13 de dez. de 2012

a economia nos versos do rei do baião


Às vésperas do centenário de nascimento do Rei do Baião, a realidade econômica de muitos locais imortalizados nas suas canções mudou para melhor. No interior do Nordeste, porém, a seca ainda é um cruel flagelo para a população Paulo Henrique Lobato (textos) e Alexandre Guzanshe (foto) Enviados especiais a Pernambuco, Bahia e Ceará

Nascido no Dia de Santa Luzia (13 de dezembro), Luizinho herdou do pai, Januário, a paixão pelo fole. A agilidade com que bulinava sanfonas de oito baixos, ainda na adolescência, animava os arrasta-pés em sua terra natal, Exu (PE), no sopé da Serra do Araripe. Já adulto, depois de servir ao Exército em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Ouro Fino e noutros quartéis Brasil afora, o seu vozeirão, o vasto repertório e a facilidade com que tirava o som do instrumento musical — agora um fole de 120 baixos — conquistaram uma legião de fãs nos quatro cantos do país. Luizinho, então, passou a ser conhecido como Luiz Gonzaga (1912-1989), o rei do baião.

O ritmo musical criado pelo filho de Januário é um marco na cultura nacional. Suas músicas lideraram paradas de sucesso, tal qual o Xote das Meninas. Mas Gonzaga usou o acordeão apenas para divertir o público. Ele aproveitou o sucesso do baião para revelar, como nenhum outro artista da época, um Brasil até então desconhecido de boa parte da população. Em Asa Branca, seu maior sucesso, mostrou o drama da migração forçada pela seca.

Na canção Paulo Afonso, nome da hidrelétrica homônima à cidade baiana, ele ressaltou o desenvolvimento econômico por meio da chegada de energia elétrica em áreas carentes. Em Minas Gerais, o mesmo ocorreu, há 50 anos, com a construção da represa de Três Marias, transformando o então povoado de Barreiro Grande na atual cidade batizada em homenagem à hidrelétrica. Em A marcha da Petrobras, Gonzaga previu que o país seria uma potência mundial — hoje o Brasil é a sexta nação mais rica do planeta.

A lista de músicas que abordam temas econômicos, assim como foi o sucesso do sanfoneiro de Exu, é grande. É bom frisar que parte do norte de Minas pertenceu, há quase dois séculos, à província da Bahia, o que explica as semelhanças climáticas e socioeconômicas da região com o Nordeste.

Em muitas cidades, o progresso sonhado por Gonzaga não é mais utopia. Em Juazeiro do Norte (CE), os arranha-céus mudaram a paisagem local. Em Montes Claros (MG), o distrito industrial atrai grandes empresas. Por outro lado, mesmo com o país batendo recordes na geração de empregos, a seca e outros males cantados à exaustão pelo sanfoneiro ainda ditam o dia a dia de flagelados.

(Publicado no Correio Braziliense, em 09-12-12. Via)

* * *

Depois do êxodo, volta à terra natal

Os movimentos da asa branca, pássaro pouco menor que um pombo, são acompanhados de perto pelo sertanejo, pois a chegada e a partida da ave de uma região significam o início e o fim do período chuvoso. No chamado Grande Norte de Minas e no Nordeste brasileiro, os versos (...) ainda fazem parte da realidade de muitas famílias, que deixam o semiárido em busca de emprego, principalmente, no Sudeste. Por outro lado, devido ao aumento do poder aquisitivo do brasileiro, uma parcela grande de ex-refugiados da seca já faz o caminho de volta. Melhor: muitos que foram para o Sudeste e agora retornam para a terra natal usam suas economias para abrir o próprio negócio, fomentando a renda na região.

Essa boa nova, porém, ainda não chegou à casa de Ana Rodrigues, 47 anos, moradora de Mamonas, a 300 quilômetros de Montes Claros. Em busca de emprego, cinco de seus seis filhos se mandaram para São Paulo. Ela espera, ansiosa, pelo dia em que eles vão voltar em definitivo. "Saíram para o mundo para não passar fome", lamenta. Dois filhos de Jucineide Justino, 45 anos, também se foram. Trocaram Lagoa Grande, no sertão de Pernambuco, por Petrolina, onde o emprego é farto graças à lavoura irrigada pelas águas do São Francisco. "Sei que um dia o mesmo deve acontecer com meus três filhos menores."

