9 de dez. de 2012

para uma relação encarnada


“Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.”
- Manoel de Barros

Não aceite sentimento algum (seu ou do outro) que não seja uma sensação corporal. Desconfie de visões espirituais que não surjam acompanhadas de percepções sensoriais. Ignore pensamentos que não impliquem em posturas e posições do corpo. Abandone conversas em que ninguém esteja dançando. Evite compensações e substituições para seus desejos amorosos – seu impulso de invadi-la, desrespeitá-la, penetrá-la de todos os modos; sua vontade de ser perscrutada, rendida, atravessada.

Por meio de práticas corporais (ioga, tai chi, kung fu, esportes, meditação, artes), aprofunde sua relação com o corpo. Sinta não apenas seu corpo, mas a corporeidade dos outros. Toque o corpo do mundo. Aprenda novos movimentos, gestos, olhares. Jeitos de pegar e conduzir; modos de se soltar e se entregar. Experimente segurar um pouco mais forte. Entorte, desentorte, se demore mais.

Use seus dedos para dançar com a mão dela. Esfregue seus pés nele. Faça massagem de perna com perna, braço no braço. Delicie-se com o colo, aquele universo imenso que existe entre o pescoço e os seios dela.

Use todas as emoções negativas como meios hábeis para abrir e amar o outro. Se ela o deixou nervoso por não ter conversado com seus amigos bêbados e fumantes, não discuta, não apele para a mente. Respire sua raiva e deixe que ela mova seu corpo em direção ao dela. Pressione o peito dela contra o seu, mostre que você a ama, que ela pode se soltar nas mais desconfortáveis situações porque você está ali, presente, com ela. Leve para cama sua decepção com o mundo, seu fracasso. Engula e transforme seu dia inteiro na fúria mansa que vai entrar no corpo dela. Use sua vida para amplificar o amor que você esfregará naquelas curvas.

Se ele se distraiu, errou e decepcionou você e sua família, não inicie uma luta de argumentos, não use a mente. Coloque sua raiva nas mãos e bata nele. Dê um tapa na cara, tire-o dessa sonolência, libere seu torpor. Use seu corpo para ativar o corpo dele. Deixe-o vivo. Esfregue-se até que ele abra os olhos, peça desculpas e saiba o que fazer, até que ele retome seu direcionamento. Vá para a cama com suas dúvidas e contrações. Deixe que ele a veja assim, cheia de você mesmo, e sinta uma vontade irresistível de percorrê-la inteira.

Uma história de amor talvez seja a tentativa – sempre fracassada – de viver com o corpo aquilo que certa vez fantasiou a alma. Mas não precisa ser assim. Aquilo que o próprio corpo fantasia parece bem mais rico. E possível.

O que não sei lhe fazer com o corpo, guardo em minha mente. O que não sei tocar, lamber ou deslizar, penso. Com isso, ora vou disparar bla-bla-blás românticos, ora vou brigar em argumentos infindáveis. Mas e se eu conseguir falar com os lábios? E se lhe pedir para me escutar apenas com sua boca?

- Gustavo Gitti, aqui (vale a pena ler o texto completo)

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