8 de set. de 2012

em busca do desejo perdido


"Falar sobre sexo é fácil. Falar sobre nossos espaços vazios, nossas solidões, é muito, mas muito mais difícil. O filme tem menos a ver com o sexo em si do que com o desejo de se sentir amado e de se amar."

(Meryl Streep, sobre "Um divã para dois", aqui).



"Mas trair o próprio desejo da gente é confortável. E, para muitos, o casamento serve para isso: é um pretexto para descansar da tarefa de desejar e de inventar a vida. Assim: casei, nada depende mais de mim, ele (ou ela) me prende nesta rotina e me impede de me tornar o que eu tanto queria ser - boa desculpa, hein? (...)

E daí, quem disse que só vale a pena o que for para sempre?"

(Contardo Calligaris, aqui)

* * * 

Enquanto isso, ocorreu na Turquia, no início de setembro, o primeiro casamento via Twitter (aqui).

* * *

Maurício estava separado.

Sua esposa recém abandonou a casa. Levou as roupas e os pertences sem motivo. Um suicida seria mais educado: pelo menos, deixaria um bilhete e uma explicação. Não foi o que ocorreu.

Para complicar, Maurício e Karen irradiavam felicidade nas últimas semanas, o que ferrou com a cabeça do sujeito. Não houve nenhuma discussão, nenhuma cobrança, nenhum problema pontual.

Não entendia até aquele momento uma verdade dura dos relacionamentos: a felicidade separa mais do que a infelicidade. Poucos suportam depender de outro. Não há maior humildade do que precisar de alguém.

A empregada Leonice vinha sempre às 8h, e encontrava o bancário arrumado e com a mão na maçaneta.

Naquela sexta, não foi diferente, a não ser a esperança da reconciliação.

– Karen ficou dormindo, somente acordará ao meio-dia. Parecia muito cansada. Assistimos a um filme e deitamos tarde.

A empregada suspirou feliz com a reaproximação do casal. Só faltou benzer a porta fechada do quarto.

– Volto para o almoço às 14h – completou.

A empregada foi ao mercado comprar ingredientes e preparar um empadão de palmito, prato predileto de sua patroa.

No decorrer do caminho, recebeu ligação de Maurício.

– Não esquece a rúcula e o iogurte natural que acabaram. Karen não abre mão.

Ao meio-dia, Maurício telefonou de novo:

– Ela levantou?

– Não, permanece quietinha lá, sonhando com os anjos – respondeu Leonice.

– Então, deixa dormindo.

Quando Maurício regressou para o almoço, no meio da tarde. Karen não tinha dado sinal.

Ponderou, ponderou e decidiu não despertá-la.

– Ela nunca pode dormir. Não deve ter trabalho hoje. Não é o caso de incomodá-la. Acordará sozinha.

O tempo rodou 15h, 15h30min, 16h, 16h30min.

Maurício ligou mais uma vez:

– E Karen?

– Nada ainda.

– Compra flores na esquina e decora a sala. Gerânios, ela adora essa palavra: gerânio. Ela costuma falar que a palavra já tem cheiro.

Satisfeita por dentro, Leonice riu com suas covinhas, concluiu que os dois continuavam apaixonados um pelo outro.

Quando Maurício regressou às 18h, Karen resistia dormindo.

Ele teve que pedir:

– Vai acordá-la, passou do limite, o almoço já é janta.

Leonice ressurgiu na sala branca, esverdeada, rosa, azul, amarelo, lilás, alternando as cores do medo.

– Não tem ninguém no quarto.

Maurício respirou fundo e somente disse:

– Não estou pronto para saber disso. Vamos continuar fingindo que ela ainda mora conosco, tá bom, Leonice?

(Fabricio Carpinejar, aqui)

* * *

Quase como em Sob a Areia.

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