De 1960 a 1980, mais de 1,3 milhão de nordestinos deixaram a terra natal. Para eles, como para os filhos de dona Ana, a meca era São Paulo. Hoje, embora muitas famílias do Norte de Minas e do Nordeste ainda partam em busca de um futuro melhor, a migração é menor do que a da época em que o rei do baião gravou Asa Branca. Isso se deve a vários fatores, como investimentos privados e públicos e a expansão de programas sociais, entre eles o Bolsa Família. O professor Alisson Flávio Barbieri, do Departamento de Demografia da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, avalia que a redução das desigualdades sociais e econômicas ante o Sudeste e o Sul brasileiros abriu caminho para o crescimento da economia e a migração de retorno.

A redução da desigualdade foi fundamental para que Jailson Sales, 46 anos, fizesse o caminho de volta para casa, em Exu (PE), quase 30 anos depois de ter partido para São Paulo, onde trabalhou em várias funções na indústria. "Em 2010, percebi que o Nordeste havia crescido, que as pessoas passaram a ter renda maior. Decidi voltar". Ele veio na companhia de um amigo, Luiz Antônio Rodrigues, 61 anos, que trocou Guarulhos (SP) pela terra de Gonzaga. Montaram uma fábrica de confecções com 20 funcionários.

(Publicado no Correio Braziliense, em 09-12-12. Via)

* * *

Verba não chega a áreas que sofrem com a seca

A maioria das cidades brasileiras que tiveram situação de emergência em razão da seca reconhecida pela União não receberam recursos do governo federal em 2012. Fatores como excesso de burocracia, falta de verba e negligência de prefeitos contribuíram para deixar 1.390 dos 2.058 municípios (68%) sem a ajuda neste ano. Os dados, do Ministério da Integração Nacional, foram repassados à Folha pela Lei de Acesso à Informação.

Há casos de emergência por estiagem e seca em todas as regiões do Brasil. Seca, como define a Defesa Civil, é uma estiagem prolongada. No Sul, 69% dos municípios não receberam recursos.

O Nordeste é a região com mais municípios afetados e não socorridos. Dos 1.272 em situação de emergência, apenas 459 (36%) receberam verba federal. Algumas localidades enfrentam a pior seca dos últimos 30 anos.

A Integração Nacional diz que nem todos os municípios que tiveram a situação de emergência reconhecida solicitaram recursos. (...)

Também há administrações municipais que pediram ajuda, mas nada chegou. "Não vimos a cor [do dinheiro] até o momento. Estamos sendo assistidos só por carros-pipa e por uma ação tímida de construção de cisternas", afirmou o prefeito de São Caetano (PE), Jadiel Cordeiro (PTB). O prefeito é diretor da Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco) e membro do Comitê Estadual de Combate à Estiagem.

Segundo ele, os municípios pernambucanos receberam apenas programas assistenciais como o Bolsa Estiagem, que destina R$ 400 a famílias afetadas pela seca. Para Cordeiro, falta "sensibilidade" ao governo federal. "Quem está com fome e sede não pode esperar." Segundo números da Integração Nacional, 179 dos 185 municípios pernambucanos estão em situação de emergência, e apenas dois receberam repasses de recursos.

Em Poço Redondo (SE), a prefeitura diz que não chove há dois anos e os reservatórios secaram há oito meses.

O pluviômetro na sede do município acumula água desde janeiro e marca menos de 50 milímetros. O secretário municipal de Agricultura, José Silva de Jesus, estima que 3.500 cabeças de gado tenham morrido em dois anos. Jesus diz ter solicitado R$ 6,3 milhões ao governo federal para ações emergenciais, construção de barragens e aquisição de máquinas, mas, até agora, apenas caminhões-pipa e programas sociais chegaram. "Mandamos toda a documentação. Tentamos desde o início do ano."

Para os que solicitaram e não foram atendidos, o ministério cita "falta de disponibilidade orçamentária" e não cumprimento de prazos previstos em lei. (...)

Até março, o agricultor Antonio Gomes Souza, 54, mantinha 17 animais em sua propriedade em Águas Belas, agreste pernambucano. Cinco morreram e o restante foi vendido porque ele não tinha condições de criar. "Tem uns mais teimosos que ainda tentam criar, mas a beira da estrada parece um cemitério de reses mortas", diz o agricultor.

