9 de set. de 2012

laços e nós familiares


Uma revolução sempre esconde outra. A transformação da família “pai, mãe e filhos” em um leque de possibilidades existenciais, revelada em pesquisa do IBGE, é uma porta de entrada para entender a complexa articulação entre família e trabalho e como nela se está gestando uma revolução invisível. No rastro da transformação da família está vindo a do mundo do trabalho.

Se metade das famílias brasileiras já não corresponde ao modelo casal com filhos vivendo sob o mesmo teto, nem por isso a família se desfaz. Ela resiste, assume formas inusitadas e afirma-se como o que de fato é: laço afetivo, uma realidade econômica e, quando há crianças, um espaço de transmissão de valores e comportamentos. Intimidade, gratuidade e solidariedade que caracterizavam a família tradicional ancoram, hoje, nessas novas configurações, multifacetadas.

Essa grande diversidade traz novidades: o menor número de filhos — ou nenhum filho — e o fato de que homens e mulheres exercem, ambos, atividades lucrativas e colaboram com suas rendas para o sustento da família. A criação dos filhos se dá nos interstícios de duas vidas profissionais. No cotidiano dos casais ou dos indivíduos, homem ou mulher, que sozinhos assumem essa responsabilidade, o tempo se torna um bem escasso e precioso.

O mundo do trabalho não estava preparado para acolher os problemas da vida privada. Enquanto o homem provedor dominou a cena conjugal, uma mulher nos bastidores carregava o peso das responsabilidades domésticas. Quando o provedor saiu do ar e as mulheres bateram à porta do mundo do trabalho esconderam a vida privada , temerosas de que este “defeito” lhes fechasse o acesso. E tomaram as devidas providências: em pouco tempo caíram as taxas de natalidade. Subiu a renda familiar, com dois salários onde que antes só havia um sustentando o consumo de uma família menor.

A renda das famílias aumentou na razão direta em que aumentava a carga e se acelerava o ritmo do trabalho das mulheres. Divididas entre a família e o trabalho, para essas eternas culpadas os laços de família se transformaram em um nó.

Não por acaso, como mostram os dados do IBGE, um número crescente de mulheres retarda ou renuncia à maternidade para levar à frente um projeto profissional. O que prova que o mundo do trabalho invadiu e, durante algum tempo, submeteu as escolhas privadas às suas regras. Mas, como o campo dos afetos é resistente, chegou o momento em que é ele que começa a invadir o mundo do trabalho, forçando-o a abandonar seu ideal de espaço esterilizado dos ruídos da vida real e a conviver com os vínculos que fazem sentido para pessoas de carne e osso, que ganham a vida sem que por isso estejam dispostas a vendê-la.

O que as estatísticas ainda não desvelam é como o mundo do trabalho em suas pontas mais modernas começa a se redesenhar para atender essa nova família. A organização do tempo, uma angústia generalizada, é hoje um problema no cotidiano das empresas. As mulheres e, cada vez mais, os homens estão afirmando que o desejo de melhor criar seus filhos ou de ocupar-se de si mesmos como condição de sobrevivência psíquica e aspiração à felicidade não significa desídia . Já não querem esconder o
privado. Querem debater o problema de sua articulação com o trabalho não mais na intimidade da família — onde que não há solução porque não é um problema doméstico —, mas dentro da própria empresa, que é parte do problema e da solução.

A vida privada que o mundo do trabalho ignorava perpassa, hoje, os departamentos de RH. Flexibilidade nos horários, possibilidade de trabalhar em casa alguns dias na semana, já não soa como uma aberração. Ao contrário, está sendo experimentada nas empresas como solução. As tecnologias da informação ajudando, a jornada de trabalho vai perdendo seu caráter fabril onde reinam o contramestre e o relógio de ponto, incorporando a virtualidade no desempenho profissional avaliado pelo cumprimento de metas e não pelo tempo de permanência nos escritórios. Não se trabalha menos, apenas de maneira diferente. O local de trabalho do século XXI será, cada vez mais, para muita gente, o ciberespaço.

Essas alternativas que aliviam a pressão do tempo colocam as empresas inovadoras no coração da modernidade, exemplo estruturante para a sociedade brasileira. Que ninguém se engane: as demais serão cada vez mais confrontadas a essa questão. Assim como a família mudou — e justamente porque ela mudou —, a maneira de trabalhar está mudando.

Quem viver verá.

- Rosiska Darcy de Oliveira

(via)

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