2 de set. de 2012

pais, mães e filhos


"Pensar nos parentescos possíveis, a partir somente disso aí, já deixa o sujeito zonzo. Dá pena do advogado formado no tempo do mater certa, pater sempre incertus, quando uma boa ação de investigação de paternidade era uma aventura de suspense e emoção e não essa coisa sensaborona e sem arte, exame de DNA. Daqui a pouco, vai-se ver com problemas de patrimônio e sucessão antes inimagináveis. Haverá meios-irmãos por parte de pai e por parte de mãe, ou por ambos, e a confusão já começará no registro civil. Quando chegar a alguma herança, declarar-se-á um aranzel jurídico indescritível, em que vai ser difícil alguém tomar pé.

Até porque os, digamos, multiparentescos não vão limitar-se a um genitor extra em cada caso. Na verdade, não é absurdo prever-se que material genético de vários 'colaboradores', de ambos os sexos, poderão vir a ser utilizados na produção ou 'aperfeiçoamento' genético de um embrião humano. Ou seja, é possível que haja um filho de diversos pais e mães, uma obra coletiva, por assim falar. Não deixa de ser uma ideia curiosa e não hão de faltar comitês de amigos que se unam para perpetuar-se como grupo, na figura de um único rebento, que, para acabar de enlouquecer o advogado, usará uma barriga de aluguel. Creio já poder adivinhar que o bebê assim produzido será chamado de 'poligênico', sua figura paterna será um álbum e seu Édipo terá um harém. Com toda a certeza, pelo menos uma torcida organizada criará um menino com material genético doado pelos craques do clube - e o menino receberá o nome de Cocktailson, comerá a bola desde os 5 anos de idade e passará oito minutos dedicando seu primeiro gol como profissional à família."

(João Ubaldo Ribeiro, aqui)

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