7 de dez. de 2012

os velhos nada têm a dizer


Quando o envelhecimento e a morte deixam de ser simbolicamente incorporados na cultura por meio de religiões e filosofias, o discurso midiático parece insistentemente querer demonstrar que a velhice não existe, que é tudo uma questão de atitude psicológica. Gerontologia, geriatria, engenharia genética e todo um aparato tecno-científico é atualmente mobilizado para, associado à mídia, apresentar sensacionais “lições de vida” e “superações”: idosos em praticas e comportamentos análogos ao dos jovens criando não apenas uma aversão aos processos naturais de envelhecimento mas, principalmente, a crise da função dos idosos como “elo geracional”: a transmissão de sabedoria e conhecimento acumulados em uma existência.

Já se tornou um lugar comum nas “notícias diversas” (amenidades que em geral encerram os últimos blocos de telejornais) as chamadas “lições de vida” que idosos nos ensinariam: um senhor de 70 anos que pratica maratonas; uma senhora que aos 75 anos retoma a sala de aula para concluir o ensino médio pensando na universidade e nova carreira profissional; outro senhor de 65 anos diz orgulhar-se por aventurar-se no “mundo das atividades físicas”: “faço atividades físicas com força na academia para fortalecer a musculatura e garantir que tão cedo eu não vou ter que ‘pendurar as chuteiras’”, brinca.

Assim como aquela polêmica campanha publicitária de um banco que afirmava que “nem parece banco”, a visão midiática da terceira idade parece ser essa: “nem parece velho”. O discurso midiático parece insistentemente querer demonstrar que a velhice não existe, que é uma questão de atitude psicológica. Em nome de lições sobre “qualidade de vida” vemos imagens de idosos parecidos com jovens ou querendo provar que são fisicamente capazes, tanto quanto eles.

Por isso, a ciência vai mobilizar uma serie de saberes especializados (geriatria, gerontologia, engenharia genética, tanatologia, criônica etc.) para travar uma verdadeira luta para aliviar ou abolir os estragos do tempo.

Em culturas tradicionais onde a velhice e a morte eram simbolicamente incorporados no dia-a-dia, os idosos sempre foram “elos geracionais” como transmissores de um saber acumulado, conhecimento e sabedoria. Colocados em posição de destaque na sociedade, o natural declínio físico era compensado pela sabedoria, amor e trabalho unidos em uma preocupação com a posteridade na tentativa de equipar os mais jovens para levar adiante as tarefas dos mais velhos.

Hoje toda a indústria da informação e entretenimento faz o caminho inverso: não apenas a velhice é negada por “lições de vida” e todo um aparato terapêutico renovado a cada dia pela indústria farmacêutica como a própria função de “elo geracional” é esquecida: eles nada têm a dizer para as câmeras, a não ser negar a si mesmos numa tentativa a todo custo de aparentar uma atitude positiva e ficar parecidos com os mais jovens.

Eles foram até elevados à categoria etnográfica no mercado: são agora os “Young Seniors”, ávidos por consumo de gadgets que os tornem jovens. O que há por trás dessa aversão não só dos processos de envelhecimento como, principalmente, do esquecimento da função de elo geracional dos mais velhos?

Desde que a General Motors inventou a obsolescência planejada na década de 1920, o “velho” passou a ser um entrave para a reposição acelerada de produtos no mercado e a maximização dos lucros. Toda a indústria da moda e publicidade vai ao longo das décadas posteriores glamorizar o “novo” e a “novidade” como moralmente bons, prazerosos e estimulantes. O ápice dessa verdadeira engenharia de opinião pública foi a construção da cultura pop e jovem nas décadas de 1950-60. “Não confie em ninguém com mais de 30”, dizia o desafiante lema jovem da contracultura: os “mais velhos” (pais e autoridades) passaram a ser encarados como “quadrados”, ultrapassados e intrinsecamente conservadores.

Se isso foi positivo em um momento histórico como revolução e crítica, por outro lado seus líderes não perceberam a ambiguidade dessa nova cultura: seria a base imaginária (ao lado do crédito) de toda a descartabilidade e hedonismo necessários para a aceleração da sociedade de consumo.

(...) O sofrimento central da velhice (o fato de que vivemos vicariamente em nossos filhos ou em gerações futuras) perde suas formas sublimatórias religiosas ou filosóficas como o amor, a sabedoria e o conhecimento, formas que nos faziam se reconciliar com a nossa própria substituição.

(...) Na atualidade experiência e sabedoria são menos ensinamentos a ser passados para uma geração futura do que uma histérica lição de vida performática: a de ser um velho de “cabeça jovem em um corpo são”, cujo único conselho é o de fazer “young seniors” transformarem-se em ávidos consumidores de mercadorias terapêuticas que ajudem a negar a si mesmos como testemunhas vivas do tempo e de uma sabedoria que se perdeu.

- Wilson Roberto Vieira Ferreira

Leia na íntegra aqui

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