter paciência para descobri-lo." (Brahma Kumaris)
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