Sem produzir, vive do que juntou com a venda dos animais. Faz bico no sindicato rural para juntar R$ 75 por semana. A mulher, professora, ganha R$ 1.000. Com o dinheiro o casal se mantém e ainda sustenta um filho e a nora. "Está insuportável. Vai começar a morrer gente de sede porque as fontes estão secando todas. De fome ninguém morre porque tem o Bolsa Família."

(Via)

* * *

A seca

Por Euclides da Cunha (na íntegra aqui):

De repente, uma variante trágica.

Aproxima-se a seca.

O sertanejo adivinha-a e prefixa-a graças ao ritmo singular com que se desencadeia o flagelo.

Entretanto não foge logo, abandonando a terra a pouco e pouco invadida pelo limbo candente que irradia do Ceará. (...)

Os sintomas do flagelo despontam-lhe, então, encadeados em série, sucedendo-se inflexíveis, como sinais comemorativos de uma moléstia cíclica, da sezão assombradora da Terra. Passam as "chuvas do caju" em outubro, rápidas, em chuvisqueiros prestes delidos nos ares ardentes, sem deixarem traços; e pintam as caatingas, aqui, ali, por toda a parte, mosqueadas de tufos pardos de árvores marcescentes, cada vez mais numerosos e maiores, lembrando cinzeiros de uma combustão abafada, sem chamas; e greta-se o chão; e abaixa-se vagarosamente o nível das cacimbas... Do mesmo passo nota que os dias, estuando logo ao alvorecer, transcorrem abrasantes, à medida que as noites se vão tornando cada vez mais frias. A atmosfera absorve-lhe, com avidez de esponja, o suor na fronte, enquanto a armadura de couro, sem mais a flexibilidade primitiva, se lhe endurece aos ombros, esturrada, rígida, feito uma couraça de bronze. E ao descer das tardes, dia a dia menores e sem crepúsculos, considera, entristecido, nos ares, em bandos, as primeiras aves emigrantes, transvoando a outros climas...

É o prelúdio da sua desgraça.

Vê-o acentuar-se, num crescendo, até dezembro.

Precautela-se: revista, apreensivo, as malhadas. Percorre os logradouros longos. Procura entre as chapadas que se esterilizam várzeas mais benignas para onde tange os rebanhos. E espera, resignado, o dia 13 daquele mês. Porque em tal data, usança avoenga lhe faculta sondar o futuro, interrogando a Providência.

É a experiência tradicional de Santa Luzia. No dia 12 ao anoitecer expõe ao relento, em linha, seis pedrinhas de sal, que representam, em ordem sucessiva da esquerda para a direita, os seis meses vindouros, de janeiro a junho. Ao alvorecer de 13 observa-as: se estão intactas, pressagiam a seca; se a primeira apenas se deliu, transmudada em aljôfar límpido, é certa a chuva em janeiro; se a segunda, em fevereiro; se a maioria ou todas, é inevitável o inverno benfazejo.*

Esta experiência é belíssima. Em que pese ao estigma supersticioso tem base positiva, e é aceitável desde que se considere que dela se colhe a maior ou menor dosagem de vapor d’água nos ares, e, dedutivamente, maiores ou menores probabilidades de depressões barométricas, capazes de atrair o afluxo das chuvas.

Entretanto, embora tradicional, esta prova deixa ainda vacilante o sertanejo. Nem sempre desanima, ante os seus piores vaticínios. Aguarda, paciente, o equinócio da primavera, para definitiva consulta aos elementos. Atravessa três longos meses de expectativa ansiosa e no dia de S. José, 19 de março, procura novo augúrio, o último.

Aquele dia é para ele o índice dos meses subseqüentes. Retrata-lhe, abreviadas em doze horas, todas as alternativas climáticas vindouras. Se durante ele chove, será chuvoso o inverno; se, ao contrário, o Sol atravessa abrasadoramente o firmamento claro, estão por terra todas as suas esperanças.

A seca é inevitável.

- Euclides da Cunha (na íntegra aqui)

* "Conta-se que no Ceará fizeram esta experiência diante do naturalista George Gardner; mas o sábio fazendo observações meteorológicas, e chegando a um resultado diferente do atestado pela santa, exclamou em seu português atravessado: Non! non! Luzia mentiu..." (Sílvio Romero, A poesia popular no Brasil.)

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